O risco social e o Direito Previdenciário em tempo de reforma

21/09/2017

Por Cristina Aguiar Ferreira da Silva – 21/09/2017

1. INTRODUÇÃO

A sociedade atual, em razão dos grandes avanços tecnológicos, passou a conviver mais diretamente com o risco, nas mais variadas áreas da vida humana. Esses riscos, ao longo do tempo, foram sofrendo modificações seja pela mudança do perfil da sociedade, seja pela criação de soluções que ao resolver um tipo de risco acabaram por criar outros, diferentes, mais complexos.

Por essa razão, a atual sociedade passou também a ser conhecida como sociedade do risco. Embora esses riscos alcancem parte da população de forma mais incisiva que outras, todos estão ou serão submetidos a estes riscos, mais cedo ou mais tarde, sejam eles de ordem social, ambiental, financeira ou de outra natureza.

Os riscos sociais também foram sofrendo alterações ao longo dos anos, em especial com o envelhecimento da população que exige da seguridade social, políticas mais adequadas a nova realidade de forma que as políticas públicas minorem os efeitos desses riscos sobre a sociedade. É, ao menos, o que deveria ocorrer com o planejamento e execução das políticas públicas em matéria previdenciária, de saúde e de assistência.

Para isso, na área da saúde, por exemplo, políticas públicas voltadas aos idosos têm sido desenvolvidas, com a regulamentação de seus direitos e o estabelecimentos de programas de prevenção e atenção a doenças.

A assistência social, em contrapartida, vem atuando na identificação das pessoas em situações de vulnerabilidade social, cujo conceito sofreu enorme modificação nos últimos anos em decorrência da alteração dos riscos existentes.

Enquanto em décadas passadas havia uma grande preocupação com pessoas de baixa renda, por em regra estarem mais próximas do conceito de vulnerabilidade social, mais recentemente a assistência social passou a dar grande importância para o atendimento a casos envolvendo o vício em drogas e álcool, riscos esses diretamente relacionados também a políticas de saúde pública e previdência. O problema com as drogas no Brasil já é considerado uma questão de saúde pública[1].

Na previdência social, os riscos sociais foram expressamente previstos na Constituição Federal de 1988. Após ela foram criadas as Leis 8.212/91 e 8.213/91 que regulamentaram, respectivamente, questões de custeio e benefícios.

Essas normas, depois de mais de vinte anos de sua publicação, foram alteradas inúmeras vezes, ora para realizar adequações aos entendimentos jurisprudenciais dominantes ou questões de custeio e ora para alterar as regras para implemento dos benefícios previdenciários.

As alterações, por vezes, se mostram muito mais uma medida para proteção do Estado do que do beneficiário e das necessidades decorrentes da forma em que vive a sociedade contemporânea.

A preocupação com os benefícios previdenciários, por se tratar de direitos fundamentais, é recorrente, mas pouco se questiona se o risco social tem sido preponderante na discussão das reformas ou mero coadjuvante.

2. DO RISCO SOCIAL

Para a compreensão da dimensão de abrangência dos riscos sociais previstos na Constituição Federal, é de suma importância passar primeiro pelo entendimento de como a sociedade chegou ao ponto atual da chamada sociedade de risco.

A revolução industrial teve como consequência várias mudanças sociais que resultaram na consolidação do atual modelo de sociedade. Este modelo acabou sendo denominado como sociedade globalizada, pós-industrial ou sociedade de risco.

HESPANA e CARAPINHEIRO (2002, 13) afirmam que um “um efeito particularmente visível de globalização consiste na emergência ou na amplificação de situações de risco social, através de processos por vezes muito complexos de ruptura dos equilíbrios sociais à escala local”. Essa situação, por si só, é suficiente para uma reflexão de como gerenciar estes riscos.

Uma das mudanças sociais mais marcantes deste período, diante desse quadro, é justamente a forma de gerenciar e distribuir os riscos. Até a revolução industrial, os riscos não estavam diretamente relacionados aos avanços tecnológicos e acabavam sendo mais facilmente controlados. Parte específica da população – geralmente com menos recursos financeiros – eram diretamente atingidos por estes riscos.

