O TESTE DE RORSCHACH E A AVALIAÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO PARA OBTENÇÃO DE BENEFÍCIOS NA EXECUÇÃO PENAL

01/06/2023

A discussão acerca da comprovação do requisito subjetivo para a obtenção de benefícios prisionais durante a execução da pena privativa de liberdade voltou a ser objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de “habeas corpus” impetrado pela defesa de Anna Carolina Jatobá, condenada a 26 anos e 8 meses de prisão, em 2009, juntamente com Alexandre Nardoni, também condenado a 30 anos e 2 meses de reclusão, pelo homicídio da menina Isabella Nardoni, atirada da janela do apartamento em que moravam, na cidade de São Paulo.

No caso, o juízo da execução penal da comarca de Tremembé, S.P., condicionou a análise do pedido de progressão ao regime aberto, feito por Anna Carolina, à sua submissão ao Teste de Rorschach, mesmo após ter sido submetida a exame criminológico, com resultado favorável, o que fez com que a defesa impetrasse “habeas corpus” perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo esta Corte mantido a decisão de primeiro grau.

A defesa impetrou novo “habeas corpus” junto ao Superior Tribunal de Justiça, questionando a exigência do Teste de Rorschach como condição para análise do requerimento de progressão ao regime aberto.

Analisando o “habeas corpus” impetrado, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou, por unanimidade, que o juízo da execução em São Paulo aprecie o pedido de progressão ao regime aberto apresentado pela defesa de Anna Carolina Jatobá, independentemente da realização de Teste de Rorschach.

Segundo entendimento da Quinta Turma, o juízo da execução penal deixou de apresentar fundamentação adequada para a medida.

O Teste de Rorschach é uma técnica projetiva psicológica que tem como objetivo avaliar a personalidade e o funcionamento psicológico dos indivíduos. Foi desenvolvido pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach, sendo publicado pela primeira vez em 1921. Desde então tem sido amplamente utilizado na prática clínica, particularmente na psiquiatria, consistindo em apresentar uma série de manchas de tinta simétricas a um indivíduo, que deve descrever o que vê em cada uma delas.

Em breves linhas, o teste é composto por dez manchas de tinta, cinco em preto e branco e cinco coloridas. As manchas são apresentadas aos participantes em uma ordem específica e padronizada. O indivíduo é encorajado a descrever o que vê em cada mancha, proporcionando informações sobre suas percepções, pensamentos e emoções associadas às imagens. As respostas do participante são avaliadas por um profissional treinado em psicologia ou psiquiatria. Diferentes variáveis são consideradas durante a interpretação, como conteúdo, localização, determinantes e qualidade das respostas.

Vale lembrar que o Teste de Rorschach não se limita apenas às respostas verbais do participante. Também são consideradas suas expressões faciais, tom de voz, hesitações e outras características comportamentais durante o teste.

O Teste de Rorschach é frequentemente utilizado na avaliação de transtornos de personalidade, distúrbios psicóticos, traumas e outros problemas psicológicos. Ele pode fornecer informações sobre aspectos inconscientes da personalidade, padrões de pensamento e processos de adaptação.

A eficácia do Teste de Rorschach na avaliação psicológica e psiquiátrica é um tema discutido e controverso entre os profissionais de saúde mental. Devido à natureza projetiva do teste, as respostas estão sujeitas a interpretações subjetivas. A percepção individual do participante pode influenciar suas respostas, tornando o teste vulnerável a vieses e ambiguidades. Alguns defendem sua eficácia como uma ferramenta complementar na avaliação psicológica, permitindo “insights” adicionais sobre a personalidade e o funcionamento mental. Ele pode complementar outros métodos de avaliação, auxiliando na formulação de um diagnóstico clínico mais abrangente e preciso. As respostas e características reveladas durante o teste podem fornecer “insights” adicionais que podem ser úteis na compreensão do indivíduo.

Outros argumentam que o teste é menos confiável, devido à sua subjetividade e à falta de evidências científicas robustas que apoiem sua validade e confiabilidade. Alguns críticos apontam que a falta de padronização e a subjetividade envolvida na interpretação das respostas podem comprometer sua confiabilidade. Além disso, estudos têm demonstrado que as pontuações e interpretações podem variar entre diferentes examinadores, levantando preocupações sobre sua consistência.

Diante das críticas ao Teste de Rorschach, outras técnicas de avaliação, como questionários estruturados e entrevistas padronizadas, têm ganhado mais aceitação na comunidade científica. Essas abordagens fornecem uma estrutura mais objetiva e replicável, aumentando a confiabilidade e a validade dos resultados.

De todo modo, a adoção do Teste de Rorschach deve ser feita com cautela e como parte de uma avaliação abrangente, combinada com outras técnicas de avaliação mais estruturadas e validadas.

No caso específico do “habeas corpus” em apreço, entendemos que estão com razão o juízo da execução penal da comarca de Tremembé e o Tribunal de Justiça de São Paulo, uma vez que, não obstante a requerente já tenha se submetido a exame criminológico, a análise do requisito subjetivo necessário para a progressão de regime deve contar com a maior quantidade de elementos técnicos possível, ainda mais à vista da gravidade do ato praticado e da intensa reprovação social que recaiu sobre o crime brutal, sendo o Teste de Rorschach uma valiosa ferramenta de avaliação de transtornos mentais, de personalidade e psicóticos, para obter uma visão mais completa e precisa acerca da viabilidade de colocação de um indivíduo em liberdade.

 

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