Obsolescência programada viola direito à informação e constitui prática abusiva

23/07/2015

Por Redação

Obsolescência programada é uma prática estratégica de mercado em que o fabricante de um determinado produto, de forma proposital, faz com que este se torne obsoleto rapidamente - diante do desenvolvimento de novas gerações do mesmo produto - ou pare de funcionar, a fim de forçar o consumidor a manter o consumo constante.

A respeito da temática e de suas implicações para o Direito Consumerista, o Juiz de Direito Relator Alexandre Morais da Rosa proferiu Voto no Recurso Inominado n. 2013.100261-0 da Primeira Turma de Recursos da Comarca da Capital/SC, em que destaca: "a prática de obsolescência programada é abusiva e fere o princípio da boa-fé objetiva nas relações de consumo e o direito básico à informação clara e precisa. É dever do fornecedor, em atenção à boa-fé contratual e as legítimas expectativas do consumidor, alertá-lo sobre a provável obsolescência do produto quando sabe inequivocamente da iminência de substituição ou atualização".

Confira abaixo a íntegra do Acórdão.


Recurso Inominado n. 2013.100261-0, da Capital

Relator: Alexandre Morais da Rosa

Recorrente: D.C.B. LTDA

Recorrido: M.M.G.

RELAÇÃO DE CONSUMO – OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA – AQUISIÇÃO DE COMPUTADOR COM SISTEMA OPERACIONAL QUE FORA SUBSTITUÍDO 1 MÊS APÓS A VENDA – DIREITO BÁSICO À INFORMAÇÃO CLARA E PRECISA – DIREITO DE ARREPENDIMENTO – ATUALIZAÇÃO DE SOFTWARE – CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DO VALOR DO PRODUTO – VÍCIO DO PRODUTO/VÍCIO DE INFORMAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO

1. A prática de obsolescência programada é abusiva e fere o princípio da boa-fé objetiva nas relações de consumo e o direito básico à informação clara e precisa. É dever do fornecedor, em atenção à boa-fé contratual e as legítimas expectativas do consumidor, alertá-lo sobre a provável obsolescência do produto quando sabe inequivocamente da iminência de substituição ou atualização.

2. A atualidade do produto ou serviço é característica de qualidade e valor, portanto insere-se dentre as informações essenciais do produto, cujo dever de prestá-las reflete atenção à direito básico do consumidor, na forma do art. 6º, inciso III, do CDC.

3. O dever do fornecedor de prestar informação clara e precisa (art. 6º, inciso III, do CDC) se reforça e amplia na medida da complexidade do produto ou serviço. Portanto, não basta a mera disponibilização de informações ininteligíveis ao leigo. A complexidade do produto, computador e softwares, demanda especial atenção ao dever de informação, em caráter objetivo. É da jurisprudência:

"Ademais, o fornecedor somente se desincumbe de forma satisfatória do dever de informar quando os dados necessários à tomada de decisão pelo consumidor são por ele cognoscíveis. Não basta portanto dar a conhecer, disponibilizar, é preciso que o consumidor efetivamente compreenda o que está sendo informado"

(TJRS, ACív n.º 70044971505, Des. Túlio de Oliveira Martins, j. 5/10/2011)

Neste sentido, o vício de informação se caracteriza pela constatação do comportamento paradoxal do consumidor, independentemente dos dados estarem disponibilizados, afinal, é inverossímil que o consumidor, devidamente bem informado pelo fornecedor, se arrependa de imediato da aquisição de um produto que supostamente funciona como o planejado.

4. Sobre a abusividade da prática de obsolescência programada, é da jurisprudência do STJ:

“Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que nunca, em razão de uma sociedade massificada e consumista -, tem-se falado em obsolescência programada, consistente na redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura.

[...]

Nessas circunstâncias, é até intuitivo imaginar que haverá grande estímulo para que o produtor eleja estratégias aptas a que os consumidores se antecipem na compra de um novo produto, sobretudo em um ambiente em que a eficiência mercadológica não é ideal, dada a imperfeita concorrência e o abuso do poder econômico, e é exatamente esse o cenário propício para a chamada obsolescência programada.

São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflacionamento do preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a recompra do conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar o consumidor a atualizar por completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de insumos ou peças necessárias à antiga.

[...]

Certamente, práticas abusivas como algumas das citadas devem ser combatidas pelo Judiciário, visto que contraria a Política Nacional das Relações de Consumo, de cujos princípios se extrai a "garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho" (art. 4º, inciso II, alínea "d", do CDC), além de gerar inegável impacto ambiental decorrente do descarte crescente de materiais (como lixo eletrônico) na natureza.”

