O NOVO CRIME DE OMISSÃO GRAVE DE DADO OU DE INFORMAÇÃO POR PROJETISTA

15/04/2021

Licitação é um procedimento administrativo formal pelo qual a Administração Pública convoca, mediante condições estabelecidas em ato próprio (edital), empresas interessadas na apresentação de propostas para o oferecimento de bens e serviços, respeitados os princípios gerais da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, dentre outros.

A licitação visa, assim, garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e promover o desenvolvimento nacional sustentável. Deve obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável.

A licitação tem fundamento na Constituição Federal que, no art. 37, XXI, estabelece a obrigatoriedade de serem as obras, serviços, compras e alienações contratadas através de processo de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A nova Lei n. 14.133, de 1º de abril de 2021, substitui a Lei n. 8.666/93, estabelecendo normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, muito embora esta última continue vigendo por um período de 2 (dois) anos após a publicação oficial da primeira (art. 193, II).

Ambas as leis, a anterior e a nova, estabelecem a responsabilidade dos agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos nela estabelecidos, ou visando frustrar os objetivos da licitação sem prejuízo das responsabilidades civil e penal que o caso ensejar.

De acordo com o disposto no art. 193, I, da nova lei, ficam revogados expressamente os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666/93, sendo certo que o art. 178 acrescenta o Capítulo II-B ao Título XI da Parte Especial do Código Penal, no qual foram inseridos os arts. 337-E a 337-P.

Assim, ao mesmo tempo em que revogou os arts. 89 a 108 da Lei n. 8.666/03, que cuidava dos crimes envolvendo licitações e contratos administrativos, a nova lei acrescentou ao Código Penal, no Título referente aos “Crimes contra a Administração Pública”, o Capítulo II-B, sob o título “Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos”, nele inserindo tipos penais previstos nos arts 337-E a 337-O.

A revogação expressa dos arts. 89 a 108 da Lei n. 8.666/93 não acarretou, entretanto, como apressadamente se poderia concluir, a “abolitio criminis” das condutas lá tipificadas.

O caráter proibitivo das condutas foi mantido, tendo ocorrido o deslocamento dos conteúdos criminosos para outros tipos penais, agora situados no Código Penal, no título referente aos Crimes contra a Administração Pública. Aplica-se, por conseguinte, o princípio da continuidade normativo típica, que “ocorre quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (STJ – HC 187.471/AC – Rel. Min. Gilson Dipp – j. 20.10.2011).

Assim, praticamente nenhuma repercussão haverá, do ponto de vista da vigência e aplicação dos novos tipos penais, aos casos em andamento e também aos pretéritos já julgados, exceção feita ao novo crime do art. 337-O (omissão grave de dado ou de informação por projetista), que não existia na legislação anterior, ocorrendo, nesse caso, “novatio legis” incriminadora.

Efetivamente, assim dispõe o novel art. 337-O do Código Penal:

“Art. 337-O. Omitir, modificar ou entregar à Administração Pública levantamento cadastral ou condição de contorno em relevante dissonância com a realidade, em frustração ao caráter competitivo da licitação ou em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em contratação para a elaboração de projeto básico, projeto executivo ou anteprojeto, em diálogo competitivo ou em procedimento de manifestação de interesse.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

§1º Consideram-se condição de contorno as informações e os levantamentos suficientes e necessários para a definição da solução de projeto e dos respectivos preços pelo licitante, incluídos sondagens, topografia, estudos de demanda, condições ambientais e demais elementos ambientais impactantes, considerados requisitos mínimos ou obrigatórios em normas técnicas que orientam a elaboração de projetos.

§2º Se o crime é praticado com o fim de obter benefício, direto ou indireto, próprio ou de outrem, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.”

Objeto jurídico do novo crime é a proteção dos interesses da Administração Pública, no que tange à integridade do processo licitatório, planejamento e seleção das propostas que sejam mais vantajosas para a Administração.

Em regra, o sujeito ativo é o licitante ou contratado. Nada impede, entretanto, a participação do agente público encarregado da licitação. Embora o “nomem iuris” se refira a “projetista”, o crime pode ser praticado também por terceiros, já que o próprio tipo penal não requer essa qualidade especial do sujeito ativo, inclusive prevendo uma das condutas como “entregar”, o que permite a punição de qualquer outra pessoa.

Sujeito passivo é o Estado, ou de uma forma mais específica, a administração pública. Secundariamente, pode ser sujeito passivo a pessoa eventualmente prejudicada.

O objeto material é o levantamento cadastral ou condição de contorno. O levantamento cadastral ou a condição de contorno devem estar “em relevante dissonância com a realidade”, ou seja, em total desconformidade com o estado das coisas. Nesse ponto, o tipo penal é aberto, indicando, evidentemente, a prática de condutas que trazem algum problema efetivo para o processo licitatório.

Outrossim, o levantamento cadastral ou a condição de contorno, devem ser apresentados em contratação para a elaboração de projeto básico, projeto executivo ou anteprojeto, em diálogo competitivo ou em procedimento de manifestação de interesse. As definições de anteprojeto, projeto básico e projeto executivo vêm previstas no art. 6º, XXIV, XXV e XXVI da Lei n. 14.133/21. A definição de diálogo competitivo vem dada pelo inciso XLII do mesmo dispositivo citado. O procedimento de manifestação de interesse é um procedimento auxiliar das licitações e das contratações regidas pela lei, estando previsto no art. 81.

De acordo com o disposto no §1º, consideram-se condição de contorno as informações e os levantamentos suficientes e necessários para a definição da solução de projeto e dos respectivos preços pelo licitante, incluídos sondagens, topografia, estudos de demanda, condições ambientais e demais elementos ambientais impactantes, considerados requisitos mínimos ou obrigatórios em normas técnicas que orientam a elaboração de projetos.

A conduta vem representada pelos verbos “omitir” (deixar de mencionar, esconder, deixar de dizer) “modificar” (mudar, alterar, descaracterizar) e “entregar” (dar, ceder, conferir, apresentar). As condutas devem ter por objeto levantamento cadastral ou condição de contorno em relevante dissonância com a realidade, em frustração ao caráter competitivo da licitação ou em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

Por sua vez, o elemento subjetivo é o dolo, não sendo punida a modalidade culposa por falta de previsão legal. Pode-se falar em um elemento subjetivo específico, caracterizado pelo intuito de frustrar o caráter competitivo da licitação ou prejudicar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

Por fim, a consumação, na modalidade de conduta “omitir”, ocorre no momento em que é formalizada a documentação que compõe o projeto básico, o projeto executivo ou o anteprojeto, o diálogo competitivo ou o procedimento de manifestação de interesse. Na modalidade “modificar”, a consumação ocorre no instante em que for alterado pelo agente o levantamento cadastral ou a condição de contorno. Já na modalidade “entregar”, a consumação ocorre com a efetiva apresentação do levantamento cadastral ou da condição de contorno em relevante dissonância com a realidade e com o consequente recebimento formal do documento pela Administração. Não se admite a tentativa na modalidade de conduta omitir. Nas demais modalidades de conduta, é possível o “conatus”.

 

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