O crime de stalking e seu reflexo na legislação brasileira (Parte 2)

09/06/2016

Por Jamil Melo – 09/06/2016

Leia também: Parte 1, Parte 3Parte 4Parte 5, Parte 6Parte 7Parte 8Parte 9Parte 10, Parte 11

1. STALKING – UMA VISÃO GERAL

O stalking é um fenômeno antigo, no entanto, é observado mais cuidadosamente pela sociedade há poucos anos. Cometer stalking é instigar o medo, criar incertezas e destruir vidas. Não são raros os casos que envolvem grave violência e até morte. Esse comportamento começa com atitudes inocentes, que em um primeiro momento são vistas como “um mero incidente” ou uma demonstração exagerada de zelo e amor, longe de ser algo destrutivo, mas que com o tempo pode se tornar algo extremamente perigoso.

O ato não é criminalizado “diretamente” no Brasil, o que difere de várias outras nações. Isso não quer dizer que o fenômeno não esteja acontecendo em nosso país, muito pelo contrário, ele acontece e muitas vezes é deixado de lado ou analisado sob um prisma diferente. A história está repleta de casos em que, principalmente homens, monitoraram, seguiram, e após cometerem esses atos sem nenhum tipo de reprovação, estupraram e assassinaram mulheres. Até o cinema já abordou o tema de forma direta em diversos filmes (dormindo com o inimigo, pacto sinistro, atração fatal, entre outros). Com o passar dos anos e a observância deste tipo de tragédia, os estudiosos da psicologia e da lei começaram a buscar respostas ao problema.

1.1 O Conceito de Stalking e seu efeito na sociedade

A palavra stalking é fruto das práticas de caça e foi transformada para ser aplicada no direito penal. O termo deriva do verbo stalk, que não tem uma tradução exata para o português, mas se aproxima de “perseguir incessantemente” (no contexto da caça é quando o predador persegue a presa de forma contínua). Os stalkers são “perseguidores” que possuem um comportamento obsessivo direcionado a outra pessoa, eles procuram sempre, agindo de forma intencional e de acordo com um curso de conduta, seguir, obter informações e controlar a vida de outra pessoa, causando dano psicológico. A criminalização do stalking surgiu nos Estados Unidos, especificamente no estado da Califórnia em 1990 e rapidamente se espalhou pelo mundo, com reflexos diretos e indiretos em diversas legislações.

A doutrina estrangeira[1], ao abordar o assunto, coloca em evidência alguns aspectos essenciais para entender o stalking e diferenciá-lo de outros tipos penais. O primeiro, e mais evidente, é a repetição dos atos, o que difere completamente dos outros delitos, que exigem apenas uma ação para se caracterizar. Tais atos não são necessariamente crimes, eles só se tornam uma ofensa a partir da repetição em um curto período de tempo, ou seja, para o stalking ser caracterizado, o ofensor tem de realizar a ação pelo menos duas vezes.  Outro ponto importante é o dano psicológico provocado na vítima. Ora, para que se verifique o stalking, a vítima deve temer por sua segurança ou de seus familiares, seja medo de perder a vida ou de sofrer lesões corporais. Pune-se não o dano físico, mas sim o psicológico. O Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos[2], através do Departamento Nacional de Violência Contra Mulheres, sugeriu a seguinte definição de stalking:

Um curso de conduta direcionado a uma pessoa específica que envolve repetitivas aproximações físicas ou visuais; comunicação não consensual, ou ameaças verbais, escritas ou implícitas; ou uma combinação que causaria medo a uma pessoa razoável. [3]

A definição proposta pelo Instituto Nacional de Justiça aborda importantes aspectos do stalking. Logo no início, verifica-se o uso da palavra “curso de conduta”, isto é, um padrão comportamental (um ato realizado mais de uma vez) que evidencie que o autor está cometendo uma ofensa. Nesse sentido, as ofensas são abordadas diretamente (repetitivas aproximações físicas e visuais, comunicação, etc), o que é importante para delimitar uma primeira aproximação ao assunto, mas que deixa enormes lacunas de diferentes tipos de ofensas. Por último, está o causar medo em uma pessoa razoável. Frise-se que o medo é essencial para a caracterização da ofensa e que a utilização de “pessoa razoável” é uma forma de salientar que o medo causado não pode ser algo banal ou um mero dissabor, mas sim um medo real sobre a segurança.

De uma forma mais genérica, que aborda a repetição dos atos e o dano psicológico, a doutrina moderna[4] além de explicitar o curso de conduta que leve a um dano físico ou emocional[5], enfatiza outros dois elementos para a caracterização do stalking: perseguição[6] e ameaça plausível[7].

