O direito não socorre aos que dormem, porém, deve amparar aqueles que estão bem acordados

15/10/2015

Por Rodrigo Fernandes - 15/10/2015

O presente texto visa analisar a reinterpretação da Sumula 418 do STJ que trata da extemporaneidade dos recursos interpostos antes da publicação da decisão de Embargos de Declaração. Dispõe a referida Súmula que "É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação."

Neste sentido, tanto o STJ quanto o STF (no recurso extraordinário), bem como - por analogia -  tribunais de justiça estaduais (em relação à apelação) vinham sistematicamente aplicando a referida Súmula, considerando a insurgência extemporânea e, conseqüentemente, negando seguimento aos recursos interpostos antes do julgamento ou publicação de eventual embargos declaratórios ofertados pela parte contrária, sem que houvesse posterior declaração.

Ora, pouco importava a relevância do direito material perseguido, o que valia era a análise formal da existência ou não de ratificação por parte do recorrente após a publicação da decisão dos embargos, independentemente, se estes foram ou não aptos a alterar a decisão recorrida. E neste ponto há de se indagar: Se os embargos foram julgados improcedentes e por isso não houve alteração da decisão que os ensejaram, qual utilidade prática que justificaria a ratificação exigida pelo certame?

E para piorar, a posição era inflexível mesmo nos casos de que os embargos fossem reconhecidamente protelatórios com fixação de multa de 1% sobre o valor da causa[1], penalizando assim, aquele que agiu com presteza e boa fé, imprimindo celeridade ao processo.

Desde que publicada no Diário Oficial em 11/03/2010, pelo seu excessivo rigor formal positivista, vem sofrendo duras críticas doutrinárias quanto ao seu conteúdo. De acordo com o doutrinador processualista Fredie Didier Junior[2]: 

“Essa orientação afigura-se exagerada, não sendo compatível com o garantia constitucional do amplo acesso à justiça, além de não soar razoável. Se a parte já interpôs seu recurso, já manifestou seu interesse, não sendo adequado exigir uma posterior ratificação apenas porque houve julgamento de embargos de declaração."

Aderindo à crítica doutrinária, recentemente a Corte Especial resolveu corrigir o equívoco que vinha causando diversas injustiças e por ocasião do julgamento do Resp. nº. 1129215[3] reinterpretou o enunciado 418  afirmando que "como os embargos de declaração servem apenas para corrigir ou esclarecer decisões judiciais, não mais podem ser requisito prévio para a apresentação de apelações e recursos."

O Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, fez menção ao artigo 1.024, § 5° do Novo Código Civil, tendo afirmado que "diante do influxo normativo do Direito processual civil moderno, tem-se verificado uma onda renovatória de entendimentos que vêm afastando o excesso de formalismo em prol da justiça social, dando-se concretude aos princípios processuais da celeridade [e] duração razoável do processo".

Já o Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também em recente decisão, publicada em 08/05/2015, nos autos do AI 703269, afastou, por unanimidade, a extemporaneidade dos recursos em casos de protocolo anterior à abertura do prazo, vale transcrever:

“(...) INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. EXTEMPORANEIDADE. INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL. PRECLUSÃO IMPRÓPRIA PARA PREJUDICAR A PARTE QUE CONTRIBUI PARA A CELERIDADE PROCESSUAL. BOA-FÉ EXIGIDA DO ESTADO-JUIZ. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A extemporaneidade não se verifica com a interposição do recurso antes do termo a quo e consequentemente não gera ausência de preenchimento de requisito de admissibilidade da tempestividade.2. O princípio da instrumentalidade do Direito Processual reclama a necessidade de se interpretar os seus institutos sempre de modo mais favorável ao acesso à justiça (art. 5°, XXXV, CRBF) e à efetividade dos direitos materiais (...).3. As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvimento do feito, não sendo possível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conhecimento do recurso por ela interposto antecipadamente, em decorrência de purismo formal injustificado.“

Merece destaque trecho do relatório elaborado pelo Ministro Luiz Fux, ao citar Cândido Rangel Dinamarco:

“O formalismo desmesurado ignora, ainda, a boa-fé processual que se exige de todos os sujeitos do processo, inclusive, e com maior razão, do Estado-Juiz. Nas palavras de Dinamarco, a "supervalorização do procedimento, À moda tradicional e sem destaques para a relação jurídica processual e para o contraditório, constitui postura metodológica favorável a essa cegueira ética que não condiz com as fecundas descobertas da ciência processual nas últimas décadas" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14° edição. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 267).”

A decisão alterou entendimento até então consolidado no Plenário do STF, não obstante, há muito tempo já vinha sendo adotado pela 1° Turma da Corte.[4]

Apenas para ilustrar, vale dizer que esses novos pronunciamentos se alinham ao Enunciado n. 22 do Fórum Permanente de Processualistas Civis[5], bem como aos artigos 218 §4°[6] e 1.024 §5°[7] do Novo CPC.

As decisões tardaram, mas mesmo assim merecem ser celebradas, pois, muito embora o NCPC ainda não esteja em vigor, não há dúvidas de que seus preceitos são frutos de intensos debates políticos fundados em proposições jurídicas normativas. Deve-se ressaltar que não se está a defender a aplicação de um texto que ainda não se encontra em vigor, mas sim a mobilização das decisões de acordo com o conteúdo normativo-jurídico que se pode, desde já, extrair.


Notas e Referências: 

[1] Art. 538. Parágrafo único do CPC - Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.

[2]  Pesquisado in http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-91/ em 01/10/2015.

[3]https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200900512453&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea

[4]  A parte pode, a partir do primeiro dia do prazo, interpor o recurso extraordinário, independentemente da parte contrária ter oposto embargos declaratórios. Assim, não seria necessária a ratificação do RE após o julgamento dos embargos (RE 680371 AgR/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 11/6/2013).

[5] Enunciado n. 22: (art. 218, § 4º; art. 1.024, § 5º) O Tribunal não poderá julgar extemporâneo ou intempestivo recurso, na instância ordinária ou na extraordinária, interposto antes da abertura do prazo.

[6] Art. 218. § 4º Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.

[7]  Art. 1.024 (...) § 5º Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.


Rodrigo Fernandes

Rodrigo Fernandes é Advogado. Professor Universitário e de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Especialista em Direito do Estado. Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí. Email: rodrigo@rfernandes.adv.br

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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