BECK (2015, p. 60) alerta para que os riscos hoje enfrentados decorrem de escolhas conscientes em que são ponderados os benefícios e custos da medida. Por essa razão, alerta o autor estes perigos associados `industrialização não se transformam numa questão política devido a sua dimensão, mas sim uma característica social (...)”.

Isso fica ainda mais evidente se for considerado, por exemplo, que durante a revolução industrial, os trabalhadores das fábricas ficavam mais sujeitos aos riscos das atividades, principalmente pela baixa preocupação de medidas de proteção, como equipamentos de proteção individual ou coletiva. Em decorrência da grande dependência econômica para viabilizar a sua subsistência e a de sua família, eram submetidos a condições degradantes de trabalho, em jornadas com horas em demasia.

Em contrapartida, a burguesia era detentora do capital e responsável pelo desenvolvimento da atividade econômica, o que a afastava também dos riscos inerentes à produção fabril.

Por essa razão, não raras vezes, os trabalhadores sofriam acidente o que resultava em seu afastamento do trabalho sem remuneração. Quando ficavam com sequelas físicas, ou eventualmente eram levados à morte pelo acidente, ele e sua família, respectivamente, ficavam, em regra, sem recursos para a subsistência.

BECK (1998, p. 28), ao demonstrar essa transição de épocas e os reflexos dos riscos na sociedade atual, elucida:

Sin embargo, llama la atención que em aquel tiempo, a diferencia de hoy, los peligros atacaban a la nariz o a los ojos, es decir, eran perceptibles mediante los sentidos, mientras que los riesgos civilizatórios hoy se sustraen a la percepción y más bien residen en la esfera de las fórmulas químico-físicas (por ejemplo, los elementos tóxicos em los alimentos, la amenaza nuclear). A ello va unida una diferencia más. Por entonces, se podía atribuir los riesgos a um infraabastecimento de tecnologia higiênica. Hoy tienen su origen em uma sobreproducción industrial. Así pues, los riesgos y peligros de hoy se diferencian esencialmente de los de la Edad Media (que a menudo se lês parecen exteriormente) por la globalidad de sua amenaza (seres humanos, animales, plantas) y por sus causas modernas Son riesgos de la modernización. Son um producto global de la maquinaria Del progreso industrial y son agudizados sistemáticamente con su desarrollo ulterior

BECK conclui (1998, p. 28) seu raciocínio esclarecendo que as consequências que os riscos causam, diferentemente de antes da revolução industrial, não se restringem ao local em que foram criadas, mas colocar em perigo a própria vida na Terra.

Essas situações de risco, inerente à sociedade atual e ao desenvolvimento tecnológico, por sua vez, geram reflexos nas mais variadas áreas da vida. Nesse contexto, é que surge a Previdência Social com o objetivo de criar formas de lidar com esses riscos do segurado e seus dependentes, minorando os seus efeitos[2].

Mas afinal, o que é o risco? Como ele reflete na Previdência Social?

PASTOR (1991, pg. 220) elucida a questão ao dizer que:

A) EI riesgo, para la doctrina tradicional deI seguro social, no es más que la possibilidade de que acaez un hecho futuro, incierto e involuntario que produce un dãno de evaluación económica al asegurado. Sin embargo, dejando ahora a un lado las notas de evento y dãno, los rasgos propios del riesgo riesgo en sentido estricto son la futuridad y la incertidumbre, que lo configuran como riesgo-posibilidad.

a) La futuridad, implica que el riesgo como objeto de la relación jurídica de seguro social es válido cuando el hecho previsto no sea pretérito o pasado, sino que esté por sobrevenir (posición ex ante de la relación).

b) La incertidumbre implica el desconocimento de si el hecho ha de producir-se, ya em sentido absoluto, incertus an et quando (accidente, enfermedad, ), ya en sentido relativo, incertus na (vejez) o incertus  quando (muerte).

O risco, portanto, está vinculado a um fato que pode ocorrer no futuro, em momento incerto ou de natureza incerta que tem condições de gerar dano a alguém.

Sob a ótica da Previdência Social, entende-se como risco social os fatos incertos futuros que um segurado está submetido em razão circunstâncias laborais ou da própria vida[3]. A Previdência Social, pela concessão de benefícios ou serviços tem como função mitigar estes riscos, dando respaldo, em regra de natureza financeira, ao segurado ou seus dependentes na ocorrência de um fato por ele amparado.

