O CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO COM ABUSO DE AUTORIDADE

25/06/2020

O crime de violação de domicílio com abuso de autoridade vem previsto no art. 22 da Lei n. 13.869/19, tendo como objetividade jurídica a tutela da Administração Pública e também a inviolabilidade de domicílio prevista no art. 5º, XI, da Constituição Federal, que diz: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”

Sujeito ativo do crime somente pode ser o agente público (arts. 1º e 2º da Lei n. 13.869/19) que invade ou adentra irregularmente imóvel alheio ou suas dependências ou nele permanece nas mesmas condições. Assim também o agente público que coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências, ou que cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21(vinte e uma) horas ou antes das 5 (cinco) horas. Trata-se de crime próprio. Sujeito passivo é o ocupante do imóvel, podendo ser o proprietário ou não do bem. Secundariamente, é o Estado.

No “caput” do artigo, são três as condutas, representadas pelos verbos invadir (entrar indevidamente ou com violência, ocupar, ultrapassar o limite), adentrar (entrar de forma não violenta, ingressar) e permanecer (continuar, prosseguir, persistir, ficar). As duas primeiras condutas são comissivas, implicando em ação por parte do sujeito ativo. Já a terceira conduta é omissiva, indicando que o agente ingressou no imóvel ou em suas dependências com autorização do ocupante e depois se recusou a sair quando instado a fazê-lo. Nessa modalidade do “caput”, o tipo é misto alternativo. Ou seja, a prática de mais de uma conduta caracteriza um só crime.

Vale ressaltar que o legislador empregou a expressão “imóvel alheio ou suas dependências” ao invés de casa. Isso não impede que se possa utilizar como parâmetro o disposto nos parágrafos 4º e 5º do art. 150 do Código Penal.

A invasão ou adentramento devem se dar clandestinamente (de maneira ilícita, ilegalmente, às escondidas) ou astuciosamente (ardilosamente, com esperteza, fraudulentamente, maliciosamente), ou ainda à revelia da vontade do ocupante (contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito).

As condutas, ainda, devem ser praticadas sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei. Nesse aspecto, estabelece o art. 5º, XI, da Constituição Federal que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.“

O art. 245, “caput”, do Código de Processo Penal, por seu turno, prescreve que “as buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.”

E remata o art. 246 do mesmo diploma: “Art. 246. Aplicar-se-á também o disposto no artigo anterior, quando se tiver de proceder a busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva ou em compartimento não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade.”

No §1º do artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade, ora em comento, vêm previstas figuras equiparadas às do caput, punindo com a mesma pena o agente público que coage (obriga, constrange, força) alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências, ou cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).

Interessante notar que o legislador estabeleceu um limite temporal mais específico para o cumprimento do mandado de busca e apreensão domiciliar, fazendo constar expressamente o horário em que tal diligência é permitida. A legislação processual penal (art. 245, CPP) até então se baseava nos critérios voláteis de “dia” e “noite” que, não raras vezes, geravam intensa celeuma acerca dos seus perfeitos contornos.

O inciso II do §1º foi vetado pelo Presidente da República.

O §2º do artigo 22 prevê causa excludente de ilicitude, não havendo crime “se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.”

O elemento subjetivo é o dolo, não sendo prevista a modalidade delitiva culposa. Agindo com culpa o agente público, deixando de observar o cuidado objetivo necessário em sua atuação funcional (agindo, por exemplo, com negligência), poderá ser responsabilizado na esfera administrativa e/ou na esfera cível.

Além do dolo direto, vale ressaltar, a lei estabeleceu, ainda, no art. 1º, §1º, a necessidade de um especial fim de agir para a configuração dos crimes nela previstos, devendo o agente público praticar as condutas típicas com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. São crimes de tendência intensificada, crimes de intenção ou crimes de tendência interna transcendente. As finalidades específicas previstas na lei, alternativamente, são as seguintes: prejudicar outrem; beneficiar a si mesmo; beneficiar terceiro; por mero capricho; satisfação pessoal.

Nas modalidades de conduta comissivas (invadir e adentrar), o crime é instantâneo, se consumando no momento em que o agente público ingressa ou adentra irregularmente o imóvel ou suas dependências. Trata-se de crime de mera conduta (simples atividade), já que o tipo penal não prevê nenhum resultado naturalístico.

Na modalidade de conduta omissiva (permanecer), o crime é permanente, protraindo-se a consumação pelo tempo em que o agente público ficar no imóvel ou suas dependências após ser instado a dele sair pelo ocupante.

 Nas modalidades de conduta do §1º, o crime se consuma no momento em que o agente público, mediante violência ou grave ameaça, coage a vítima a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências. Ou ainda quando cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar fora dos horários estabelecido na lei.

Salvo na modalidade de conduta omissiva, admite-se a tentativa.

 

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