A sociedade anônima tem o seu capital dividido em ações e a responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas[i].
Este tipo de sociedade possui regulação especial (Lei 6.404/76), aplicando-se, nos casos omissos e subsidiariamente, o conteúdo do Livro II do Código Civil, que trata sobre o Direito de Empresa.
A sociedade anônima será aberta quando participante do mercado de valores mobiliários, com registro e negociação na Bolsa de Valores, e fechada quando não participar do referido mercado.
Na companhia fechada os atos de disposição de valores mobiliários ocorrem em conformidade com o estatuto social e não mediante a oferta pública (LSA, art. 4 e parágrafos), pois constituída por um grupo de pessoas com propósitos comuns. Neste último caso (companhia fechada) existe a affectio societatis enquanto concepção e objetivos originários, no sentido da observação obrigatória dos aspectos fundacionais da companhia, pois suas raízes emanam de uma sociedade intuito personae, erigida para facilitar suas operações e a rampagem de seus negócios, preferida pelos investidores de capital à sociedade limitada, ante a submissão a regras de controle mais efetivas nos termos do que disciplina a LSA.
Percebem-se diferenças gritantes, que não podem ser ofuscadas a pretexto de convenientes, em relação às companhias abertas, de capital pulverizado, onde as ações são livremente negociadas, sendo elas, na essência, sociedades de capital e não de pessoas.
Segundo Nelson Eizirik algumas características essenciais da sociedade anônima podem ser destacadas, quais sejam: a) ela emite títulos representativos da participação no capital social (ações); b) as ações são livremente negociáveis; c) há transferência de riscos para os subscritores ou adquirentes sem alteração da estrutura da companhia; d) há limitação da responsabilidade dos acionistas ao preço de emissão das ações, exceto em relação ao voto abusivo e o abuso do poder de controle[ii].
O entendimento sobre o conceito legal e aspectos fundamentais das sociedades anônimas são necessários para introduzir o tema – o direito de fiscalizar pelo acionista minoritário –. É certo que a implantação de um sistema eficiente de governança corporativa, desde que dialógico e democrático, com órgãos de controle independentes, como é o caso do comitê de integridade/conformidade (compliance), além de software de compartilhamento de informações, são condições essenciais para dar estabilidade aos negócios da companhia, pois previnem conflitos internos, criam incentivos para dar atendimento ao princípio da transparência e permitem a criação de instrumentos hábeis ao monitoramento da empresa por todos os acionistas. Por consequência, haverá maior equilíbrio e estabilidade nas relações entre os agentes, dentre eles, os representantes legais das controladas e controladoras, acionistas, membros da diretoria, dos conselhos, comitês, administradores e outras estruturas peculiares de natureza prático-funcional.
Há, ainda, quem procure justificar o corriqueiro equívoco de que a assembleia de sócios (Assembleia Geral), realizada nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, responderia plenamente ao direito de fiscalizar, pois é nela que são tomadas as contas dos administradores e deliberadas as demonstrações financeiras (LSA, art. 122, III).
O requisito legal informador sobre a tomada de contas da administração e a respectiva deliberação sobre as demonstrações financeiras é tido como requisito mínimo e não guarda relação apenas com o direito de fiscalizar, mas com a regularidade da companhia, de sua atividade econômica e dos atos que pratica. Assim, caso o direito de fiscalizar não acomodasse espaço bem mais amplo, o legislador não o definiria como direito essencial e não dedicaria a ele um dispositivo legal específico na lei em comentário, espraiando efeitos para outros conteúdos legais previstos na própria LSA, como comenta Eizirik nas observações citadas.
O direito de fiscalizar a gestão social é um direito individual, potestativo e irrenunciável (Lei 6.404/76, artigo 109, III e CC, artigos 1.020 e 1.021), não podendo ser suprimido pelo contrato/estatuto social ou por deliberação[iii].
Antes de adentrar no que envolve propriamente o direito de fiscalizar, conceitua-se o acionista minoritário como sendo “aquele que não controla a sociedade anônima, mesmo tendo direito a voto. Isso porque a sua quantidade de ações não é suficiente para que faça prevalecer a sua vontade nas deliberações sociais”[iv].
