Coluna Espaço do Estudante
A perspectiva de jogo inserida ao Processo Penal pelo professor Alexandre Morais da Rosa realiza a necessária superação do sistema inquisitório que ainda encontra resquícios no Código de Processo Penal vigente e no cotidiano dos fóruns brasileiros[1]. O sistema inquisitório caracteriza-se por não ser clara a distinção entre o órgão acusador e julgador[2]. O juiz, movido pelo desejo alucinógeno de obter a verdade real, age com função de acusação e julgamento, atrofiando até mesmo a possibilidade de defesa do acusado, já que este está inteiramente (de corpo e alma) à disposição do inquisidor para que este extraia toda a verdade[3].
O que a Teoria dos Jogos proporciona é precisamente a definição de funções claras para os jogadores do jogo processual, acusação e defesa, e a delimitação da função do juiz que não pode mais ser entendido como jogador, mas sim como um terceiro imparcial. Além disso, para que se possa efetivamente ter um jogo processual faz-se necessário um conjunto de regras compartilhadas entre julgador e jogadores e a existência de payoffs pré-estabelecidos para cada jogada processual[4]. A partir dessas condições, instaura-se uma situação de guerra processual, orientada pelas jogadas estratégicas dos jogadores validadas pelo julgador quando em conformidade com as regras processuais[5]. Esse estado de guerra possui um equilíbrio justamente na perspectiva do processo penal segundo a teoria dos jogos[6].
O passo seguinte é aproximar essa perspectiva da Teoria do Caos[7]. O Caos representa a superação do modelo científico iluminista com a superação da certeza (verdade real?) característica do determinismo da matemática laplaciana e da física newtoniana[8]. O matemático Edward Lorenz é o responsável por identificar o caos nos fenômenos meteorológicos, quando justamente buscava comprovar que o universo era regido pelas leis de Newton[9]. Ao tentar simular as condições meteorológicas no computador do seu laboratório, um dado dia Lorenz comete um erro de arredondamento em uma das variáveis e o resultado que obtém na sua simulação diverge consideravelmente dos resultados esperados[10]. Essa observação serviu para destruir a intuição presente no meio científico até a metade do século XX, de que pequenas alterações nos valores das variáveis provocaria pequenas alterações no resultado das equações[11]. Os pontos de rupturas e indeterminações não se devem somente por uma deficiência empírica e cognitiva humana, mas são características da própria natureza. Não são exceções isoladas, são generalizadas. O caos está por toda parte[12]. Seria preciso uma inteligência com conhecimento infinito para se conhecer todos os possíveis estados de determinado fenômeno e, como se sabe, infinitos são o fracasso de qualquer teoria científica[13].
O caos está também no Direito. Como coloca o professor Ricardo Aronne (2010, p. 204):
O sistema jurídico é uma rede móvel, entrópica, aberta e axiologicamente hierarquizável de regras, princípios e valores, positivados no ordenamento de modo implícito ou explícito, teleologicamente orientados na concretização tópica. O sistema é sensível às condições iniciais que lhe são propostas, é não linear, respondendo diferente e não proporcionalmente a inputs ou interações diferentes. Decorrência, ainda, de sua abertura, é sua complexidade de arquiteturas e influências à que, necessária e corretamente, se expõe. É indeterminado, porém possui padrões. Em síntese: Caos
Características marcantes da perspectiva da Teoria do Caos é a dependência às condições iniciais dos sistemas caóticos, a sua não linearidade, a incerteza e indeterminação do resultado e a complexidade dos fenômenos caóticos[14]. Essas características estão presentes também no processo penal, como já apontava Alexandre Morais da Rosa. Primeiro, percebe-se o caos no próprio conjunto de normas processuais penais do Ordenamento Jurídico pátrio. O professor chega a afirmar que cada tribunal brasileiro possui seu próprio Código de Processo Penal, igualmente válidos[15]. Segundo, a interação entre os jogadores e o julgador se dá de forma complexa, envolve variáveis que impossibilitam uma determinação determinista do resultado do jogo processual[16]. A complexidade do sistema processual cresce exponencialmente quando consideramos ainda que as informações necessárias ao jogo processual não estão todas disponíveis anteriormente à partida, mas, ao contrário, são produzidas justamente no decorrer do processo. O que se quer dizer é que o processo penal é não linear, “A dinâmica caótica do processo impede a linearidade” (ROSA: 2014, p. 184), uma vez que os valores das variáveis são constantemente retroalimentados[17]. E, por fim, o processo penal é sensível às condições iniciais, que se caracteriza pelo elemento que proporciona uma configuração probabilística que garante um mínimo de previsibilidade ao sistema.
