O doce sabor da prova envenenada. Como ficam os frutos dessa árvore? – Por Antonio Graim Neto

17/08/2017

Qual deve ser o sabor do veneno? A teoria dos frutos da árvore envenenada já determinava que aquilo que provinha da árvore apodrecida pelo veneno, envenenado estaria. Juridicamente, a prova ilícita (envenenada) contaminaria tudo o que dela decorresse.

Os fatos recentes da história política brasileira desafiam uma teoria, há muito tempo aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, outrora defensor de que este seria o preço por viver em um Estado Democrático de Direito. A tal delação da JBS provocou uma reviravolta no cenário político, econômico e jurídico. Mas, por enquanto, nos interessa o campo jurídico.

A pergunta básica é a seguinte: os delatores fariam delação se não houvesse a gravação do Joesley com Temer?

Observar e aplicar o processo penal conforme a teoria dos jogos é uma imposição que fará com que os dissidentes percam grandes oportunidades de sucesso processual. Parece inocente acreditar que ainda haveria alguma forma de barganha sem a maior das garantias e essas não são as benesses recebidas no acordo de delação não. É a gravação clandestina, que já é pericialmente contestada, a maior garantia dos delatores, que admitiram responsabilidade penal, não é demais lembrar.

O problema é que tal gravação ambiental foi produzida ilicitamente, de forma clandestina e a orientação legal e doutrinária é que ela deve ser considerada imprestável para o processo penal. Não deveria servir nem mesmo para a instauração de Inquérito Policial, não poderá legitimar a justa causa para uma eventual ação penal…para que serve então?

Bom, é inquestionável que ela serviu muito para a tomada de decisões de cunho político, mas, mais uma vez, não é nosso interesse adentrar neste mérito. O grande problema é que uma prova ilícita é representada pela árvore envenenada e que contaminará todos os seus frutos. Neste tocante, é fundamental compreender qual a extensão disso. O que é exatamente decorrente desta gravação.

A teoria dos frutos da árvore envenenada não faz distinção qualitativa de seus frutos. Tudo o que dela advier estará contaminado e não há qualquer notícia de investigação em paralelo a justificar uma das exceções jurisprudencialmente admitidas, como o caso da fonte independente.

Porém, não podemos ignorar que a prova ilícita é sim admitida quando servir como prova de defesa, haja vista a justificação por exclusão de ilicitude. Daí surgem dois embates: qual o limite da extensão de tal admissão e se tal gravação configurou efetivamente defesa ou ataque.

Tudo bem, o último questionamento talvez esteja mais próximo de teorias de conspiração que não são suportadas por bases científicas, mas vale, ao menos, a provocação jocosa. Agora, o primeiro questionamento é preocupante.

Ora, se a prova ilícita é aceita para fazer prova de inocência, isto daria a ela uma espécie de justificação absoluta? Em outras palavras, a prova ilícita que inocentou um pode condenar o outro?

Por certo que não, haja vista que isto seria uma descarada burla ao sistema de justificação por exclusão de ilicitude o que não permite, por si só, exorbitar o âmbito do elemento subjetivo do agente. A prova ilícita de defesa só serve à defesa e sua admissão só gera efeitos para estes fins, pois a excludente é praticada limitada a quem detém o conhecimento de vontade final retirar a antijuridicidade de sua conduta.

Quantas pessoas menos favorecidos economicamente, socialmente, politicamente poderiam ser usados para tentar alcançar selecionados mais importantes, ao julgo do acusador. Quantas violações ao sistema de garantias individuais poderiam estar sendo programadas, destruindo todo um sistema procedimental que mantém vivo o Estado Democrático de Direito. Penso ser este ideal o mais importante e superior a questões individuais. Alias, é no indivíduo que se materializam as garantias de sustentação do Estado, já que forma é garantia.

O problema prático disto é que todo inquérito, operação, prisão e todo holofote dado a tudo o que derivou da gravação de Joesley e Temer terão o mesmo resultado, que é a inutilidade para o processo penal, a não ser que se pretenda mudar as regras do jogo, no meio do jogo, para favorecer o dono da bola. Mas será que já descobriram quem é o dono dessa bola?

O sabor do veneno da prova ilícita será experimentado por toda a nação, infelizmente, mas isso também faz parte do jogo democrático. O que não faz parte, ou já deveria ter recebido cartão vermelho, são as violências processuais que ainda teimam em acontecer.

Não se prega impunidade. Prega-se que não aniquilem a Constituição e que se aprenda a jogar conforme as regras do jogo e que novas regras somente com uma nova partida.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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