No caso brasileiro, os riscos sociais amparados pela Previdência Social vêm expressamente estabelecidos no art. 201 da Constituição Federal, que possui a seguinte redação:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

(...)

Como é possível perceber, a Constituição Federal estabeleceu que os benefícios previdenciários deveriam proteger os segurados em caso de doença, invalidez, morte avançada, maternidade e desemprego. Pela Emenda Constitucional nº 20/98, passou a ser previsto também, em âmbito constitucional, o salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes de segurados de baixa renda.

Ao analisar alguns dos benefícios existentes já é possível perceber o surgimento de alguns questionamentos sobre a abrangência do risco social. Exemplo disso é a aposentadoria por tempo de contribuição.

A norma infraconstitucional prevê a possibilidade de aposentadoria apenas por tempo de contribuição, mas o risco social para este evento não fica claro e não está arrolado na lista prevista pela Carta Maior. Em decorrência disso, a aposentadoria voluntária, nesse caso, se assemelha a um prêmio para o trabalhador que prestou serviços por muitos anos, mesmo que ele não tenha nenhuma situação que dificulte o desenvolvimento da sua atividade.

Nesse sentido, a normatização da Previdência social no Brasil é falha, já que afasta o benefício de sua origem de criação que é o risco social que o segurado está sujeito. Isso é ainda agravado pelo fato de que a população brasileira, além de começar a trabalhar cedo, teve sua expectativa de vida aumentada consideravelmente nas últimas décadas, gerando situações inusitadas.

Apenas a título de reflexão, uma segurada mulher que começa a trabalhar com filiação ao Regime Geral de Previdência Social aos dezoito anos de idade terá direito de forma precoce a inativação. De acordo com a regra atual de aposentadoria por tempo de contribuição, esta segurada poderia se aposentar com trinta anos de tempo de contribuição, o que corresponde – em caso de vinculação ininterrupta ao regime – que ela poderá se aposentar com quarenta e oito anos de idade.

Levando em consideração que de acordo com a Tábua de Mortalidade, de 2014, divulgada pelo IBGE a expectativa de vida média do brasileiro está em 75,2 (setenta e cinco vírgula dois anos), sendo de 71,6 (setenta e um vírgula seis) para homens e 78,8 (setenta e oito vírgula oito) anos paras mulheres, a segurada mencionada receberia o benefício, em média, por mais de trinta anos.

Diante desses dados, fica evidente a incongruência entre o tempo de contribuição efetiva (trinta anos) e o tempo que será efetivamente usufruído o benefício (trinta anos). Essa situação, muito comum no Brasil, gera um risco de desequilíbrio financeiro da Previdência Social, que a longo prazo, com a mudança da estrutura da pirâmide etária, fica ainda mais acentuado.

Outros benefícios muito criticados em razão do alcance do risco social são o salário-família e o auxílio-reclusão.

O salário-família é, juntamente com o auxílio-acidente, as exceções à regra de garantia ao salário-mínimo nacional em benefícios previdenciário. Isso ocorre por não ter como finalidade a substituição do trabalho remunerado do segurado, mas sim, agregar-lhe valor por filho menor de quatorze anos ou inválido que cumprir os requisitos previstos em lei[4].

Já o auxílio-reclusão é benefício destinado aos dependentes do segurado preso pelo período em que ele estiver em regime fechado ou semiaberto, desde que não seja foragido e neste último regime, ele não esteja trabalhando.

Os dois benefícios mencionados são destinados somente a baixa renda, conceito este atualizado anualmente pela Previdência Social. E é justamente aqui que reside o problema. Ao limitar a concessão do benefício somente aos segurados de baixa renda, a lei desconsidera que o risco social se estende a todos os dependentes de segurado e não somente a alguns. Estabelecer este critério é o mesmo que dizer que um filho de dez anos de um segurado de baixa renda, por exemplo, tenha mais necessidades de subsistência que outro, de mesma idade, filho de segurado que receba o teto da Previdência Social.

Essa situação não tem como foco o risco social, mas sim outros elementos, principalmente de natureza financeira (custeio) no estabelecimento dos benefícios previdenciário, o que afeta diretamente o fato gerador da proteção prevista.

3. A SITUAÇÃO FINANCEIRA DA PREVIDÊNCIA E O ALEGADO DÉFICIT

Nenhum sistema previdenciário sobrevive sem uma fonte de custeio forte e diversificada. O sistema previdenciário brasileiro não é diferente. O que difere, contudo, é o fato de existir uma propaganda permanente na qual é vendida à sociedade a ideia de que a Previdência Social brasileira está quebrada e que se não houver restrições fortes nos benefícios, logo o pagamento dos benefícios previdenciários não poderia ser garantido.

Chegou-se recentemente a cogitar a possibilidade de que as aposentadorias tivessem valores inferiores ao salário mínimo nacional[5], o que seria, além de inconstitucional, um grave retrocesso social.

As reformas em um sistema previdenciário devem ser feitas de forma a atender a modificação das características sociais de determinada sociedade, de forma a efetivamente servir para mitigar os efeitos dos riscos sociais. Contudo, não é o que se tem visto. O foco tem sido no chamado déficit previdenciário. Diante disso, é importante o esclarecimento de por qual razão o alegado déficit não existe.

A Constituição Federal, ao tratar sobre o custeio do sistema previdenciário, não o analisou de forma estanque ou individualizada, o fez tratando do custeio da Seguridade Social, expressão que comporta, além da previdência, a assistência social e a saúde. O art. 194 assim prevê:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. 

(...) 

Portanto, a seguridade social – composta pelo seu tripé: saúde, assistência e previdência – possui uma fonte de custeio diversificada não oriunda somente do pagamento de contribuições previdenciárias dos segurados e empregadores. Os recursos de vários outros tributos contribuem para o sistema como um todo.

O equívoco no discurso do alegado déficit previdenciário está, principalmente, na desconsideração da previdência social como parte de um sistema maiores do que as contribuições sobre remuneração e folha de pagamento.

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP elabora anualmente estudos estatísticos que demonstram que ao contrário do informado pela imprensa e pelo próprio governo, a seguridade social – conceito no qual a previdência social faz parte – é superavitário.

A margem existente de superávit não é grande o suficiente para não necessitar de um acompanhamento adequado, mas deve-se destacar que esta diferença positiva existe apesar das desonerações previdenciárias e da desvinculação das Receitas da União – DRU.

Estudos da ANFIP mostram a evolução de gastos e despesas da Seguridade Social. No ano de 2015, cujos dados já foram totalmente consolidados, houve um superávit de R$ 11.170.000.000,00 (onze bilhões, cento e setenta milhões de reais) e não o déficit alegado. Tanto é que este valor corresponde a mais do que a metade de todos os gastos com a saúde[6].

Por essa razão, é necessário que as reformas legislativas sejam desenvolvidas considerando a real situação financeira da Previdência Social, sempre a partir do risco social. O que se verifica, no entanto, é que cada vez mais os benefícios previdenciários se distanciam do risco e aproximam-se da questão financeira.

O custeio deve ser desenvolvido a partir da premissa inicial de que há um rol de riscos sociais considerados importantes o suficiente para serem protegidos. Não se defende o descaso com a fonte de recursos que pagaram os benefícios previdenciários, mas que o planejamento público seja feito considerando-se efetivamente o que é necessário a partir da decisão político-social de quais riscos merecem proteção da Previdência Social.

Diferente não poderia mesmo ser, já que que a própria Constituição Federal prevê que nenhum benefício pode ser criado sem a devida identificação da fonte de custeio. Este princípio, conhecido como regra da contrapartida, busca exatamente que seja construído um equilíbrio entre o risco social a ser protegido pelo sistema e a existência de recursos para atender os benefícios dele originado.

De outra sorte, os recursos destinados por tributos à Seguridade Social e, consequentemente, à previdência, não devem ser desviados pelas chamadas desonerações fiscais, que permitem uma diminuição da contribuição previdenciária para categorias de empresas, ou desvinculados por instrumentos como a DRU, que permite que parte dos recursos vinculados à seguridade social sejam utilizados para fins diversos de sua destinação, para gastos comuns da administração pública.

4. CONCLUSÃO

Nos últimos anos, de forma recorrente, discute-se a necessidade de reforma da previdência para, alegadamente, permitir uma sustentabilidade financeira do sistema. No entanto, no seio destas discussões não se verifica a análise do risco social inerente a cada benefício instituído para identificar se a alteração se configura mera adequação do sistema para atingir seus fins, que mudam de acordo com a evolução da sociedade e de sua qualidade de vida.