Feita essa conexão entre o Processo Penal segundo a Teoria dos Jogos e a Teoria do Caos, cabe-nos estabelecer a posição do princípio da presunção de inocência nessa perspectiva processual. A presunção de inocência é elemento fundamental do processo penal, ponto de partida do jogo processual, rocha sólida que impõe fortes restrições de comportamento a todos os envolvidos no jogo[18]. Na perspectiva dos sistemas caóticos, essa posição é reservada aos atratores. Como coloca Aronne (2006, p. 29):
Os atratores, aqui alicerçados nas regras jurídicas, garantem determinada trajetória ao discurso; o objeto, no paradigma de Newton, em sede de dinâmica, para o observador. As fórmulas para soluções de antinomias de 1º grau e aparentes, atrelam o discurso de conformação do aplicador a um roteiro axiomático, previamente costurado (em fórmulas e equações sociais) pelo legislador, para conduzir a decisão.
Com previsão constitucional (art. 5º, LVII, da CR/88), a presunção de inocência constitui-se como um manto que cobre todo suspeito, indiciado ou acusado de um possível fato delituoso[19]. O objetivo do jogador da acusação é retirar tal cobertura, o objetivo da defesa é mantê-lo intacto[20]. Esse princípio garante estabilidade ao jogo processual caótico[21], uma vez que o objetivo não é punir ou condenar, mas ser instrumento de materialização de direitos fundamentais[22]. Sendo assim, é dever do Estado demonstrar (o ônus probatório é da acusação e nunca da defesa), além de qualquer dúvida razoável e dentro das regras do jogo processual, a culpabilidade do acusado, sendo que, se não puder fazê-lo, este deverá ser considerado inocente (in dubio pro reo)[23].
Não se trata de tarefa fácil assumir uma posição de presunção de inocência no momento atual de elevado anseio punitivista[24]. Ataques a esse princípio são constantes na jurisprudência pátria. Tenta-se implantar uma execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória (HC nº 126.292)[25]; inversão do ônus da prova em processo penal, conforme vasta jurisprudência do TJ-MG como mostra Streck em artigo no CONJUR[26]; inquéritos e processos em andamento sendo utilizados como antecedentes criminais[27]. São vários os exemplos de uma mentalidade punitiva que impede a concretização de um processo penal garantista. O princípio da presunção de inocência, mais do que uma regra procedimental, impõe uma completa mudança da racionalidade do processo penal, a começar bem antes, ainda no pré-jogo, na fase de investigação, por que não?[28]
A inocência é um estado em que todos nós nos encontramos. Deriva da própria ideia de liberdade. Para que possamos fruir de verdadeiro direito de liberdade é preciso que o Estado, através de seus agentes, enxerguem todos como sendo inocentes[29]. Nesse sentido, deslegitima-se toda e qualquer racionalidade que confira ao Estado um direito absoluto de vigilância sobre seus cidadãos com a finalidade de garantir segurança, no raciocínio ilegítimo segundo o qual “se você não tem nada a esconder, não tem nada a temer”. Deve-se tomar cuidado também com a fundada suspeita (art. 244, do CPP), um resquício do período autoritário no qual o Código de Processo Penal foi escrito, que cobre com manto de legalidade buscas pessoais conduzidas pelas autoridades policiais, sem qualquer validade no nosso Ordenamento Jurídico atual[30].
