O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

13/09/2018

 

O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, editou a Súmula 599 dando conta da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública.

Dispõe a referida Súmula 599: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.”

O princípio da insignificância, como é cediço, deita suas raízes no Direito Romano, onde se aplicava a máxima civilista “de minimis non curat praetor”, sustentando a desnecessidade de se tutelar lesões insignificantes aos bens jurídicos (integridade corporal, patrimônio, honra, administração pública, meio ambiente etc.).

Assim, restaria ao Direito Penal a tutela de lesões de maior monta aos bens jurídicos, deixando ao desabrigo os titulares de bens jurídicos alvo de lesões consideradas insignificantes.

Esse princípio é bastante debatido na atualidade, principalmente ante a ausência de definição do que seria irrelevante penalmente (bagatela), ficando essa valoração, muitas vezes, ao puro arbítrio do julgador.

Entretanto, o princípio da insignificância vem tendo larga aplicação nas Cortes Superiores (STJ e STF), sendo tomado como instrumento de interpretação restritiva do Direito Penal, que não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal (tipicidade formal — subsunção da conduta à norma penal), mas também e fundamentalmente em seu aspecto material (tipicidade material — adequação da conduta à lesividade causada ao bem jurídico protegido).

É que a subsidiariedade do direito penal não permite tornar o processo criminal instrumento de repressão moral de condutas típicas que não produzam efetivo dano.

A falta de interesse estatal pelo reflexo social da conduta, por irrelevante dado à esfera de direitos da vítima, torna inaceitável a intervenção estatal-criminal. Nesse sentido, sedimentou-se a orientação jurisprudencial de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b)nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade  do  comportamento  e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No que tange especificamente aos crimes contra a Administração Pública praticados por funcionário público, o Superior Tribunal de Justiça não tem admitido a incidência da insignificância a excluir a tipicidade material dos crimes de peculato (art. 312 do CP) ou dos crimes de concussão (art. 316 do CP) ou de corrupção passiva (art. 317 do CP), até porque, nesses delitos, o bem jurídico tutelado não se reflete no aspecto patrimonial, mas, antes, na moralidade administrativa.

Efetivamente, vale conferir os seguintes julgados:

"É pacífica a jurisprudência no sentido de não ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de peculato e aos demais delitos contra Administração Pública, pois o bem jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador é a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica" (RHC 59.801/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 28/6/2016). Também: RHC 75.847/DF, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 18/08/2017.

A seu turno, no que se refere ao crime de descaminho (importação ou exportação de mercadoria lícita sem o recolhimento dos tributos devidos), que não tem como sujeito ativo o funcionário público, o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, houve por bem rever o entendimento firmado em julgamento de repetitivos, readequando o disposto no Tema 157 ao novo entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Efetivamente, no julgamento do REsp 1709029/MG (DJe 04/04/2018), o ministro relator Sebastião Reis Júnior se manifestou no sentido de que, “considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO - Tema  157,  de  forma  a adequá-lo ao entendimento externado pela

Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF - R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho.”

Assim, concluiu o ministro, “a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.”

Entretanto, a habitualidade no crime de descaminho vem afastando a incidência do princípio da insignificância, justamente porque a reiteração delitiva, por denotar a maior reprovabilidade da conduta incriminada, deve ser considerada para fins de aplicação do sobredito princípio, mormente porque referida excludente de tipicidade não pode servir como elemento gerador de impunidade.

Por fim, aduziu a mencionada Corte que “a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a existência de outras ações penais, inquéritos policiais em curso ou procedimentos administrativos fiscais, apesar de não configurar  reincidência, é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, por consequência, afastar a incidência do princípio da insignificância, não podendo ser considerada atípica a conduta.” (STJ - REsp 1748189/SC – Quinta Turma – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 31/08/2018). Também: AgRg no REsp 1731899/SC – Sexta Turma – Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro – DJe 21/08/2018.

 

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