(REsp 984106/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 20/11/2012).

5. Sobre o princípio da boa-fé nas relações contratuais, é da doutrina:

“Na função de baliza da licitude, confiança e boa-fé (ideias  já unidas etimologicamente pela noção de fides) conectam-se funcionalmente, uma sintetizando a proteção das legítimas expectativas, outra traduzindo as exigências de probidade e correção no trafego jurídico. Atuam, pois, coligadamente para coibir condutas que defraudem a expectativa de confiança – seja aquele grau mínimo de confiança que torna pensável a vida social, seja a confiança qualificada por uma especial proximidade social entre as partes, como ocorre na relação pré-contratual. Isto porque não é nem sequer pensável a comunicação (entendida como meio de entendimento e de coordenação da ação humana) – ensina-nos Baptista Machado –, senão havendo a observância de regras éticas elementares, como veracidade e lealdade, a que correspondem os conceitos complementares de credibilidade e responsabilidade.”

(Judith Martins-Costa. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: Direito civil contemporâneo : novos problemas à luz da legalidade constitucional. Gustavo Tepedino, organizador. São Paulo : Atlas, 2008. p. 57.)

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Visto, relatado e discutido o presente Recurso Inominado n. 2013.100261-0, da Capital, interposto por D.C.B. LTDA em face de M.M.G..

ACORDAM, em Primeira Turma de Recursos Cíveis e Criminais, por votação unânime, por conhecer do recurso inominado e negar-lhe provimento. Custas e honorários por parte da recorrente, sendo estes arbitrados em R$1.500,00.

Voto

1. Trato de Recurso Inominado interposto contra decisão, fls. 54 – 57, que julgou procedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização no valor do produto, R$3.354,93, formulado por M.M.G. em face de D.C.B. LTDA.

A recorrente insurge-se contra a condenação.

2. O autor alega que o produto adquirido pelo site da ré, com o sistema operacional Windows Vista, tornou-se obsoleto com o lançamento do sistema operacional Windows 7, em apenas um mês. E, que diante do fato do programa de atualização não se estender ao seu produto, o autor não mais teria interesse no computador. Justificou o pedido indenizatório com base na ofensa ao direito de informação clara e precisa, do art. 6º, inciso III, do CDC.

3. Na forma do art. 6º, inciso III do CDC, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de suas características é um direito básico do consumidor. Portanto, o direito à informação é responsabilidade objetiva do fornecedor. Ora, é inverossímil que o recorrente estivesse devidamente informado da iminência da substituição do sistema operacional e decidiu deliberadamente adquirir o produto, para se ver frustrado no mês seguinte.

4. Destaque-se que o dever do fornecedor de prestar informação clara e precisa (art. 6º, inciso III, do CDC) se reforça e amplia na medida da complexidade do produto ou serviço. Em outras palavras, não se trata de objeto simples e de compreensão imediata das suas características. Um computador envolve uma complexidade de elementos, hardware e softwares, que demandam maior atenção ao dever de informação.

Não basta a mera disponibilização de informações ininteligíveis ao leigo. A complexidade do produto, computador e softwares, demanda especial atenção ao dever de informação, em caráter objetivo. É da jurisprudência:

"Ademais, o fornecedor somente se desincumbe de forma satisfatória do dever de informar quando os dados necessários à tomada de decisão pelo consumidor são por ele cognoscíveis. Não basta portanto dar a conhecer, disponibilizar, é preciso que o consumidor efetivamente compreenda o que está sendo informado"

(TJRS, ACív n.º 70044971505, Des. Túlio de Oliveira Martins, j. 5/10/2011)

Neste sentido, o vício de informação se caracteriza pela constatação do comportamento paradoxal do consumidor, independentemente dos dados estarem disponibilizados, afinal, é inverossímil que o consumidor, devidamente bem informado pelo fornecedor, se arrependa de imediato da aquisição de um produto que supostamente funciona como o planejado.

5. A prática de obsolescência programada é abusiva e fere o princípio da boa-fé objetiva nas relações de consumo e o direito básico à informação clara e precisa. É dever do fornecedor, em atenção à boa-fé contratual e as legítimas expectativas do consumidor, alertá-lo sobre a provável obsolescência do produto quando sabe inequivocamente da iminência de substituição ou atualização.

A atualidade do produto ou serviço é característica de qualidade e valor, portanto insere-se dentre as informações essenciais do produto, cujo dever de prestá-las reflete atenção à direito básico do consumidor, na forma do art. 6º, inciso III, do CDC.

