O NOVO CRIME DE PERSEGUIÇÃO (“STALKING”)

08/04/2021

O crime de perseguição vem previsto no art. 147-A do Código Penal, consistindo em novidade instituída pela Lei n. 14.132/21. O crime tem como objetividade jurídica a tutela da liberdade individual, assim como a proteção à integridade física ou psicológica da pessoa.

O crime de perseguição, embora recente no Brasil, já era incorporado e tipificado por diversas legislações estrangeiras, sendo conhecido pelo nome de “stalking”, termo derivado do verbo inglês “to stalk”, que significa perseguir, vigiar.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Muito embora a grande maioria dos casos envolva um homem como sujeito ativo, nada impede que uma mulher seja a perseguidora. Inclusive, é perfeitamente possível a coautoria ou a participação de terceiros, que serão responsabilizados penalmente pelo mesmo crime (art. 29 do CP). O §1º, III, prevê a prática da perseguição mediante o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas, configurando causa de aumento de pena de metade. Nesse caso, estamos diante da chamada “gangstalking”, ou perseguição organizada, que envolve mais de um perseguidor contra um indivíduo apenas.

Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. Caso o sujeito passivo seja criança, adolescente ou idoso, estará presente a causa de aumento de pena de metade prevista no §1º, I. O mesmo ocorre se a perseguição for praticada contra mulher por razões da condição de sexo feminino. Considera-se que há razões de condição de sexo feminino, nos termos do §2-A do art. 121, do Código Penal, quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A conduta típica vem expressa pelo verbo perseguir, que significa seguir, ir ao encalço. Evidentemente que a conotação dada ao núcleo do tipo, caracterizado pelo verbo perseguir, não se restringe à perseguição física, significando também vigiar, incomodar, importunar, atormentar, acossar etc. Pode ocorrer por meio físico ou virtual (pela internet, redes sociais etc), presencialmente ou não, por telefone, por carta etc.

Para a configuração do crime, é necessário que a conduta seja praticada reiteradamente, ou seja, por diversas vezes, repetidas vezes, continuamente. Trata-se, portanto de crime habitual, que requer a habitualidade, a reiteração para sua tipificação.

Vale ressaltar que a prática da conduta uma só vez não caracteriza o crime em comento.

Anteriormente à vigência da Lei n. 14.132/21, a prática de um único ato de perseguição poderia ser tipificada como a contravenção penal prevista no art. 65 do Decreto-lei n. 3.688/41 – Lei das Contravenções Penais. Entretanto, tendo o referido art. 65 sido revogado expressamente pela Lei n. 14.132/21, ocorreu verdadeira “abolitio criminis”, sendo atípica a conduta de perseguir a vítima apenas uma única vez.

Entretanto, com relação à perseguição reiterada, ante a revogação expressa do art. 65 da Lei das Contravenções Penais, houve continuidade normativo típica, permanecendo a conduta típica, prevista no art. 147-A do Código Penal. Evidentemente que o art. 147-A, por constituir norma penal mais severa, somente pode ser aplicado aos fatos cometidos após a vigência da Lei n. 14.132/21.

Outrossim, para a caracterização do crime, a perseguição deve se manifestar de três formas:

a) Mediante ameaça à integridade física ou psicológica da vítima: neste caso, a ameaça se traduz no prenúncio de mal injusto e grave, envolvendo a integridade física ou a integridade psicológica da vítima, causando-lhe ansiedade, temor ou degradação de seu estado emocional. Embora a perseguição não se restrinja aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o art. 7º, II, da Lei n. 11.340/06 – Lei Maria da Penha, bem retrata o que se entende por violência psicológica, entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

b) Restrição à capacidade de locomoção: neste caso, a restrição não é apenas o cerceamento físico à capacidade de locomoção (como ocorre no sequestro ou cárcere privado), mas também a restrição à locomoção da vítima em razão de temor, de medo, que faz com que ela, por exemplo, não saia de casa por receio de sofrer a importunação, ou não frequente locais públicos por medo de ser perseguida, observada ou molestada pelo sujeito ativo.

c) Invasão ou perturbação da esfera de liberdade ou privacidade, de qualquer forma: nesta modalidade de crime, a forma de prática da conduta é livre, já que o tipo penal emprega a expressão de qualquer forma. Ou seja, a invasão ou perturbação da liberdade (de ir e vir, de expressão etc) ou da privacidade da vítima pode ocorrer de qualquer modo que lhe cause constrangimento, incômodo, detrimento, dano moral ou material, tolhendo-lhe o direito de desempenhar costumeiramente suas atividades normais.

Merece destaque a ocorrência de tipificação do crime analisado por meio do chamado “cyberstalking”, praticado no âmbito virtual, que pode se dar pela internet, por e-mails, pelas redes sociais ou por qualquer outra forma.

Trata-se de crime doloso, não sendo admitida a modalidade culposa. O tipo penal também não exige nenhum elemento subjetivo específico, ou seja, nenhuma motivação especial por parte do agente.

A consumação ocorre com a prática reiterada da perseguição, caracterizando crime habitual. No caso de ameaça à integridade física ou psicológica da vítima, a consumação se dá independentemente de qualquer resultado naturalístico, caracterizando crime formal. Já na restrição à capacidade de locomoção e na invasão ou perturbação da esfera de liberdade ou privacidade da vítima, há necessidade de resultado naturalístico para a consumação, tratando-se de crime material.

Não se admite a tentativa, já que se trata de crime habitual.

A ação penal é pública condicionada a representação, nos termos do §3º. Portanto, a vítima terá o prazo de 6 (seis) meses, contado da data do conhecimento da autoria do fato, para oferecer a representação (condição de procedibilidade) contra o sujeito ativo.

Por se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo, é cabível a transação (art. 76 da Lei n. 9.00/95) e a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), exceção feita aos casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 41 da Lei n. 11.340/06). Ocorrendo qualquer das hipóteses dos §§1º e 2º, não será possível a transação, uma vez que o máximo da pena privativa de liberdade cominada ultrapassará o limite de 2 (dois) anos.

Não sendo cabível a transação, não tendo o crime sido praticado com violência ou grave ameaça e não tendo o crime sido praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar  ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, o Ministério Público poderá propor ao investigado o acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A do Código de Processo Penal.

Conforme acima mencionado, o §1º do art. 147-A prevê causa de aumento de pena de metade quando o crime for praticado contra criança (pessoa até doze anos de idade incompletos), adolescente (pessoa com idade entre doze e dezoito anos), idoso (pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos), mulher por razões da condição de sexo feminino (§ 2º-A do art. 121 do CP), ou ainda mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. Neste último caso, a arma poderá ser branca (faca, canivete, estilete etc) ou de fogo (revólver, pistola, espingarda etc).

Por fim, o §2º do art. 147-A estabelece que as penas do crime de perseguição são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. Portanto, havendo emprego de violência na prática delitiva (lesões corporais etc), as penas deverão ser aplicadas cumulativamente, ou seja, deverá a pena do crime de perseguição ser somada à pena do tipo penal em que for tipificada a violência.

 

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