Em decorrência dessa perda de foco, de forma a tornar a questão previdenciária uma questão social e não somente política, parece necessário retornar à origem do sistema previdenciário, ao risco, para identificar a adequação do regime e das alterações legislativas promovidas ao longo dos anos.

Tudo isso sem perder a consciência do direito fundamental envolvido e a importância do sistema previdenciário dentro do ordenamento jurídico brasileiro. A partir deste ponto, a identificação de parâmetros técnicos para adequação do sistema deve sempre ser verificada em contraste com as limitações impostas por princípios constitucionais, dentre eles o da vedação do retrocesso social e da segurança jurídica.

No Brasil, a Lei n° 8.213/91 prevê um rol de benefícios que engloba oito benefícios destinados a apenas segurados (aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, auxílio-doença, salário-família, salário-maternidade, e auxílio-acidente) e dois benefícios destinados apenas aos dependentes (pensão por morte e auxílio-reclusão), além de serviços previdenciários, como o serviço social e a reabilitação.

Entender os limites protetivos desses benefícios e os riscos sociais envolvidos auxilia no aprimoramento do sistema como um todo, atingindo melhor os fins a que se destinam. Isso fica ainda mais evidente ao se analisar o artigo 3° da Constituição Federal de 1988 que prevê como objetivo fundamental da República, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Wagner Balera esclarece que “a base estrutural atual exige, portanto que a seguridade social alcance a justiça social”[7].

É necessário, portanto, que a essência da previdência social se efetive, ou seja, que permita a subsistência do trabalhador ou seus dependentes quando este não possuir condições mais de desenvolver suas atividades em decorrência dos riscos hoje existentes[8].

Por essa razão, deve-se buscar o equilíbrio entre o risco social que origina a proteção previdenciária com os limites impostos pelas questões financeiras, o que passa, necessariamente, pela profissionalização de gestão do Regime Geral de Previdência Social.

A sociedade justa e fraterna preconizada pela Carta Magna deve, novamente buscar sua finalidade precípua que é garantir o bem social. Até mesmo porque, como acentua Raquel Bellini de Oliveira Salles, “sob esta perspectiva, não se concebe a democracia sem que os indivíduos e os grupos tenham consciência de suas liberdades e de suas responsabilidades com respeito a si mesmos e aos outros[9].

Essa postura é o que viabiliza o desenvolvimento do “bem comum”, que deve ser o objetivo de toda a conduta humana e da proteção previdenciária. Wilson Engelmann, ao tratar do tema, afirma que para a “construção do bem comum” é necessária uma “consciência moral de todos os envolvidos: sejam os particulares, sejam os representantes do poder público”[10].

Ao se tratar de reforma previdenciária, portanto, todos os atores sociais, de forma consciente e informada, devem ser inseridos na discussão, já que as decisões tomadas repercutirão na sociedade como um todo para a atual e as futuras gerações.


Notas e Referências:

[1] Confederação Nacional dos Municípios mantém um endereço eletrônico na rede mundial de computadores chamado Observatório do Crack (), em que índices e estatísticas são estudados, com informações sobre rede de atendimento, níveis de problemas relacionados com esta droga e políticas públicas que podem auxiliar no aprimoramento do atendimento do público alvo e seus familiares.

[2] BALERA (2010, p. 174) enfatiza que a Previdência Social não consegue abarcar todos os riscos, pela criação permanente de novas situações a serem protegidas: “Quando me detenho em cada um dos riscos que o sistema de seguridade pretende albergar, dentro da proposta de universalidade da cobertura e do atendimento, percebo que o momento culminante da proteção social – o que se poderia considerar, para utilizarmo-nos de uma expressão constitucional, o atendimento integral nunca será atingido. De tal modo, a pós-modernidade apontou distintas dimensões para os mesmos riscos e, em sua marcha acelerada, não se cansa de propor novos horizontes, que está a submeter a verdadeiro teste de eficácia todos os esquemas postos de proteção social.”

