O leão está mais forte: a prescindibilidade de ordem judicial para que o fisco tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes

29/02/2016

Por Rodrigo Fernandes - 29/02/2016

Foi decidido, nesta última quarta-feira (24/02/2016), pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que a Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRFB, tem o direito de acesso aos dados bancários dos contribuintes sem necessidade de prévia autorização judicial.

A decisão, com repercussão geral, foi proferida no RE 601314, juntamente com mais quatro ações diretas de inconstitucionalidade[1] onde se discutia a constitucionalidade dos artigos 5° e 6° da Lei Complementar n° 105/2001[2], que dispõem sobre o sigilo das operações de instituições financeiras.

Referidos dispositivos foram regulamentados pelo Decreto 3.724/2011, que estabelece - em seu artigo 2° § 5° - que a SRFB, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, somente poderá examinar informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis.

Considera-se indispensável o acesso aos dados dos contribuintes que estejam sob a administração da instituição financeira, por exemplo, na hipótese de realização de gastos ou investimentos em valor superior à renda disponível;  subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado; obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos recursos; remessa, a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de não residente, de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;  dentre outros.

A requisição de informações deverá ser formalizada através de documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) e será dirigida, conforme o caso, ao: Presidente do Banco Central do Brasil, ou a seu preposto; presidente da Comissão de Valores Mobiliários, ou a seu preposto; presidente de instituição financeira, ou entidade a ela equiparada, ou a seu preposto e  gerente de agência, devendo a mesma ser precedida, necessariamente, da intimação ao contribuinte para que este apresente as informações sobre movimentações financeiras de sua titularidade.

Após a transferência de documentos e dados sigilosos pelas instituições financeiras, os mesmos serão guardados em condições especiais de segurança, sendo que caso o contribuinte sinta-se prejudicado por uso indevido das informações requisitadas, ou por abuso da autoridade requisitante, poderá dirigir representação ao Corregedor-Geral da Secretaria da Receita Federal, com vistas à apuração do fato e, se for o caso, à aplicação de penalidades cabíveis ao servidor responsável pela infração.

Destaca-se, ainda em relação aos trâmites, que a é pressuposto para o acesso aos documentos sigilosos a existência de processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, ou seja, não é facultado ao Fisco o acesso prévio e indiscriminado às informações financeiras dos contribuintes para que, caso constate alguma irregularidade, possa posteriormente instaurar o procedimento administrativo fiscal respectivo.

Pois bem, o que se questionava perante a Corte Suprema era justamente se os procedimentos acima afrontavam a inviolabilidade da intimidade e dos dados individuais expressamente amparada pelos incisos X[3] e XII[4], do artigo 5° da CF/88.

Conforme já mencionado, por maioria de votos, num placar de 9 X 2, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, foi alterado o entendimento até então consolidado na Corte desde o julgamento do RE 389808/PR, ocasião em que ficou decidido que a quebra de sigilo consubstanciado na CF/88 seria a exceção, somente podendo efetivar-se sob o crivo do Judiciário e mesmo assim para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal.

Portanto, até então, a quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das Comissões Parlamentares de Inquérito[5], pressupunha, sempre, a existência de ordem judicial.

Assim, de acordo com o novo entendimento, basta a existência de procedimento fiscal em curso para que o Fisco solicite diretamente às instituições financeiras informações, até então sigilosas, dos contribuintes.

A decisão em comento, com todas as vênias, trata-se de uma regressão da proteção dos direitos e garantias individuais consolidados na Carta Magna e constatação de preocupante tendência do STF em interpretar a Constituição além do alcance de sua normatividade, motivado - talvez - por questões sócio-políticas alheias aos princípios fundamentais que informam e dão essência ao Estado Constitucional Democrático de Direito.

Nas palavras do Ministro Celso de Mello,  "(...) votarei vencido neste caso, que se soma aos dois julgamentos realizados na semana passada em cujo âmbito registrou-se - e digo isto com todo o respeito - preocupante inflexão hermenêutica, de índole regressista, em torno do pensamento jurisprudencial desta Suprema Corte no plano sensível dos direitos e garantias individuais, retardando  em minha percepção, o avanço de uma significativa agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais em nosso País." (grifo no original)


Notas e Referências:

[1] ADIns 2390, 2386, 2397 e 2859

[2] Art. 5° -  O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.  (...)

§ 2° - As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados. (...)

Art. 6° - As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

[3] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

[4] XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

[5] Art. 58, § 3º da CR/88 -  As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.


Rodrigo Fernandes

. Rodrigo Fernandes é Advogado. Professor Universitário e de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Especialista em Direito do Estado. Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí. Email: rodrigo@rfernandes.adv.br .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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