Considerando a inocência um estado conferido a todos os indivíduos inseridos em um Estado Democrático de Direito, que decorre da própria ideia de liberdade, a partir do momento que um indivíduo passa à condição de suspeito em uma investigação policial começa-se a funcionar para ele todas as garantias constitucionais decorrentes do Devido Processo Legal substantivo que sejam necessárias para a proteção de seus direitos fundamentais (direito de permanecer em silêncio, de não produzir provas contra si mesmo, de conhecer do alegado crime de que é suspeito, de ter um advogado presente durante os procedimentos inquisitivos que o envolvam). A partir desse momento, tem-se início a persecução penal, Estado e indivíduo estão em posições antagônicas, próprias do sistema acusatório, e o sistema processual, de natureza caótica, é sensível às condições iniciais, condições essas de inocência do indivíduo, de ônus probatório da acusação e de respeito às garantias fundamentais[31].
Já dentro do jogo processual, a partir do momento da oferta da denúncia pelo órgão acusador e da sua aceitação pelo órgão julgador, a presunção de inocência dinamiza o processo penal. O jogo processual gira ao redor da produção probatória, em contraditório, para a formação do convencimento do juiz[32]. Evidente consequência do princípio da presunção de inocência é atribuir o ônus probatório tão somente ao jogador-acusação e, estando superada a perspectiva inquisitiva de processo, descabe atribuir ao julgador a gestão da prova. Outra consequência da presunção de inocência é a condição psíquica que deve prevalecer sobre o julgador.
O Processo Penal é um procedimento de reconstrução dialética de um evento passado, a partir de testemunhas, perícias e outras formas probatórias[33]. É, portanto, eivado de incertezas e, por isso mesmo, caótico. Como coloca Gleick (2014, p. 4), “Para alguns físicos, o caos é antes uma ciência de processo do que de estado, de vir-a-ser do que de ser”. Não é, e nem pode ser, uma reconstrução de forma geométrica perfeita, da geometria euclidiana. É fractal[34]. Sendo o julgador um terceiro imparcial, necessariamente ignorante dos fatos que ensejaram a ação penal, ele deve primeiramente reconhecer a própria impossibilidade de se obter a Verdade através do Processo Penal. A partir do reconhecimento da própria ignorância (só sei que nada sei), o julgador deve respeitar seriamente a presunção de inocência, adotando uma posição de constante dúvida em relação às alegações da acusação. Lembremos que a condenação só pode vir a partir de uma convicção além de qualquer dúvida razoável, ou seja, uma dúvida razoável, mínima que seja, da não culpabilidade do acusado, implica em decisão favorável à defesa (in dubio pro reo é um princípio derivado da presunção de inocência).
Por fim, diante da natureza incerta, caótica, complexa e não-linear dessa perspectiva adotada ao processo penal é possível falar em condenação? A resposta está na própria pergunta. Como não se trata de um modelo processual voltado ao resultado, mas à dinâmica do processo em si, o resultado não é determinado e nem determinável à priori. Dependerá sempre das condições iniciais, da interação complexa entre os jogadores e o julgador, das habilidades dos jogadores, do estado (de espírito) do juiz e um pouco, por que não (?), da sorte. Não se quer, com isso, dizer que há uma indeterminação absoluta, um tudo é possível[35]. Precisamente, a perspectiva da Teoria dos Jogos aplicada ao Processo Penal exige um conjunto de regras compartilhadas e definidas a priori para que se realize o jogo processual. O princípio da inocência, visto como atrator do sistema caótico, garante o equilíbrio necessário ao sistema caótico, para que tudo não seja incerto, mas probabilisticamente determinado.
Notas e Referências:
ARONNE, Ricardo. Direito civil-constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006.
________________. Razão & caos no discurso jurídico e outros ensaios do direito civil-constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
BRITO, Alexandre do Rosário. Nas trincheiras do mito da fundada suspeita. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/nas-trincheiras-do-mito-da-fundada-suspeita-por-alexandre-do-rosario-brito/ ISSN 2446-7405. Acessado em: 28/12/2015.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.
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MACHADO, Iuri Victor Romero; JORGE, Murilo Henrique Pereira. O aviso de Miranda e a invalidade dos interrogatórios informais. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-aviso-de-miranda-e-a-invalidade-dos-interrogatorios-informais/ ISSN 2446-7405. Acessado em: 28/12/2015.