Sobre a abusividade da  prática de obsolescência programada, é da jurisprudência do STJ:

“Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que nunca, em razão de uma sociedade massificada e consumista -, tem-se falado em obsolescência programada, consistente na redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura.

Como se faz evidente, em se tratando de bens duráveis, a demanda por determinado produto está viceralmente relacionada com a quantidade desse mesmo produto já presente no mercado, adquirida no passado. Com efeito, a maior durabilidade de um bem impõe ao produtor que aguarde mais tempo para que seja realizada nova venda ao consumidor, de modo que, a certo prazo, o número total de vendas deve cair na proporção inversa em que a durabilidade do produto aumenta.

Nessas circunstâncias, é até intuitivo imaginar que haverá grande estímulo para que o produtor eleja estratégias aptas a que os consumidores se antecipem na compra de um novo produto, sobretudo em um ambiente em que a eficiência mercadológica não é ideal, dada a imperfeita concorrência e o abuso do poder econômico, e é exatamente esse o cenário propício para a chamada obsolescência programada (a propósito, confira-se: CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; RODRIGUES, Maria Madalena de Oliveira. A obsolescência programada na perspectiva da prática abusiva e a tutela do consumidor. in. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor. vol. 1. Porto Alegre: Magister (fev.⁄mar. 2005 e vol 42, dez.⁄jan. 2012).

São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflacionamento do preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a recompra do conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar o consumidor a atualizar por completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de insumos ou peças necessárias à antiga.

Registro, por exemplo, da jurisprudência do TJRJ, caso em que um televisor apresentou defeito um ano e doze dias depois da venda (doze dias após o término da garantia), e tendo o consumidor procurado a assistência técnica, constatou ele que não existiam mais peças de reposição para solucionar o vício, de modo que, em boa verdade, o produto - bem durável - tornou-se imprestável em brevíssimo espaço de tempo (AC 0006196-91.2008.8.19.0004, 4a Câmara Cível do TJRJ, ReI. Des. Sérgio Jerônimo A. Silveira,j. 19.10.2011).

Certamente, práticas abusivas como algumas das citadas devem ser combatidas pelo Judiciário, visto que contraria a Política Nacional das Relações de Consumo, de cujos princípios se extrai a "garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho" (art. 4º, inciso II, alínea "d", do CDC), além de gerar inegável impacto ambiental decorrente do descarte crescente de materiais (como lixo eletrônico) na natureza.”

(REsp 984106/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 20/11/2012).

6. Em atenção à inversão do ônus da prova, art. 6º, inciso VIII, a recorrente não provou os fatos desconstitutivos do direito do autor, e tampouco que este fora devidamente informado sobre a iminente obsolescência.

7. Diante da falha de informação, apresentação e a prática de obsolescência programada, tem-se o vício do produto. Impõe-se a aplicação dos arts. 31, 20 e 51, inciso I, in verbis:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

[...]

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

[…]

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

8. Os direitos básicos à devida e clara informação ao consumidor bem como a prevenção contra vício do serviço, consagrados no art. 6, inciso III, e 20 do CDC, compõem o princípio da transparência e da boa-fé contratual nas relações de consumo.

Sobre a o princípio da boa-fé e transparência nas relações de consumo, é da doutrina:

“Na função de baliza da licitude, confiança e boa-fé (ideias  já unidas etimologicamente pela noção de fides) conectam-se funcionalmente, uma sintetizando a proteção das legítimas expectativas, outra traduzindo as exigências de probidade e correção no trafego jurídico. Atuam, pois, coligadamente para coibir condutas que defraudem a expectativa de confiança – seja aquele grau mínimo de confiança que torna pensável a vida social, seja a confiança qualificada por uma especial proximidade social entre as partes, como ocorre na relação pré-contratual. Isto porque não é nem sequer pensável a comunicação (entendida como meio de entendimento e de coordenação da ação humana) – ensina-nos Baptista Machado –, senão havendo a observância de regras éticas elementares, como veracidade e lealdade, a que correspondem os conceitos complementares de credibilidade e responsabilidade.” (Judith Martins-Costa. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: Direito civil contemporâneo : novos problemas à luz da legalidade constitucional. Gustavo Tepedino, organizador. São Paulo : Atlas, 2008. p. 57.)

9. Ante o exposto, voto por conhecer do recurso inominado e negar-lhe provimento, para manter a sentença atacada por seus próprios fundamentos.

DECISÃO

A Turma, por unanimidade, decidiu conhecer do recurso inominado e negar-lhe provimento. Custas e honorários por parte da recorrente, sendo estes arbitrados em R$1.500,00.

Capital, 07 de março de 2013.

Alexandre Morais da Rosa

Relator


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