O dicionário Aurélio de Língua Portuguesa define perseguir como: 1. Ir no encalço de. 2. Incomodar; importunar. 3. Constranger, atormentar. 4. Buscar realizar, conquistar ou adquirir.[8]

A definição se encaixa de certa forma numa abordagem jurídica. Perseguir alguém tem o intuito de prejudicar tal pessoa, incomodar, assediar, provocar uma reação, causar um efeito negativo. Desta maneira, o assédio é a maior característica deste elemento, é a ação de incomodar em si. Na análise completa do stalking há, em alguns momentos, uma simbiose entre a perseguição e a repetição dos atos (que é uma característica mais forte no curso de conduta, mas que faz parte, em menor grau, da perseguição) uma vez que dentro da perseguição, em certas ocasiões, aparece a repetição dos atos focados na vítima ou em seus familiares, durante certo período de tempo, em que não haja um porquê legítimo de existência da perseguição a não ser causar prejuízo a vítima. Ressalta-se que a perseguição não é caracterizada pela repetição dos atos, mas  pelo assédio.

Entende-se por ameaça plausível a ação direta ou indireta que cause a vítima medo em: sua segurança, perder a vida, sofrer lesões corporais ou ainda que cause um prejuízo psicológico considerável de forma que mude sua rotina. Novamente a repetição dos atos aparece. Em muitos casos de stalking, o ofensor segue a vítima (de forma que ela saiba que está sendo seguida) diariamente durante um período de tempo, caracterizando neste ato tanto a perseguição quanto à ameaça plausível.  Obviamente que a ameaça não pode ser vã e sem sentido, deve se encaixar no perfil do autor e ter uma chance, ainda que pequena, de que caso não haja uma intervenção, pode vir a se concretizar.

Curso de conduta, conforme dito acima, é uma série de atos direcionados a vítima com o escopo de causar medo ou um dano emocional (a repetição dos atos é caracterizada mais especificamente neste momento, já que é intrínseca ao curso de conduta). É uma espécie de “padrão comportamental” do autor, o modus operandi utilizado para causar a ameaça, de forma a prejudicar a vítima. Portanto, caso uma pessoa siga outra e a importune apenas uma vez, o crime não é configurado (muitas vezes nem quando o ofensor realiza a ação por duas vezes, não é este ato isolado que configura o stalking, mas sim o conjunto de condutas analisadas como um todo, tanto é verdade que caso o autor realize cinco ações diferentes, com um curso de conduta definido e a ameaça configurada, ele cometerá a ofensa).

A união destes três elementos com o dano psicológico formam o “corpo” do stalking e para grande parte das legislações sobre o assunto, são eles que constituem as principais características do tipo penal (seja de forma direta ou indireta).

Apenas para exemplificar, imagine um caso onde o autor começa a perseguir sua ex-mulher após o término do relacionamento. Deixa recados, efetua telefonemas e envia mensagens das mais variadas (e-mails, mensagem por celular, carta), de forma diária durante um período de tempo, mesmo após a vítima ter deixado claro que não deseja de reestabelecer o relacionamento. As mensagens contêm ameaças implícitas, como por exemplo: “volta para mim ou algo muito sério pode acontecer contigo”. Observe que o autor utilizou-se de um curso de conduta, realizar repetidos telefonemas e deixar várias mensagens, para causar medo na vítima. A perseguição fica evidente no assédio realizado, enquanto a ameaça plausível está inserta na mensagem e na repetição de atos (a repetição em si é uma forma de ameaça).

Ainda que a doutrina brasileira não se aprofunde no tema, alguns escritos estão presentes. O professor Damásio de Jesus escreveu sobre o assunto em 2006 e assim discorreu:

Stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, freqüência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos.[9] 

Mesmo optando por não tratar das principais características do stalking diretamente, observa-se que o autor insere alguns dos elementos supracitados em seu texto. A perseguição está presente nas mais diferentes formas de assédio realizadas pelo autor, além disso, o doutrinador elenca diversos atos que formam o “curso de conduta” do ofensor, seja efetuando ligações, fixando faixas, espalhando boatos, entre outros (o atos repetitivos). Faltou um apontamento ao dano psicológico ou ao medo, de forma clara e objetiva (ainda que o autor faça apontamentos sobre isto ao longo de seu artigo, não o faz no corpo da definição, o que deixa um leque grande interpretações para o efeito do stalking).