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MINAGÉ, Thiago. Prisões e medidas cautelares à luz da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
PRIGOGINE, I. (Ilya). O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
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[1] Alexandre Morais da Rosa (2014, p. 53-55) trata da superação da ideia do sistema misto e da perspectiva inquisitorial, em favor da adoção do sistema acusatório, único sistema condizente com a perspectiva do Processo Penal segundo a Teoria dos Jogos. “Manter-se a noção histórica somente ajuda a obscurecer, confundir e impedir a leitura constitucionalmente adequada dos lugares e funções do e no processo penal, especialmente quando adotada a teoria dos jogos” (Ibidem, p. 54).
[2] Thiago Minagé (2013, p. 5) apresenta as características do Sistema Inquisitório: “a) reunião das funções: o juiz julga, acusa e defende; b) não existem partes – o réu é mero objeto do processo pena e não sujeito de direitos; c) o processo é sigiloso; d) inexistem garantias constitucionais, pois o investigado é objeto, não há que se falar em contraditório, ampla defesa, devido processo legal, etc.; e) a confissão é a rainha das provas (prova legal e tarifação das provas); e f) existência de presunção de culpa, ou seja, o réu é culpado até que se prove o contrário”.
[3] Basta lembrar da narrativa do suplício de Damiens narrado por Michel Foucault (1987).
[4] ROSA: 2014, p. 25.
[5] “Se o processo é uma guerra autorizada pelo Estado em que o mais forte não necessariamente ganha, mesmo assim, os fundamentos da Teoria da Guerra podem ser invocados para se buscar entender a lógica do processo penal desde que vinculados à teoria dos jogos, até porque o fundamento da guerra e da pena é o mesmo (teoria agnóstica da pena). A guerra processual busca o confronto e a vitória, muitas vezes sem levar em conta os custos e os recursos necessários e disponíveis, especialmente diante da escassez. Daí que a existência de uma tática bem sucedida pode gera espaço para negociação iter processual. No decorrer da instrução, diante das sucessivas jogadas (subjogos), não raro, surge realinhamento dos objetivos possíveis” (ROSA: 2014, p. 32-33).
[6] “A dinâmica do jogo processual entendido pela metáfora da guerra sustenta algo em desequilíbrio. A questão é bem complexa e nessa versão compacta cabe sublinhar que o processo penal se instaura modalidade de competição (jogo), na qual se pode invocar o equilíbrio de Nash e entender o motivo da dificuldade de cooperação. No jogo processual, de regra, o julgador e os jogadores tomam decisões maximizadoras de seus interesses a partir da análise de custos e benefícios individuais (payoffs) e não levam em consideração as consequências das consequências, a saber, as externalidades e prejuízos individuais (dos demais jogadores) e à coletividade” (ROSA: 2014, p. 33).
[7] “Hoje, uma década depois, o caos se tornou uma abreviatura para um movimento que cresce rapidamente e que está reformulando a estrutura do sistema científico. Conferências e publicações sobre o caos são numerosas. (…) Agora que a ciência está atenta, o caos parece estar por toda parte. (…) O caos rompe as fronteiras que separam as disciplinas científicas. Por ser uma ciência da natureza global dos sistemas, reuniu pensadores de campos que estavam muito separados. (…) O caos suscita problemas que desafiam os modos de trabalhos aceitos na ciência. Vale-se, e com muita ênfase, do comportamento universal da complexidade” (GLEICK: 1989, p. 4-5).
[8] “Onde começa o caos, a ciência clássica pára” (GLEICK: 1989, p. 3).
[9] “Lorenz compreendeu que estava colocando em prática as leis de Newton, ferramentas adequadas para um deus mecânico que podia criar um mundo e colocá-lo em funcionamento para a eternidade. Graças ao determinismo da lei física, não seriam necessárias novas intervenções. Os que faziam tais modelos tinham como certo que, do presente para o futuro, as leis do movimento proporcionavam uma ponte de certeza matemática. Compreendendo as leis, compreendia-se o universo. Era essa filosofia por trás da criação de um modelo de tempo atmosférico num computador” (GLEICK: 1989, p. 10).
[10] Um computador seria a materialização da “inteligência suprema” (GLEICK: 1989, p. 12), ou do “demônio” (PRIGOGINE: 2011, p. 41), imaginada pelo matemático do século XVIII, Laplace. “Essa inteligência abarcaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do menor átomo; para ela, nada seria incerto, e o futuro, como o passado, estaria presente aos seus olhos” (LAPLACE Apud GLEICK: 1989, p. 12).
