Pacificação pela guerra? Um pouco sobre contraindicação e o combate ao crime no Brasil

16/01/2016

Por Maurilio Casas Maia - 16/01/2016

Eis aqui um breve texto contendo uma indagação aos juristas, legisladores e demais cidadãos: Seria necessário aprender a contraindicar o Direito Penal e repressivo para o bem da própria sociedade?

A inspiração foi retirada de um excelente livro de Psicologia Médica, no qual foi pontuado conscientemente: as Escolas de Medicina e Residência mereceriam crítica por ensinar seus estudantes somente a recomendar a cirurgia e não a contraindicá-las – medida essa tão importante quanto indicar e realizar a cirurgia. E se a sobredita crítica médica pode ser adaptada ao Direito, talvez o seja especialmente cabível quanto ao Direito Penal.

Genericamente falando, a sociedade – a partir de seus jornais e noticiários –, vive aos flertes com uma “Guerra contra o crime”. Por isso, antes do avanço, convém indagar: Quais as consequências de uma guerra? Pense... Mortes? Prisioneiros? Guetos? Campos de concentração? Medo? Ódio? Gastos pesados com armamento? Não seriam esses alguns dos frutos envenenados de uma guerra?

E volta-se ao eixo textual: Quais as consequências da “Guerra contra o crime”?

Mortes? Muitas, por certo. E por todos os lados. Prisioneiros? Sim. Muitos. Dentro e fora do presídio. Medo e ódio? Alguma dúvida sobre a resposta? Gasto pesado com armamento e utensílios úteis à guerra? Algo por aí...

Com efeito, em um Direito Penal centrado na punição e na restrição da liberdade (inclusive com a vulgarização da prisão antecipada), percebe-se, cada dia mais, o quanto a sociedade investe muito em ter muitos prisioneiros, porém pouquíssimo em não tê-los.

A “moda” seria mesmo ser primitivo? O modismo seria ser adepto do “ismo” do punitivismo?

Ou seria mera coincidência o Brasil fechando Escolas, enquanto outros países fecham seus Presídios (aqui)?

Infelizmente, poucos percebem que manter uma guerra tem custos altíssimos, cujas heranças são (e serão) representadas por mazelas multigeracionais...

Mas o que esperar de juristas e cidadãos que irrefletidamente apre(e)ndem a guerra como instrumento da paz? Algo diferente do que se vê (presídios com lotação desumana, mortes, torturas, aumento da criminalidade, prisão provisória vulgarizada etc)? Óbvio que não.

Em verdade, pouco se fala de sanções positivas e da função promocional do Direito. Quantos as conheceriam (de fato)? Talvez as sanções positivas e a referida função promocional, citadas por BOBBIO (“Da estrutura à função”), façam parte de um grupo de objetos de estudo ainda muito carente de expressão entre legisladores e juristas. Lamentável.

Que tal se, em vez de guerra, o povo aprendesse a exigir mais promoção de oportunidades e criação de incentivos?

Que tal se no lugar da dispendiosa “guerra”, a criatividade humana buscasse a “neutralização” e “diminuição” da criminalidade (e seus nefastos efeitos) por medidas outras que não o “combate guerrilheiro”, cujos resultados se agigantam em um nocivo efeito dominó? Você consegue imaginar o resultado de um grande esforço social em tal sentido?

Em verdade, medidas simples podem representar o início de um paradigma mais constitucional e realmente humano. Ao exemplo disso: (I) o “Campeonato de Soletração” – inciativa do Ministério Público de Maués-AM, por via da promotora Yara Marinho (aqui), que incentiva demasiadamente as crianças de escolas públicas ao estudo mais intenso e ao afastamento do mundo infracional; (II) o projeto “Delegado Legal” – como medida de condução de informação edificantes aos alunos da rede pública de ensino (aqui); (III) “Defensores Populares”, enquanto projeto condutor de (in)formação jurídica e cidadania para membros comunitários – p referido projeto vem sendo reiterado em Defensorias Públicas de diversos estados, como São Paulo, Mato Grosso do Sul e Amazonas, por exemplo. O enfoque é a promoção da cidadania, conforme declarou o diretor da Escola da Defensoria Pública Amazonense, Carlos Almeida Filho: “Decidimos reproduzir esse curso na nossa capital, pois identificamos êxito nas edições que aconteceram em outros Estados e esperamos alcançar o mesmo resultado de ações de cidadania para a nossa população” (veja mais aqui).

Em suma, acredita-se que investir em humanização e socialização é imprescindível. Punir por punir é cada vez mais primitivo – embora no Brasil muitos achem isso, sadicamente, “o máximo” e outros prefiram os aplausos dessa mesma maioria em lugar do legítimo “sono dos justos”. O retrocitado anacronismo do pensamento humano é, sem dúvida, exatamente a causa e consequência da doutrina construtora de “presídios” e esquecedora das “escolas”, em um círculo vicioso. Mas qual a culpa dos doutrinadores do mundo da “guerra contra o crime”? Afinal, seus legisladores, seus juristas e seus heróis provavelmente apre(e)nderam isto também com seus pais e professores: guerrear para pacificar(?). Como culpá-los?

E então, sem perceber e por não saber o valor da “contraindicação jurídica”, a sociedade se torna refém perene da “guerra” por ela mesma incentivada e (re)criada, dia após dia. Um minuto de silêncio pelo Brasil...


Notas e Referências:

BOBBIO, Noberto. Da estrutura á função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Revisão Técnica de Orlando Seixas Bechara e Renata Nagamine. Barueri (SP): Manole, 2007.

CARVALHO, Aldir Rodolfo de. GUNN-SECHEHAYE, Alain. CAIXETA, Marcelo. Psicologia da Prática Médica. In: CAIXETA, Marcelo. Psicologia Médica. Editora Guanabara Koogan, 2005, p. 369-374.


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui  .


Imagem Ilustrativa do Post: human_trafficking_image_free // Foto de: Imagens Evangélicas // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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