O CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER

12/08/2021

A violência psicológica vem prevista no art. 7º, II, da Lei n. 11.340/06 – Lei Maria da Penha – sendo considerada uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, ao lado da violência física, da violência sexual, da violência patrimonial e da violência moral.

A Lei Maria da Penha considera a violência psicológica contra a mulher como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Entretanto, a recente Lei n. 14.188, que foi sancionada pelo Presidente da República e publicada no DOU em 29 de julho de 2021, definindo o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei Maria da Penha e no Código Penal, em todo o território nacional, erigiu a violência psicológica à categoria de crime, em autêntica “novatio legis” incriminadora, acrescentando o art. 147-B ao Código Penal, no capítulo dos crimes contra a liberdade individual. A objetividade jurídica do novo crime consiste na proteção à saúde psicológica e à autodeterminação da mulher.

O tipo penal recebeu a seguinte redação:

“Art. 147-B.  Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.”

De início, cumpre assinalar que o sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa e não necessariamente apenas o homem.

O sujeito passivo, entretanto, somente pode ser a mulher, aí sendo incluída a mulher transgênero, independentemente de ter se submetido a cirurgia de redesignação sexual ou de ter alterado o nome e/ou sexo nos assentos do Registro Civil, sendo suficiente que se trate de pessoa com identidade de gênero feminina. Essa, aliás, tem sido a orientação que vem se pacificando nos tribunais brasileiros, apesar de entendimentos em sentido contrário.

Interessante notar que a redação do tipo penal é bem peculiar, uma vez que se inicia pelo resultado para, em seguida, estabelecer as formas de conduta.

O resultado do crime é o “dano emocional à mulher”, dano esse apto a prejudicar e perturbar seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Portanto, o crime se consuma com a provocação do dano emocional à mulher, tratando-se de crime material.

Esse dano emocional à mulher deve ser causado pelas condutas consistentes em ameaçar, constranger, humilhar, manipular, isolar, chantagear, ridicularizar, limitar o direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Ao se referir a “qualquer outro meio”, deixou claro o legislador seu intuito de não limitar o modo de execução do crime, sendo admitida qualquer outra conduta que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da mulher.

Ressalvados os posicionamentos em sentido contrário, cremos que não se trata de crime habitual, a despeito de algumas modalidades de conduta poderem ser caracterizadas pela prática reiterada de atos. Não se exige, portanto, a habitualidade, consistente na reiteração de atos ou condutas criminosas, uma vez que a consumação pode ocorrer com uma só conduta apta a provocar o dano emocional. É verdade, também, que algumas modalidades de conduta podem caracterizar crime permanente, como no caso de isolamento e limitação do direito de ir e vir. De todo modo, é mais prudente que se analise cada caso concreto, até porque não houve limitação ao modo de execução do crime. A tentativa, em tese, é admitida, embora seja muito difícil sua configuração prática.

Vale ressaltar que se trata de crime doloso, intencional, o que significa dizer que o agente deve ter a intenção (consciência e vontade) de praticar uma ou mais modalidades de conduta (ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação). Nesse aspecto, o dolo do agente não é, necessariamente, o de causar o resultado “dano emocional”, pelo que se pode admitir, quanto à causação do evento, tanto o dolo direto quanto o dolo eventual. A intenção do agente pode ser, por exemplo, a de ameaçar, isolar ou limitar o direito de ir e vir da mulher vítima somente para sua autoafirmação, controle e demonstração de superioridade sobre ela, assumindo o risco de causar-lhe o dano emocional.

Outrossim, cuida-se de crime subsidiário, que apenas se configura se a conduta não constituir crime mais grave, como no caso de cárcere privado ou tortura.

A ação penal é pública incondicionada. Vale dizer, a iniciativa da investigação e da ação penal independem da vontade da vítima.

Por fim, ao contrário do que possa aprioristicamente parecer, o alcance do novo crime não se restringe ao âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 5º da Lei Maria da Penha), não se exigindo essa relação pessoal na descrição do tipo penal, o que alarga o alcance da persecução penal a todos os casos e formas de violência psicológica contra a mulher.

 

Imagem Ilustrativa do Post: violência // Foto de: ninocare // Sem alterações

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