[11] Podemos traduzir o entendimento determinista como: “Dado um conhecimento aproximado das condições iniciais de um sistema e um entendimento da lei natural, pode-se calcular o comportamento aproximado desse sistema” (GLEICK: 1989, p. 12, grifos no original).
[12] “Sabe-se muito bem, tanto na ciência como na vida, que uma cadeia de acontecimentos pode ter um ponto de crise que aumente pequenas mudanças. Mas o caos significa que tais pontos estavam por toda parte. Eram generalizados” (GLEICK: 1989, p. 20).
[13] PRIGOGINE: 2011, p. 41.
[14] ARONNE: 2006, p. 29.
[15] ROSA: 2014, p. 17-21.
[16] ROSA: 2014, p. 25.
[17] “O processo penal, assim, é um jogo assimétrico de informação. Os jogadores não possuem, ex ante, todas as informações que comporão o acervo processual ao final da instrução e há necessidade constante de reavaliações das táticas utilizadas. No jogo simétrico os jogadores sabem de antemão o conteúdo das informações existentes. Aqui, diferentemente, as informações são antevistas, mas somente acontecem na cena processual, a saber, no decorrer dos subjogos. É certo que as provas periciais e documentais são elaboradas de forma paralela e/ou antecedente. Mesmo assim, a valoração – atribuição de sentido – será debatida e consolidada somente no momento da decisão judicial” (ROSA: 2014, p. 37).
"Os sistemas não-lineares não podem, em geral, ser solucionados e não podem ser somados uns aos outros. (...) A não-linearidade significa que o ato de jogar o jogo modifica, de certa maneira, as regras. (...) Essa mutabilidade dependente torna difícil o cálculo da não-linearidade, mas também cria tipos de comportamento de grande riqueza, que nunca ocorrem em sistemas lineares. Analisar o comportamento de uma equação não-linear como a de Navier-Stokes é como caminhar por um labirinto cujas paredes modificam sua disposição a cada passo que damos. (...) O mundo seria diferente - e a ciência não precisaria de caos - se a equação de Navier-Stokes não contivesse o demônio da não-linearidade." (GLEICK: 1989, p. 21).
[18] ROSA: 2014, p. 98-100. “Daí que a presunção de inocência deve ser colocada como o significante primeiro, pelo qual, independentemente (sic) de prisão em flagrante, o acusado inicia o jogo absolvido. A derrubada da muralha da inocência é função do jogador acusador. Aqui descabem presunções de culpabilidade” (Ibidem, p. 100).
[19] MINAGÉ: 2013, p. 21.
[20] ROSA: 2014, p. 38.
[21] “Ainda que o convívio das regras seja presidido por uma racionalidade dialética, ela também não é determinista. Surgem antinomias de 2º grau não raro insanáveis, “racionalmente”, sem o recurso aos princípios. Diante do caso concreto, é natural que para conformação da decisão, seja elastecido ou reduzido o conteúdo de certo comando, conceito, tipo ou presunção. Isso ocorre mesmo diante da mais densa e casuísta regra. Ainda que ausente antinomia. As normas são ricas em caos. Se visíveis nas regras, é no solo rico do convívio conflitual dos princípios, no paradigma eleito para operação, identificado metodologicamente a Canaris, que germina o plano de nossas investigações” (ARONNE: 2006, p. 30-31, grifos acrescidos).
[22] “o processo penal é um jogo mediado pelo Estado Juiz em que a fortaleza da inocência, ponto de partida do jogo, é atacada pelo jogador acusador e defendida pelo jogador defensor, sendo que no decorrer as posturas (ativa e passiva) se alternam reciprocamente, devido ao caráter dinâmico do processo, a cada rodada probatória (subjogos) e em face das variáveis cambiantes. O jogador-acusador pretende romper com a fortaleza da inocência, enquanto a defesa sustenta as muralhas” (ROSA: 2014, p. 38).
[23] MINAGÉ: 2013, p. 22-25.
[24] ROSA: 2014, p. 98.
[25] MOREIRA; ROSA: 2015, s/p.
