O “efeito filhas” na empatia e decisão judicial

25/05/2016

Por Alexandre Morais da Rosa e Juliana Ribeiro Goulart - 25/05/2016 [1]

“Precisamos de alguém que tenha coração, empatia, para reconhecer o que é ser uma jovem mãe adolescente. A empatia para entender o que é ser pobre, ou afro-americano, ou gay, ou deficientes, ou idoso. E esse é o critério pelo qual eu vou selecionar os meus juízes”.

Barack Obama, em campanha presidencial de 2007.

Em um interessante artigo publicado no American Journal of Political Science, em 2015, Adam Glynn (Emory University) e Maya Sen (Harvard University) investigaram se as relações pessoais poderiam afetar a maneira como os juízes decidem os casos. Para tanto, alavancaram um experimento de gênero, avaliando o efeito de ter filhas mulheres nos votos dos juízes. Usando dados[2] sobre a vida das famílias de Juízes dos Tribunais de Apelação americanos, descobriram que o fato de ter filhas mulheres pode influenciá-los a votarem de uma forma mais liberal em questões de gênero do que juízes que têm apenas filhos. Mais amplamente, esse resultado demonstrou que as experiências pessoais influenciam a forma como os juízes tomam suas decisões. Segundo os autores, esse foi o primeiro artigo que demonstrou que a empatia pode de fato ser um componente na forma como os juízes decidem.

O debate ganhou força quando Barack Obama, em campanha presidencial, admitiu que a capacidade de empatia deveria ser um critério fundamental para a nomeação de juízes nos Tribunais americanos. Segundo os críticos, os juízes não poderiam ter sentimentos de empatia baseado em suas relações pessoais, porque isso comprometeria sua imparcialidade, devendo, portanto, seguir apenas a lei. Já os defensores, elogiaram o senso de Obama, por acreditarem que o valor único que devemos exigir em uma justiça tem tudo a ver com a empatia pelos outros.

Poucos trabalhos teóricos ou empíricos abordaram a possibilidade de que as relações pessoais ou a empatia afetem a tomada de decisão judicial[3]. Apesar das dificuldades de se avaliar o efeito desses tipos de relacionamentos, segundo os autores, uma teoria robusta de tomada de decisão judicial deve levar esses fatores em consideração.

O artigo foi o primeiro a fornecer robusto apoio empírico à ideia de que as relações pessoais distintas de partidarismo, raça ou gênero podem afetar o modo como os juízes decidem, e esta evidência não pode ser explicada pela jurisprudência de forma isolada. Ao fazê-lo, se concentraram os autores em um tipo de relacionamento pessoal que os historiadores e jornalistas assinalaram como sendo particularmente transformadora: ter filhas.

Empregando um conjunto de dados das famílias dos juízes com um conjunto de dados de quase 1.000 casos relacionados ao gênero, o ensaio mostra que os juízes com pelo menos uma filha tende a ser mais liberal. O efeito é robusto e pareceu impulsionado em grande parte por juízes do sexo masculino republicanos.

A experiência pessoal de ter filhas foi escolhida por dois motivos. Em primeiro lugar, por provavelmente afetarem o pensamento dos juízes em algumas das principais questões jurídicas, assim, fornecendo critério de teste frutífero para uma teoria que incopora a experiência pessoal na tomada de decisão. Em segundo lugar, porque os juízes não podem optar por ser pai de uma menina ou um menino. Essa relação é estabelecida de forma exógena e permite quantificar o efeito causal de um relacionamento pessoal na tomada de decisão. 

Os resultados demonstraram que o fato de ter ao menos uma menina é capaz de influenciar em como os juízes decidem os casos relacionados ao gênero; mas que não há nenhum impacto adicional em ter adicional de meninas, e o efeito não aumenta linearmente. Em outra amostragem, os resultados foram substancialmente os mesmos, com o impacto de ter filhas sendo um preditor significativo e positivo do aumento de votação feminista sob todos os modelos especificados.

Todavia, tomados em conjunto com outros dados, os resultados demonstraram que o “efeito filhas” pode somente ser estabelecida para casos civis que têm uma dimensão de gênero. Para casos criminais, por exemplo, não foram encontradas evidências. 

O impacto do “efeito filhas” nos juízes homens se mostrou forte e significativo. No caso das juízas mulheres, por outro lado, o impacto foi insignificante segundo as amostragens. Segundo os autores, é fortemente sugestiva a evidência de que o “efeito filhas” é verificado principalmente nos republicanos e, em particular, homens republicanos. 