Além de causar um dano psicológico, o stalking pode levar a ofensas sexuais e a morte. É uma atitude que prejudica em si e, muitas vezes, serve de alicerce para um crime mais sério no futuro. Não se afirma que todo stalker é um potencial homicida ou estuprador, a afirmação é a de que em vários casos de homicídio ou de estupro, há a presença do stalking antes da consumação daquele crime. Há casos de stalking registrados que o dano causado foi tão grande que levou a vítima a cometer suicídio.

Apesar de a maioria dos casos práticos mostrarem que a vítima conhece seu perseguidor, há exceções. Não é raro quando o ofensor prefere manter-se anônimo, ainda mais com o advento do mundo virtual, isto em nenhum momento foge da caracterização do stalking. O ponto é que o dano causado é tão grande quanto à perseguição realizada por um sujeito ativo identificado, podendo em alguns casos ser até maior, já que para a vítima qualquer pessoa pode ser um suspeito, refletindo em todas as suas interações pessoais, de forma que a impeça de procurar novas relações ou conhecer novas pessoas.

A grande variedade de condutas que se operam repetitivamente e de forma ofensiva, para introduzir-se na vida pessoal de outrem, por meio dos contatos indesejados tem um efeito prático e imediato na vítima. Ela começa a procurar novos caminhos para ir ao trabalho, muda o telefone de casa e o celular repetidamente, abandona endereço de e-mail que possuía há anos, evita certos lugares, ou seja, modifica completamente a vida como forma de evitar um “eventual” contato com o ofensor.

É imprescindível ressaltar que nem sempre a atitude do causador deste ato é ilegal. Ele pode, muitas vezes, seguir a vítima à distância sem que esta saiba, monitorar a vida “cibernética”, não se aproximar de uma forma mais objetiva, nunca fazer uma ameaça séria ou causar algum dano, falta claramente nesses casos a ameaça plausível e o curso de conduta que leve a um dano físico ou emocional. Quando isso acontece fica muito difícil imputar um crime ao stalker. Mesmo nas situações mais claras, onde há envio diário de presentes, flores, mensagens, entre outros meios, é extremamente difícil caracterizar uma perseguição, depende da frequência com que os atos ocorram, o dolo, e principalmente se a vítima se sente incomodada com os atos do autor, é exclusivamente ela que tem a palavra final nestes casos. Não é fácil visualizar qual o risco que a vítima corre e a periculosidade do autor, tanto é verdade que algumas pessoas entendem que o stalking é um ato preparatório, que pode ou não, se tornar um crime (ameaça, ou lesão corporal, entre outros) e não deve ser criminalizado.

Para desmistificar a afirmação que o stalking é um ato preparatório basta observar a repetição das ações, a forma incisiva com que ela é realizada e o efeito sobre a vítima. Ao balancear essas atitudes a conclusão é clara que o stalking não se caracteriza como um ato preparatório, principalmente pelo efeito causado na vítima, que é imediato. Mudar a rotina, ter um medo constante, ficar constrangido com as perseguições persistentes, já é o resultado de uma ação, outra atitude após essa será, inevitavelmente, uma ação que não se relaciona diretamente com o stalking, mas sim a outro crime que pode ser cometido. Há diversos casos no Brasil e no mundo em que após uma separação problemática uma das partes tenta reatar o relacionamento, frustrado pela outra parte, gerando ciúme exagerado que termina em tragédia. Nestes casos, o stalking está sempre presente no interstício entre o término do relacionamento e o homicídio ou lesão corporal, e, nesse momento, tanto o judiciário quanto a força policial podem dar uma resposta imediata.

O sujeito passivo da ofensa pode ser qualquer pessoa. É evidente que a maioria das vítimas são mulheres e que em algum momento da vida houve uma relação íntima entre autor e vítima (há um número considerável de stalkers que nunca tiveram uma relação íntima com a vítima, porém a conheciam de outras situações, como o trabalho, estudos, etc).  Na terceira seção deste capítulo, os detalhes sobre os stalkers serão apresentados de forma mais incisiva, contudo é de suma importância entender que não existe um padrão de vítimas, a variação é grande, pode-se apenas trabalhar com maiorias e minorias.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos realizou um estudo empírico[10] sobre o tema, quantificando as vítimas de stalking e o modus operandi dos stalkers. O estudo teve duração de um ano e concluiu que, nesse período, aproximadamente três milhões e quatrocentas mil pessoas sofreram stalking nos Estados Unidos, isto é, cerca de quatorze pessoas em cada grupo de mil, todas maiores de dezoito anos. Alguns dados ainda são de grande relevância, entre eles:

  • 46% das vítimas sofreram com pelo menos um contato inesperado por semana e 11% afirmaram que são vítimas de stalkers há mais de cinco anos;
  • O risco de sofrer stalking é maior para quem é separado ou divorciado;
  • As mulheres são as principais vítimas do stalking;
  • Aproximadamente uma em cada quatro vítimas afirma que sofreu alguma forma de cyberstalking, como e-mail e mensagens instantâneas;
  • 46% das vítimas sentiram medo por não saber o que aconteceria posteriormente;
  • Aproximadamente três em cada quatro vítimas conhecia seu perseguidor de alguma maneira;
  • Mais da metade das vítimas de stalking faltaram cinco dias ou mais de trabalho por causa da perseguição.