O direito de fiscalizar é um dos direitos essenciais, previsto no artigo 109, III da LSA. Confira-se: “nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: (...) III - fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais”. Deste modo, indaga-se: qual é a forma prevista na própria lei especial para o exercício deste direito? O posicionamento de Eizirik é no sentido de que o direito à informação está ao lado do direito de fiscalizar, pois, sem informações, torna-se impossível exercer a fiscalização por quem de direito[v]. Acrescenta o referido autor: “O acionista pode fiscalizar a gestão dos negócios sociais por meio de: (i) participação na assembleia geral (artigo 121); (ii) recebimento de informações financeiras – balanço e relatórios – (artigos 133 e 135, § 3º); (iii) funcionamento do conselho fiscal (artigo 161); (iv) acesso aos livros da companhia (artigos 100, § 1º e 105); (v) auditoria independente (artigo 177, § 3º); e (vi) acesso às informações referentes a fatos relevantes e operações realizadas pelos administradores (artigo 157, §§ 1º e 4º)”[vi].
A participação ativa dos acionistas na Assembleia Geral, inclusive os minoritários, é fundamental para dar efetividade ao direito de fiscalizar, pois previamente à assembleia poderão proceder ao exame e cotejo de documentos, a saber: o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; a cópia das demonstrações financeiras; o parecer dos auditores independentes; o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, e demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia, nos termos do que dispõe o artigo 133 da LSA.
No caso de dúvidas decorrentes do exame dos documentos previamente disponibilizados, a AGO servirá para questionar e obter respostas do administrador e do auditor independente. Ocorrerá a suspensão do ato caso haja necessidade de esclarecimentos complementares, com a retomada ulterior das deliberações pautadas.
Em se tratando do direito de fiscalizar, as companhias abertas e fechadas não são tratadas da mesma forma, diante de peculiaridades e características bem distintas de uma em relação à outra, especialmente no que se refere aos interesses, ao ingresso e à operação. Explica-se: o capital pulverizado da companhia aberta, suscetível de oferta pública de valores mobiliários negociáveis, típico das sociedades de capital, atraem acionistas com interesses convergentes e ou divergentes aos objetivos sociais, inclusive aqueles de conotação especulativa ou concorrentes, o que não ocorre na companhia fechada, cujo ingresso de acionista passa pelo controle dos demais integrantes da sociedade e pelas limitações e condições impostas nos respectivos estatutos.
Em que pese a LSA trazer certos limites para se examinar e fiscalizar a gestão dos negócios sociais, especialmente sobre situações sensíveis e estratégicas, cabe ressalvar que tal raciocínio foi construído tomando-se por base as companhias abertas, diametralmente opostas, enquanto concepção, às fechadas, cuja intimidade da participação acionária sobressai.
Como já referido anteriormente o Código Civil tem aplicação subsidiária, todavia, no que se refere ao direito de fiscalizar, em se tratando das companhias fechadas, terá aplicação complementar, no sentido de integração com a LSA, reconhecendo-se maior amplitude ao direito essencial reclamado. Isto porque os sócios/acionistas possuem interesses comuns desde a fundação, pois eles mesmos estabeleceram formas de acesso à companhia, inclusive em relação aos sócios de capital, sendo que os valores mobiliários não são pulverizados e negociados no balcão.
Assis Gonçalves, ao comentar sobre o conteúdo do artigo 1.021 do Código Civil, trata, literalmente, sobre o direito de fiscalizar, como se vê da seguinte posição: “trata-se, como se viu nos comentários do art. 1001, de um direito individual (essencial), que não pode ser suprimido pelo contrato social ou por deliberação dos demais sócios”. O mesmo Autor vai além ao destacar: “O exame é amplo. Ao se referir ao estado do caixa e à carteira da sociedade, a regra sob comentário estende ao sócio, além do exame físico dos documentos relativos às receitas e às despesas, a possibilidade de verificação da movimentação bancária e das aplicações financeiras que a sociedade possa manter junto a bancos e a terceiros”[vii].
Por conta dessas razões e da proximidade entre as características das companhias fechadas e de outras “sociedades empresárias de pessoas”, é que se deve dar uma atenção mais detida para este tipo de companhia, cujo direito de fiscalizar não será regido apenas pela LSA.
É o caso concreto, o entendimento sobre a empresa em questão (em foco, em discussão) e o seu percurso desde os atos fundacionais é que trarão subsídios para a amplitude do acesso a informações, ao exame das contas e a documentos.
Abre-se um parêntese para o seguinte exemplo, aplicável mesmo para as companhias abertas: quando as assembleias gerais forem apenas pró-forma (atas pré-prontas e pré-formatadas), sem a realização do ato deliberativo em si e disponibilização prévia dos documentos, em que pese a simulação/dissimulação quanto ao atendimento dos requisitos legais/formais, não há como se desprezar o princípio da primazia da realidade sobre a forma. Trata-se de um ato inexistente. Nesta situação-hipótese, admite-se o acesso mais amplo aos documentos da empresa, inclusive os que revelem o estado do caixa e a movimentação bancária plena, aplicando-se os artigos 1.020 e 1.021 do Código Civil em caráter complementar e não subsidiário como antes ficou assente.