O artigo apresenta intensa relevância acadêmica para o debate a respeito da teoria da decisão judicial, já que os estudos de ciência política nos tribunais tem se concentrado principalmente sobre o impacto de dois importantes atributos da tomada de decisão: preferências (por exemplo, a filosofia jurídica, a ideologia) e características atributivas (por exemplo, raça, gênero). Bem menos desenvolvida é a noção de que as relações pessoais e experiências, incluindo contatos com familiares próximos, poderia ajudar a compreender como os juízes decidem.

Para isso, os autores apresentam evidências de que o relacionamento pessoal pode afetar a votação dos juízes. De fato, através de casos envolvendo questões de gênero, juízes que são pais de mulheres são mais suscetíveis de atingir uma posição liberal, talvez porque ter filhas faz com que os juízes aprendam sobre as questões das mulheres. Estes resultados estão em consonância com outros estudos a respeito do tema. Tomados em conjunto, os resultados também sugerem que as teorias existentes da política judiciária têm de ser expandidas. A tomada de decisão pode ser prevista por uma teoria que se baseia em (1) lei e partidarismo, (2) estratégia, (3) identidade, e, como mostra o artigo, (4) relacionamentos pessoais e experiências.

Uma questão interessante é perceber que as relações pessoais têm implicações mais amplas para descrever a representação dos juízes nos Tribunais. Segundo os autores, já se demonstrou que juízas decidem os casos de forma diferente dos homens (Boyd, Epstein & Martin 2010)[4], e que os juízes afro-americanos também decidem os casos de forma diferente dos brancos (Cox Miles, 2008)[5]. No entanto, o que ficou evidente é que juízes do sexo masculino que têm filhas são mais propensos a votar em uma direção liberal, apesar de não ter características que de outro modo seriam ligados a opiniões mais progressistas nas questões dos direitos das mulheres. Na verdade, o artigo mostra que o impacto transformador dos relacionamentos pessoais não é, e não necessita ser, limitado a um grupo ou um partido.

O estudo parece ser de grande relevância para o mundo acadêmico, porque demonstra o quanto ainda estamos tateando na escuridão no que diz respeito aos aspectos inconscientes do tomador da decisão em seus julgamentos. Sem dúvida, a teoria da decisão precisa incorporar pesquisas como essas se pretende levar o assunto a sério e de forma realística.


Notas e Referências: 

[1] Resenha do artigo Identifying Judicial Empathy: Does Having Daughters Cause Judges to rule for Women’s Issues? American Journal of Political Science, Vol. 59, nº 1, January 2015, Pp. 37-54. Disponível em http://scholar.harvard.edu/files/msen/files/daughters.pdf. Acesso em 10.05.2016.

[2] Foram usados dados dos Tribunais de Apelações dos Estados Unidos, tendo sido a escolha feita principalmente devido à disponibilidade de informações. Com cerca de 200 juízes, mais dados seriam analisados do que se fossem utilizados apenas os fornecidos pelos nove juízes da Suprema Corte americana. As informações foram recolhidas a partir de fontes disponíveis ao público, como boletins informativos, artigos de jornal e anúncios públicos, tais como obituários. Ademais, o conjunto dos dados recolhidos incluiu cerca de 3.000 casos de 1996 a 2002 e permitiu que fosse testado o efeito de ter filhas não apenas em casos relacionados ao gênero mas em todas as áreas temáticas jurídicas (incluindo casos criminais).

[3] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.

[4] Boyd, Christina L., Lee Epstein, and Andrew D. Martin. 2010. Untangling the Causal Effects of Sex on Judging. American Journal of Political Science 54(2): 389–411.

[5] Cox, Adam B., and Thomas J. Miles. 2008. Judging the Voting Rights Act. Columbia Law Review 108(1): 1–54.


Alexandre Morais da Rosa. Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com / Facebook aqui. .


Juliana Ribeiro GoulartJuliana Ribeiro Goulart possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Mestranda em Teoria e História no Direito (UFSC). Tem experiência na área da advocacia, com ênfase em Direito Processual, área em que é especialista pelo CESUSC. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Jurídica da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e é pesquisadora na área da Mediação de conflitos. E-mail: juligoulart@hotmail.com / Facebook aqui.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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