Os números mostrados pela pesquisa indicam o quanto o comportamento perseguidor limita a vida da pessoa e ajuda a corroborar algumas teses sobre os stalkers. A repetição dos atos fica clara logo no primeiro dado, pelo menos uma vez por semana a vítima teve um contato inesperado, causando severo medo. As mulheres são as maiores vítimas, vinte em cada mil mulheres sofreram stalking, enquanto sete a cada mil homens foram afetados. Outro dado interessante é o aparecimento do cyberstalking como forma de ofensa, o que é uma tendência de se tornar cada vez mais evidente no mundo moderno, principalmente pela disseminação da internet.

Alguns dados da pesquisa não abordados acima continuam a mostrar o quanto a ofensa pode prejudicar a vida. Uma em cada cinco vítimas de stalking temeu sofrer lesões corporais enquanto uma a cada seis temeu pela integridade física de filhos ou outros parentes próximos. Uma a cada dez vítimas temeu pela vida (nesses casos há uma ameaça mais séria), quatro a cada dez stalkers ameaçaram a vítima, membros da família, amigos e até os animais de estimação desta. Assim sendo, quase a metade das vítimas temem que um mal pior possa acontecer, não sabem se o comportamento da pessoa (na maioria das vezes conhecida) pode ser tornar violento. Isso mostra empiricamente o efeito do stalking no dia a dia, são cerca de um milhão e setecentas mil pessoas, apenas nos Estados Unidos, temendo pela vida por uma ameaça real. Outro dado relevante é o de que uma a cada sete vítimas mudaram de endereço após sofrerem a perseguição. Observa-se também como a vida laboral das vítimas é afetada, mais da metade faltaram ao trabalho por causa da perseguição, o que pode ocasionar a perda do emprego ou um desempenho abaixo do esperado, afetando o meio de sustento dela, causando “indiretamente” um dano “extra”, a dificuldade de conseguir dinheiro.

Durante o período de estudo (doze meses), três a cada cinco vítimas reportaram que o assédio cessou, enquanto duas a cada cinco afirmaram que não. Os motivos que levaram o stalker a cessar seu comportamento são os mais diversos. Para 15,6% das vítimas, os ataques pararam após a polícia alertar o ofensor, para 13,3% quando a própria vítima entrou em contato com o ofensor, enquanto 12,2% apontam pela interferência de um amigo ou familiar. Cerca de 10% das vítimas ainda apontam as ordens judiciais que proíbem o stalker de se aproximar delas. Os entrevistados restantes não definiram uma situação específica que pôs fim ao comportamento.

Um número que assusta é o que aponta se houve arma (de fogo ou não) envolvida e se a vítima sofreu algum tipo de ferimento. Aproximadamente 139 mil vítimas de stalking foram atacadas por uma arma. Em 77% dos casos foram utilizados facas ou outros instrumentos (cortantes ou não), enquanto 23% dos casos envolviam arma de fogo. Por volta de 279 mil vítimas afirmaram que sofreram lesões corporais. A grande maioria (99%) sustentou que sofreu pequenos ferimentos, contudo cerca de 20% das vítimas afirmaram que sofreram ferimentos graves (facadas ou projéteis), enquanto 14% foram atacadas sexualmente[11].

Um lado pouco analisado neste tipo de pesquisa é a ação tomada pela polícia quando a vítima procura ajuda. Esse dado está presente no estudo realizado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a partir da percepção das vítimas.

Boletim de ocorrência 55,3%
Conversou com o ofensor 32,2%
Sugeriu a obtenção de ordem de restrição 20,1%
Deu conselhos sobre autodefesa 17.4%
Prendeu o ofensor 7,7%
Pediu mais provas 6,4%
Não teve ação 18,8%[12]

.