Neste mesmo contexto, avaliando a empresa em concreto, será possível desvendar o papel de cada sócio/acionista e o poder exercido pelo acionista administrador e controlador nas deliberações sociais, bem como as razões e os direitos vinculados ao ato de exigir, segundo as relações do acionista questionante e exercente dos direitos a ele assegurados, enquanto reveladores de uma postura empresarial inadequada daqueles que exercem o controle e agem em abuso de poder.
Sob o pretexto de impedir o acesso a dados, documentos e informações, os administradores, acionistas ou não, apegam-se a um discurso que não faz mais sentido, mormente simplista e despropositado, de que a abertura de contas prejudicaria a operação e as atividades empresariais. Tal argumento, na era digital, diante de um direito patrimonial e da prevalência dos princípios da transparência e da boa fé objetiva, não mais convence, até porque os acionistas (minoritários ou majoritários), interessados em fiscalizar a gestão poderão disponibilizar a estrutura, objetivando auditar a empresa, pelo seu esforço financeiro próprio, sem qualquer ato de embaraço ou descontinuidade das atividades econômicas.
Por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 0000541-63.2010.8.26.0299, o TJSP, assim se posicionou: “Desta forma, evidente o interesse da apelada em postular a exibição de documentos que lhe forneçam maiores elementos para que possa exercer seu direito de fiscalização sobre a administração da sociedade da qual é sócia minoritária (...), ainda que em tal pedido incluam-se documentos pertencentes às empresas controladas pela holding, uma vez que sem tais elementos não teria a sócia minoritária condições para analisar, com segurança, a correção das contas que foram apresentadas pela Administração em Assembleia Geral Ordinária”. (...) Frise-se apenas a necessidade de se decretar, na instância de origem, o segredo de justiça sobre os documentos sigilosos (extratos bancários e declaração de imposto de renda)[viii].
Assim, o direito de fiscalizar, em regra, é amplo, prevalente e irrestrito, cujo raciocínio também se aplica para as sociedades coligadas, na hipótese de existir sociedade controladora (holding) e controladas, especialmente quando nestas (controladas) estejam concentradas todas as atividades econômicas e se tratem de subsidiárias integrais, hipóteses em que o direito de fiscalizar abrange todas indistintamente[ix].
Ressalva-se que eventuais limitações ao exercício pleno do aludido direito são exceções, devendo ser muito bem sustentadas e trabalhadas segundo a realidade do caso concreto, sendo mais razoáveis para companhias abertas, mas não para as fechadas, pois nada impede que o acionista audite as contas por si e auxiliado por consultores, podendo examinar documentos e o estado do caixa, questionar e indagar sobre dúvidas e irregularidades encontradas, inclusive fixar procedimento, caso silencie o estatuto social a este respeito e não exista uma forma de monitoramento democraticamente construído pelos acionistas/sócios, em uma sociedade em que os propósitos são comuns.
Estas e outras situações concretas é que darão ao juiz ou ao árbitro elementos para formar o convencimento sobre a extensão do direito essencial em comentário, pois o patrimônio do acionista, representado pelos ativos mobiliários que detém, é que está em jogo nesta complexa e intensa vida das sociedades empresárias.
Notas e Referências
[i] Artigo 1º da Lei 6.404/76.
[ii] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. Vol. I, 2ª Ed. São Paulo: Quartier, 2015, p. 35-36.
[iii] Lei 6.404, art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: (...) III - fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais (...).
Código Civil, art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
Código Civil, art. 1.021. Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade.
[iv] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 7ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 175.
[v] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. Vol. I, 2ª Ed. São Paulo: Quartier, 2015, p. 149.
[vi] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. Vol. I, 2ª Ed. São Paulo: Quartier, 2015, p. 149-150
[vii] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. 7ª ed. 2017, p. 279.
[viii] TJSP, 2015, 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal. Apelação Cível nº 0000541-63.2010.8.26.0299. Relator: Des. JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS.
[ix] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Subsidiária integral e a necessidade da implantação de um sistema eficiente de governança. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/subsidiaria-integral-e-a-necessidade-da-implantacao-de-um-sistema-eficiente-de-governanca>. Acesso em: 01 out 2019.
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