As causas de exclusão de antijuridicidade são causas de justificação da prática do fato típico, que o tornam jurídico, ou seja, não vedado nem proibido pelo ordenamento legal.
Essas causas estão previstas no art. 23 do Código Penal e são também encontradas na doutrina com os nomes de causas de exclusão de ilicitude, descriminantes, causas de exclusão do crime, eximentes ou tipos permissivos. São elas: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.
A legítima defesa vem prevista no art. 25 do Código Penal, que diz:
“Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
Legítima defesa, portanto, é a repulsa a injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de outrem, usando moderadamente os meios necessários. Trata-se de causa excludente da antijuridicidade - embora seja típico o fato, não há crime em face da ausência de ilicitude.
A legítima defesa requer, para sua configuração, a concorrência dos seguintes elementos:
a) Agressão injusta, atual ou iminente: a agressão pode ser definida como o ato humano que causa lesão ou coloca em perigo um bem jurídico. A agressão é injusta quando viola a lei, sem justificação (“sine jure”). Agressão atual é aquela que está ocorrendo. Agressão iminente é aquela que está preste a ocorrer.
b) Direito próprio ou de terceiro: significa que o agente pode repelir injusta agressão a direito seu (legítima defesa própria) ou de outrem (legítima defesa de terceiro), não sendo necessária, neste último caso, qualquer relação entre eles.
c) Utilização dos meios necessários: significa que o agente somente se encontra em legítima defesa quando utiliza os meios necessários para repelir a agressão, os quais devem ser entendidos como aqueles que se encontrem à sua disposição. Deve o agente sempre optar, se possível, pela escolha do meio menos lesivo.
d) Utilização moderada de tais meios: significa que o agente deve agir sem excesso, ou seja, deve utilizar os meios necessários moderadamente, interrompendo a reação quando cessar a agressão injusta.
e) Conhecimento da situação de fato justificante: significa que a legítima defesa requer do agente o conhecimento da situação de agressão injusta e da necessidade de repulsa (“animus defendendi”).
No âmbito da legítima defesa, são chamadas ofendículas ou ofendículos as barreiras ou obstáculos para a defesa de bens jurídicos.
Geralmente constituem aparatos destinados a impedir a agressão a algum bem jurídico, seja pela utilização de animais (cães ferozes, por exemplo), seja pela utilização de aparelhos ou artefatos feitos pelo homem (arame farpado, cacos de vidro sobre o muro e cerca eletrificada, por exemplo).
Parcela da doutrina distingue ofendícula de defesa mecânica predisposta. As ofendículas são percebidas com facilidade pelas pessoas e não necessitam de aviso quanto à sua existência. Exs.: cacos de vidro sobre o muro, pontas de lança em uma grade, fosso etc. Já as defesas mecânicas predispostas estão ocultas, ignoradas pelo suposto agressor, sendo necessário o aviso quanto à sua existência. Exs.: cerca eletrificada, armadilhas em geral, arma oculta, cão feroz etc.
Nesse aspecto, a Lei n. 13.477/2017 dispõe sobre a instalação de cerca eletrificada ou energizada em zonas urbana e rural, estabelecendo os cuidados e procedimentos a serem observados.
De acordo com a referida lei, as cercas eletrificadas ou energizadas deverão atender às seguintes exigências:
I – o primeiro fio eletrificado deverá estar a uma altura compatível com a finalidade da cerca eletrificada;
II – em áreas urbanas, deverá ser observada uma altura mínima, a partir do solo, que minimize o risco de choque acidental em moradores e em usuários das vias públicas;
III – o equipamento instalado para energizar a cerca deverá prover choque pulsativo em corrente contínua, com amperagem que não seja mortal, em conformidade com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT);
IV – deverão ser fixadas, em lugar visível, em ambos os lados da cerca eletrificada, placas de aviso que alertem sobre o perigo iminente de choque e que contenham símbolos que possibilitem a sua compreensão por pessoas analfabetas;
V – a instalação de cercas eletrificadas próximas a recipientes de gás liquefeito de petróleo deve obedecer às normas da ABNT.
Percebe-se, portanto, no regramento das cercas eletrificadas ou energizadas, a evidente preocupação do legislador com a pessoa inocente, que possa ser acidentalmente vulnerada por choque elétrico.
As ofendículas ou defesas mecânicas predispostas constituem hipóteses de legítima defesa preordenada, que atuam quando o infrator procura lesionar algum interesse ou bem jurídico protegido. Há quem sustente, entretanto, constituírem elas exercício regular de direito.
A nosso ver, a melhor solução é considerar a mera instalação, utilização ou predisposição das ofendículas ou defesas mecânicas predispostas como exercício regular de direito (direito de se autodefender); quando efetivamente atuarem essas barreiras ou obstáculos, vulnerando o bem jurídico do injusto agressor, serão consideradas legítima defesa preordenada.
Mas o problema pode surgir em caso de acidente que vitimize pessoa inocente. Nesse caso, como fica a responsabilidade penal do agente que instalou ou que mandou colocar a cerca eletrificada ou energizada para proteção de seu bem jurídico?
Constituem as ofendículas ou defesas mecânicas predispostas sempre hipótese de exercício regular de direito ou legítima defesa ou podem constituir crime em determinadas ocasiões, como no caso de um inocente ser por elas atingido?
A questão é instigante!
O que se tem entendido é que tanto as ofendículas quanto as defesas mecânicas predispostas devem respeitar os mesmos requisitos do art. 25 do Código Penal, sendo certo que, no caso específico de cercas eletrificadas ou energizadas, devem ainda atender às exigências impostas pela Lei nº 13.477/2017, sob pena de responsabilização penal do agente responsável pela instalação ou colocação. É o requisito da moderação.
Com relação às demais modalidades de ofendículas ou defesas mecânicas predispostas (tais como os cacos de vidro sobre o muro, o cão feroz, a ponta de lança em uma grade etc) a solução é análoga, muito embora seja mais acertado analisar cada hipótese concreta, correndo por conta de quem as utilizar os riscos que apresentam.
Em suma, estando as ofendículas ou defesas mecânicas predispostas regularmente instaladas ou colocadas, atendendo aos requisitos da proporcionalidade e da moderação, caso atinjam o agressor do bem jurídico, estará caracterizada a legítima defesa real. Mas, caso atinjam um inocente, estará caracterizada a legítima defesa putativa.
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