O que prevalecerá: a exigibilidade da cláusula degrau e da multa por denúncia antecipada em contrato built to suit ou a tese da onerosidade excessiva?

18/01/2018

No artigo publicado em 21/12/2017[i] caracterizamos o contrato de locação comercial built to suit (BTS), termo de locução inglesa que significa “construído para servir” ou “feito sob encomenda”, ou “feito para atender ao locatário”.

Naquela oportunidade identificamos a natureza jurídica (contrato típico misto), falamos sobre a ampliação da liberdade de contratar, sobre o fortalecimento do princípio da autonomia privada, sobre a legalidade da cláusula que limita o acesso à justiça para o pleito revisional e sobre a característica de longo prazo, trazendo como evidência a formação de uma relação interempresarial, onde, em ambos os lados do contrato, existem empresários em justo equilíbrio.

Diante da complexidade do contrato, reservamos para dois artigos a contextualização dos aspectos essenciais, cabendo tratar aqui sobre multa por denúncia antecipada e a cláusula degrau.

Assim como os demais contratos interempresariais o built to suit não admite alegação de ingenuidade, pois ambos os lados estão cientes dos riscos do negócio, como decorrência lógica dos riscos de empreender.

O § 2o do artigo 54 “A” da lei 8.245/91 revela: “em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação”

Percebe-se que a lei viabiliza a cobrança de uma multa convencionada (acordada), que não poderá exceder a soma de todos os valores a vencer até o termo final do contrato. Deste modo, por expressa autorização legal, conclui-se, de pronto, que o legislador não considerou excessiva a multa pelos valores remanescentes do contrato, mas sim o que a estes extrapolar.

A lógica do conteúdo legal decorre do conceito do contrato e da análise econômica deste tipo de negócio aplicada ao mercado, pois, além dos valores correspondentes à locação comercial propriamente dita, o empresário locador computa no preço o retorno do capital investido, que incorpora a contraprestação mensal.

Em relação à cláusula degrau retomemos o conceito lançado no artigo publicado nesta coluna em 05/10/2017[ii]. Por essa cláusula se estabelecem valores locatícios em escalas e em ordem crescente para os diferentes períodos do contrato. Assim o valor locatício poderá ser diferente para diferentes períodos do contrato, em escalas ou degrau em ordem crescente, sucessivamente até o termo final do pacto. Cabe esclarecer que não se trata de valores diferentes em razão de reajuste do locatício, mas diferentes patamares por atribuição, acordo e definição no pacto inicial ou em aditivo contratual. Aluguel em escala difere do reajuste tradicional, são situações totalmente distintas.

Defende-se a legalidade da cláusula, cujo conteúdo está amparado no princípio da autonomia privada. Observe-se que a lei faz ressalvas quanto à observância das questões procedimentais da lei 8.245/91 e não às de direito material, que ficam submetidas ao ajuste realizado. Essa é a redação da parte final do caput do referido artigo 54 “A” ao dispor que, na relação entre locador e locatário em contrato BTS, “prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.

O desajuste do mercado, do negócio ou a ineficiência do empresário locatário não podem ser imputados ao locador, não cabendo no caso a aplicação da regra prevista no  artigo 413 do CC[iii], que prevê a redução equitativa da penalidade se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte ou se for considerada manifestamente excessiva.

Isto porque um dos pressupostos para o reconhecimento da onerosidade excessiva é o da imprevisibilidade, não presente neste tipo de relação, pois há previsibilidade de insucesso como decorrência lógica do risco empresarial, o que se aplica tanto ao empresário locador como ao empresário locatário.

A atividade empresarial sempre é de risco, não cabendo sugerir aplicação da teoria da imprevisibilidade para justificar a redução da multa pactuada, pois a interferência por meio de decisão judicial ou arbitral na espécie de contrato poderá acabar com esse tipo de mercado, também muito benéfico ao locatário que deixará de investir no imóvel para investir na atividade empresarial.   

O dialogo é fundamental na fase pré-contratual, para que as partes encontrem alternativas para sugerir variações quanto à penalidade decorrente da denúncia antecipada feita pelo locatário.

Invariavelmente os contratos atribuem para a hipótese multa equivalente a todos os recebíveis até o término do contrato, mas nada impede que a multa seja convencionada de forma diferente, por exemplo, ressarcimento de todos os investimentos feitos pelo empresário locador, acrescidos de 24 meses de lucros cessantes pela locação que receberia, ou suspensão da exigibilidade da multa caso o locatário encontre outra colocação para o mesmo imóvel, dentro das características do imóvel que foi personalizado ao locatário e ao seu negócio, enfim, muitas outras formas podem ser dialogadas, mas uma vez firmado o pacto, impera o princípio da autonomia privada.

O momento da idealização do pacto e de construção de cláusulas é o momento ideal para realizar um bom negócio, de parte a parte, a partir de uma estrutura jurídica baseada na eficiência da relação de continuidade.

 

[i] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Contrato típico, atípico ou típico misto é a locação built to suit? E a renúncia ao direito de revisar. Florianópolis: Empório do Direito,  2017(http://emporiododireito.com.br/leitura/

contrato-tipico-atipico-ou-tipico-misto-e-a-locacao-built-to-suit-e-a-renuncia-ao-direito-de-revisar-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck).

 

[ii] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Cláusula de raio e cláusula degrau em contratos de shopping center: uma leitura sob o enfoque do princípio da autonomia privada e do direito concorrencial. Florianópolis: Empório do direito, 2017 (http://emporiododireito.com.br/leitura/clausula-de-raio-e-clausula-degrau-em-contratos-de-shopping-center-uma-leitura-sob-o-enfoque-do-principio-da-autonomia-privada-e-do-direito-concorrencial-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck).

[iii] CC, art. 413: “a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.

 

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