[3] O Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia federal responsável pela gestão do Regime Geral de Previdência Social, por sua procuradoria, vem ajuizando ações de regresso contra empresas que descumprem de forma reiterada normas de higiene e segurança no trabalho e cuja postura resulta em benefícios previdenciários por incapacidade. O mesmo tem ocorrido no caso de benefícios decorrentes de acidente de carro quando o terceiro, causador do acidente, dirigia embriagado ou em alta velocidade. Mais recentemente os esposos e companheiros de seguradas que buscam benefícios em razão de agressões destes que se enquadram na Lei Maria da Penha também estão sendo cobrados pelo  custo que suas ações geraram ao regime previdenciário.

[4] A lei exige que seja comprovado anualmente que os dependentes do segurado estejam cumprindo o calendário de vacinação previsto para a sua idade, bem como esteja, vinculado ao sistema educacional com frequência comprovada. Estes dois requisitos, dão ao benefício uma natureza assistencial, apesar de estar previsto no rol de benefícios previdenciários. Isso ocorre, pois os requisitos estão mais vinculados a políticas públicas da área da saúde do que propriamente a um risco social.

[5] A matéria foi noticiada pela imprensa brasileira, como, por exemplo, no site http://odia.ig.com.br/economia/2016-05-19/piso-do-inss-sera-inferior-ao-salario-minimo-nacional.html.

[6] ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Análise da Seguridade Social 2015. Disponível em <https://www.anfip.org.br/doc/publicacoes/20161013104353_Analise-da-Seguridade-Social-2015_13-10-2016_Anlise-Seguridade-2015.pdf>. Acesso em 07 de set. 2017.

[7] BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 34.

[8] Wagner Balera afirma que “de tal modo, a pós-modernidade apontou distintas dimensões para os mesmos riscos e, em sua marcha acelerada, não se cansa de propor novos horizontes, que está a submeter a verdadeiro teste de eficácia todos os esquemas postos de proteção social.” (BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p.174)

Sugere-se, ainda, para compreensão adequada dos riscos da pós-modernidade, a leitura de BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo: hacia una nueva modernidad. Espanha: Paidós, 1998.

[9] SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. A justiça social e a solidariedade como fundamentos ético-jurídicos da responsabilidade civil objetiva. In: Revista Trimestral de Direito Civil. V. 18. Rio de janeiro: Padma, abr-jun. 2004. p.124.

[10] ENGELMANN, Wilson; FLORES, André. A phrónesis como mediadora ética para os avanços com o emprego das nanotecnologias: em busca de condições para o pleno florescimento humano no mundo nanotech. Revista da Ajuris, v. 36, 2009. p. 316.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Análise da Seguridade Social 2015. Disponível em <https://www.anfip.org.br/doc/publicacoes/20161013104353_Analise-da-Seguridade-Social-2015_13-10-2016_Anlise-Seguridade-2015.pdf>. Acesso em 07 de set. 2017.

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2012.

BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo: hacia una nueva modernidad. Espanha: Paidós, 1998.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco mundial: em busca da segurança perdida. Lisboa: Edições 70, 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 06 de jun. de 2016.

BRASIL. Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 2014: breve análise da mortalidade no Brasil. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade/Tabuas_Completas_de_Mortalidade_2014/notastecnicas.pdf>. Acesso em 10 de jun. de 2016.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM. Observatório do Crack. Disponível em: <http://www.observatoriodocrack.com.br>. Acesso em 07 de jun. de 2016.

HESPANA, Pedro e CARAPINHEIRO, Graça. A globalização do risco social: Uma introdução. In SANTOS, Boaventura de Sousa (dir.). Risco Social e incerteza: pode o estado social recuar mais?. Porto: Edições Afrontamento, 2002

PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de la Seguridad Social. 7ª ed. Madrid: Editorial Tecnos, 1991.


Cristina Aguiar Ferreira da SilvaCristina Aguiar Ferreira da Silva é Advogada. Doutoranda em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Pós-graduada em MBA Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2006). Atuou como professora em cursos de graduação e atua, como professora convidada, em cursos de Pós-graduação. Foi Conselheira suplente do Conselho Nacional da Previdência Social – CNPS e do Conselho Nacional dos Dirigentes de Regimes Próprios de Previdência – CONAPREV e comentarista das sessões plenárias do STF ao vivo na Rádio Justiça.


Imagem Ilustrativa do Post: Old man walking // Foto de: Joan Sorolla // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/joansorolla/6790366342

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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