O NOVO CRIME DE VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA A MULHER

02/09/2021

Em artigo anterior nesta coluna, tivemos a oportunidade de analisar as principais inovações trazidas pela recente Lei n. 14.192, que trata da violência política contra a mulher, sancionada pelo Presidente da República e publicada no DOU no dia 05 de agosto de 2021.

Dentre outros aspectos relativos ao tema, a nova lei instituiu o crime de “violência política contra a mulher”, acrescentando ao Código Eleitoral o art. 326-B.

Além disso, a nova lei estabeleceu normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais, dispondo, ainda, sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral.

O novo tipo penal acrescentado ao Código Eleitoral foi formatado nos seguintes termos:

“Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher:

I - gestante;

II - maior de 60 (sessenta) anos;

III - com deficiência.”

Trata-se de crime que tem como objetividade jurídica a tutela da liberdade política da mulher. Nesse aspecto, o art. 3º, IV, da Constituição Federal, estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Vale ressaltar que a igualdade de oportunidades para todos os candidatos e a isonomia partidária constituem princípios importantíssimos do Direito Eleitoral, conferindo paridade de oportunidades aos candidatos e partidos na disputa por cargos políticos, ao largo de vantagens ilegítimas oriundas do acesso aos poderes econômico, midiático e político. A eliminação de todo preconceito e discriminação vem refletida na lei eleitoral, garantindo às mulheres o direito de participação política sem discriminação e desigualdade de tratamento.

Sujeito ativo do novo crime pode ser qualquer pessoa, cuidando-se de crime comum. Portanto, o crime pode ser praticado não apenas por homem como também por outra mulher.

O sujeito passivo, entretanto, somente pode ser a mulher, já que o tipo penal se refere a “candidata”, aí sendo incluída a mulher transgênero, independentemente de ter se submetido a cirurgia de redesignação sexual ou de ter alterado o nome e/ou sexo nos assentos do Registro Civil, sendo suficiente que se trate de pessoa com identidade de gênero feminina. Essa, aliás, tem sido a orientação que vem se pacificando nos tribunais brasileiros, apesar de entendimentos em sentido contrário.

Além disso, a lei ainda exige uma condição específica da mulher vítima: que seja candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo. Em não ostentando a vítima uma dessas duas condições, não estará tipificado o crime em comento, podendo a conduta caracterizar, eventualmente, outro delito contra a mulher.

Sendo a vítima gestante, maior de 60 (sessenta) anos ou mulher com deficiência, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), conforme estabelece o parágrafo único o art. 326-B.

No que se refere à tipicidade objetiva, cuida-se de tipo misto-alternativo, em que a prática de mais de uma conduta não implica concurso de crimes, mas um único delito. Nesses crimes de ação múltipla, a prática de apenas um dos verbos contidos no tipo penal já é suficiente para a consumação do delito.

Nesse aspecto, a conduta vem expressa pelos verbos “assediar” (molestar, cercar, perseguir com insistência), “constranger” (obrigar, coagir), “humilhar” (aviltar, depreciar, apoucar), “perseguir” (acossar, ir atrás, assediar) e “ameaçar” (prenunciar o mal, assustar, atemorizar).

Para a prática de uma ou mais das modalidades de conduta, o agente pode se valer de “qualquer meio” (oral, escrito, gestos, atitudes etc.), desde que se utilize “de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia”. Trata-se de crime de forma livre.

Importante lembrar que a nova norma penal não reprime apenas o menosprezo ou a discriminação de gênero da vítima (condição de mulher da candidata ou detentora de mandato eletivo), mas também estas atitudes no que se refere à sua cor, raça ou etnia.

Quanto ao elemento subjetivo, cuida-se de crime doloso, exigindo o tipo penal, ainda, o especial fim de agir do agente (dolo específico), consistente na finalidade de impedir ou de dificultar a campanha eleitoral ou o desempenho do mandato eletivo da vítima.

O crime se consuma com a prática de qualquer meio consistente em assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar a vítima. Trata-se de crime formal, que não exige a ocorrência do resultado naturalístico (impedimento ou dificuldade na campanha eleitoral ou no desempenho do mandato eletivo) para a sua consumação.

A tentativa é admissível, já que fracionável o “iter criminis”.

Outrossim, o novo crime é de ação penal pública incondicionada, seguindo a regra dos crimes previstos no Código Eleitoral. Na modalidade do “caput” do art. 326-B, é cabível a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9.099/95.

Com relação ao acordo de não persecução penal, a nosso ver não é cabível nos casos em que o agente se utilize de menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima, em face do impeditivo constante do inciso IV do §2º do art. 28-A do Código de Processo Penal. Referido dispositivo veda a celebração do acordo de não persecução penal nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou “praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”, em favor do agressor. O art. 121, § 2º-A do Código Penal considera que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar (que não é o caso da violência política) ou “menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (uma das formas de execução da violência política). De outro vértice, é forçoso concluir que, utilizando-se o agente, para a prática da violência política, de menosprezo ou discriminação à cor, raça ou etnia da mulher, não há óbice legal ao acordo de não persecução penal, desde que presentes os requisitos legais.

 

Imagem Ilustrativa do Post: violência // Foto de: ninocare // Sem alterações

Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/m%C3%A3o-mulher-feminino-nu-medo-1832921/

Licença de uso: https://www.pexels.com/creative-commons-images

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura