Por Andrezza Anzolin - 19/01/2016
O crime visto a partir de seu custo é contexto propício para o surgimento da teoria da eficiência, que busca resultados economicamente mais vantajosos. Explico: quando se têm crimes de menor potencial ofensivo na sociedade do mercado - que observa o custo do processo - ocorre a equiparação da conduta criminosa ao produto. Assim, a intervenção penal não objetiva punir ou recuperar, mas manter as regras do jogo formal do mercado. O fato é que nessa sociedade de exclusão, delitos de menor potencial ofensivo se multiplicaram. A avalanche processual custou caro e teve como resposta a justiça negocial[1].
O art. 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988 fomentou o microssistema da Lei 9.099 de 1995. Há quem diga que foram abertos os caminhos para a consentida submissão à pena, no entanto, o objetivo da sempre foi de rápida e efetiva atuação, buscando celeridade por meio da redução de formalidades. Ocorre que a criação legislativa não atingiu o resultado esperado e o sistema pautado na oralidade e autocomposição acabou frustrado. Institutos foram importados e aplicados na sociedade brasileira, em que não há política criminal de fortalecimento de garantias individuais.[2]
A justiça negocial trouxe como forma de resolução de casos penais a bem intencionada suspensão condicional do processo. O acordo evita restrições ao convívio social do acusado. Em contrapartida, a coadjuvância do Juiz, por vezes, ocasiona na falta de observação de direitos individuais.
O art. 89 da Lei 9.099/95 dá as regras do jogo. O Ministério Público tem o dever de adequar as condições possibilitando o cumprimento pelo acusado. Dessa forma, o espaço ocupado pelo Juiz na instrução criminal passou a ter como titular o Promotor de Justiça, daí a importância do estudo de tal instituto. Evita-se a disparidade de armas na busca pela resolução do caso penal
Sem dúvidas o acusado tem a oportunidade de aceitar o acordo, é voluntariedade concedida por lei: Não gostou da proposta? Basta recusar.
No entanto, para além da simplicidade teórica, fato é que a suspensão condicional do processo é vista como benefício, não como direito do acusado. Assim, neste tom, é ofertada com condições que extrapolam a gravidade do caso, ou não possuem com ele nenhuma relação - exemplo da proibição de comparecer em bares e boates, quando não há, no crime supostamente cometido, absolutamente nada conexo à ingestão alcóolica ou tais estabelecimentos.
Nesse viés, o exacerbado formalismo na exigência do acordo com o Promotor se vê tanto nas obrigações estipuladas, quanto na fase de seu cumprimento. Novamente, para além da teoria, a audiência ocorre, não raras as vezes, com a proposta finalizada e sem adequações, sendo apresentada no intervalo de audiências de instrução e julgamento na apertada pauta da Vara. Quase que em segundos, o acusado deve decidir a aceitação. Acordadas as condições, a fiscalização do cumprimento não é tão informal quanto a audiência. Algumas obrigações, quando descumpridas, implicam na revogação imediata do instituto. Aliás, o inadimplemento insignificante é, em muitos casos, razão na revogação da suspensão condicional do processo.
O direito civil buscou a equiparação das partes no contrato por meio da função social, o mesmo se faz necessário no âmbito penal. A vedação do abuso de direito do credor na exigência do cumprimento das obrigações e a observação da boa-fé no trâmite contratual equilibraram a relação entre as partes. Não se pode negar a semelhança no vínculo entre o Ministério Público e o acusado, sujeito ativo e passivo no contrato penal. Deve-se enfatizar a finalidade da suspensão condicional do processo, informalidade e celeridade na resolução do caso penal.
No contrato, o vínculo entre credor e devedor é considerado relação pessoal e surge a partir da vontade das partes. A partir disso, nasce a obrigação do devedor em cumprir o esperado pelo credor, implicando em conduta de boa-fé. Nesse sentido, na suspensão condicional do processo, o Ministério Público, a partir da aceitação da proposta, espera determinado comportamento do acusado. A vontade das partes é elemento essencial, tanto no cumprimento das obrigações estipuladas pelo credor, quanto nas condições impostas pelo Promotor.
O cotidiano das obrigações como processo dinâmico e funcional pautou-se em princípios para o acompanhamento e equiparação das partes no vínculo contratual. Reduziu-se o exacerbado formalismo contratual por meio da proporcionalidade, conduta pautada em boa-fé e função social do contrato. No mesmo viés, a aplicação da teoria do adimplemento substancial se deu pela razoabilidade da resolução contratual diante de inadimplementos insignificantes. A rescisão contratual é tratada com cautela, principalmente nos casos de ampla disparidade entre as partes.
No direito penal, por vezes, o Ministério Público se vê em posição mais vantajosa do que o acusado, possibilitando a imposição de condições inadequadas ao caso e a exigência abusiva no cumprimento. Dessa forma, a teoria do adimplemento substancial é o resgate da proporcionalidade e adequabilidade das condições do acordo penal. Frisa-se o objetivo da suspensão condicional do processo quando o comportamento do acusado é suficieente e pautado em boa-fé. A ideia é a verificação da lesão ao bem jurídico tutelado e, de forma eficaz, resolver o caso penal por meio da interdisciplinariedade.
Notas e Referências:
[1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 1º ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 72.
[2] LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal. 9º ed. São Paulo: Saraiva. p. 983.
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Andrezza Anzolin é formada em Direito pelo CESUSC e Residente Judicial do TJSC. . . .
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