Os números acima mostram a dificuldade prática do combate ao crime de stalking. A linha entre as ações destrutivas e situações corriqueiras é muito tênue e não é facilmente aceita ou percebida por todos. Para que a polícia possa combater esse tipo de atitude, um treinamento voltado para esta área deve ser ministrado. Ainda há uma resistência cultural em achar que certas atitudes não são devastadoras. Corroborando essa afirmação, vislumbra-se que apenas um terço dos casos houve uma aproximação da polícia com o ofensor, que é um caminho interessante para evitar uma futura tragédia, diferentemente do Boletim de Ocorrência, que tem um cunho mais probatório (mesmo sendo algo de menor complexidade, apenas 55% dos casos houve a emissão do mesmo). Um número que chama a atenção é o dos casos em que o policial aconselha sobre autodefesa. O cuidado nessa seara deve ser maior ainda, pois pode levar a vítima a se tornar um potencial ofensor (seja através do excesso na legítima defesa ou na “justiça com as próprias mãos”). Em aproximadamente um a cada cinco casos, não houve ação da polícia, o que demonstra a dificuldade em se lidar com a questão. Não é simples comprovar ser vítima de stalking em certas situações. Caso um stalker apenas siga a vítima diariamente, ou apareça em certos lugares, sem efetuar ligações ou deixar recados, fazendo ameaças implícitas, a comprovação de ser vítima é árdua. Infelizmente, nesses casos, dificilmente a polícia irá investigar a situação.

Um último dado que merece ser citado é a percepção da vítima quanto à situação como um todo após o primeiro contato com a polícia.

Situação melhorou 28,2%
Situação piorou 22,9%
Não houve mudanças 48,9%

.

Em apenas 28,2 % dos casos houve uma melhora na vida da vítima após o primeiro contato com a polícia. Frisa-se que os dados servem apenas para o primeiro contato com a autoridade policial. Ainda assim, a situação piorou em uma quantidade muito próxima das situações em que houve melhora. Novamente os números mostram o quão precário ainda é o combate a esta ofensa, ainda mais ao se perceber que praticamente na metade dos casos, não houve nenhuma mudança significativa. Apesar dos números assustarem, a melhor opção ainda é procurar ajuda, já que com a continuidade do combate ao comportamento ofensivo do autor, a vítima chega a um resultado esperado, a volta de sua liberdade.

Não se afirma que os stalkers devem ser presos, a prisão é uma sanção pesada que só pode ser aplicada em casos extremos. Porém, uma discussão séria sobre as formas de punição nesses casos é extremamente necessária para que se chegue a uma solução plausível, tanto para a vítima quanto para o autor.

O estudo classificou como vítima de stalking a pessoa que sofreu algum dos comportamentos abaixo em, pelo menos, duas vezes distintas. Além disso, foi observado se esse assédio provocou um real medo da vítima, por sua segurança ou de algum familiar.

  • Realizar telefonemas indesejados;
  • Envio de e-mails ou cartas não solicitados;
  • Seguir ou espiar a vítima;
  • Aparecer em determinados lugares sem uma razão legítima;
  • Esperar a vítima em determinado lugar;
  • Dar presentes, itens ou flores indesejadas;
  • Postar informações ou espalhar rumores sobre a vítima, na internet, em locais públicos ou de boca em boca.

As situações acima descritas são o cerne do comportamento dos stalkers e são eficientes para definir se uma pessoa é ou não vítima de stalking. Conforme dito anteriormente, quando analisadas de formas isoladas e sem repetição, não passam de um mero acontecimento na vida, mas analisando o contexto em que estão encravadas formam o modus operandi básico do ofensor.


Notas e Referências:

[1] PROCTOR, Mike. How to Stop a Stalker. New York: Prometheus Books. 1º ed. 2003.

[2] National Instute Of Justice

[3] TJADEN, Patricia. Stalking in America: Findings from the National Violence Against Women Survey. Washington: National Institute Of Justice, 1998, tradução nossa, (A course of condut directed at a specific person that involves repeated visual or pysical proximity; non-consensual communication; or verbal, written or implied treats; or a combination thereof that would cause a reasonable person fear).

[4] PROCTOR, Mike. How to Stop a Stalker. New York: Prometheus Books. 1º ed. 2003.

[5] Course of conduct that leads to Physical or emotional damage.

[6] Harassment.

[7] Credible Threat.

[8] FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Mini Dicionário da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 7ª edição, 2008, p.626.

[9] JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal.  São Paulo, v. 10, n. 56, p. 67, jun-jul/2009.

[10] BAUM, Katrina et al. Stalking Victimization in United States. [S.l:s.n.], January 2009.

[11] A soma é maior que 100% já que foram permitidas respostas múltiplas.

[12] A soma é maior que 100% já que foram permitidas respostas múltiplas.


Jamil Melo. . Jamil Melo é Advogado formado pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, pós graduado em direito civil e empresarial. E-mail: jamil@crk.adv.br . .
Imagem Ilustrativa do Post: Stalk // Foto de: Vincent Albanese // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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