[26] STRECK: 2015, s/p.
[27] KHALED JR.; ROSA: 2015, s/p.
[28] “A presunção de inocência remonta a um verdadeiro dever de tratamento, que jamais pode ser tomado como algo superficial ou mesmo, vez ou outra, afastado pelo julgador a fim de impor medida restritiva de direito, ou seja, independentemente da situação em que o suposto autor do fato delituoso se encontre, deverá ser tratado como se inocente fosse até o trânsito em julgado de uma sentença pena condenatória” (MINAGÉ: 2013, p. 26).
[29] “É bom que se repita que o princípio constitucional é do estado de inocência. Todos nós somos inocentes até que se prove nossa culpa, e não presumidamente inocente que pode trazer consigo uma carga de presumidamente culpado. Somente num Estado Democrático de Direito se é possível conceber tal garantia, significando a impossibilidade de pena sem processo e mais, que não haverá processo sem garantias (juiz natural, ampla defesa, contraditório, etc.)” (SILVA: 2015, s/p).
[30] BRITO: 2015, s/p.
[31] Este foi o raciocínio presente na marcante decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos Miranda v. Arizona (1966). Adotando-se uma perspectiva de jogo e de guerra processual (processo adversatório/acusatório tem-se que admitir que este estado inicia-se a partir do momento que um determinado indivíduo já não é mais igual a qualquer outro aos olhos da autoridade estatal na persecução penal. A partir desse momento as garantias processuais devem atuar para proteger o indivíduo contra a sanha punitivista do Estado. Isso é a essência do garantismo. Veja-se um trecho do voto em Miranda v. Arizona que expõe essa característica do sistema acusatório: “We have recently noted that the privilege against self-incrimination -- the essential mainstay of our adversary system -- is founded on a complex of values, Murphy v. Waterfront Comm'n, 378 U. S. 52, 55-57, n. 5 (1964); Tehan v. Shott, 382 U. S. 406, 414-415, n. 12 (1966). All these policies point to one overriding thought: the constitutional foundation underlying the privilege is the respect a government -- state or federal -- must accord to the dignity and integrity of its citizens. To maintain a "fair state-individual balance," to require the government "to shoulder the entire load," 8 Wigmore, Evidence 317 (McNaughton rev.1961), to respect the inviolability of the human personality, our accusatory system of criminal justice demands that the government seeking to punish an individual produce the evidence against him by its own independent labors, rather than by the cruel, simple expedient of compelling it from his own mouth. Chambers v. Florida, 309 U. S. 227, 235-238 (1940). In sum, the privilege is fulfilled only when the person is guaranteed the right "to remain silent unless he chooses to speak in the unfettered exercise of his own will." Malloy v. Hogan, 378 U. S. 1, 8 (1964)”. (Miranda v. Arizona 384 U.S. 436 (1966).)
[32] ROSA: 2014, p. 38.
[33] ROSA: 2014, p. 94-97.
[34] A geometria fractal, primeiro estudada por Benoït Mandelbrot, foi desenvolvida em substituição à geometria euclidiana de formas perfeitas (círculo, quadrado, triângulo…). Os fractais são construídos de forma recursiva para melhor representar as formas reais da natureza. Essa ideia não é completamente desenvolvida neste artigo, deixado para futuros escritos que abordem a forma de reconstrução dos eventos procedida pelo Processo Penal.
[35] "Caos e instabilidade (...) não eram a mesma coisa. Um sistema caótico podia ser estável se sua irregularidade específica perdurasse diante de pequenas perturbações. (...) Poderíamos acrescentar ruído ao sistema, sacudi-lo, agitá-lo, interferir em seu movimento, mas quando tudo se acalmava, quando as interferências passageiras desapareciam como ecos num precipício, o sistema voltava ao mesmo padrão singular de irregularidades de antes. Era loucamente imprevisível, globalmente estável. Sistemas dinâmicos reais agiam segundo uma série de regras mais complicadas do que se tinha imaginado” (GLEICK: 1989, p. 44)
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Igor Domingos do Altíssimo é acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário de Sete Lagoas, cursando o sexto período.
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Imagem Ilustrativa do Post: Chess // Foto de: Bruno Caimi // Sem alterações
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