O crime de redução a condição análoga à de escravo e a Portaria 1.129/17 do Ministério do Trabalho - Por Ricardo Antonio Andreucci

26/10/2017

 O art. 149 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, define o crime de redução a condição análoga à de escravo, muito em voga atualmente, por conta da publicação, no Diário Oficial em 16 de outubro de 2017, da Portaria 1.129, de 13 de outubro de 2017, do Ministério do Trabalho.

Esta nova portaria, basicamente, dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos do artigo 2-C da Lei nº 7998, de 11 de janeiro de 1990, além de alterar dispositivos da PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11 de maio de 2016.

A celeuma que foi criada em torno da citada portaria, entretanto, se revelou de pouca relevância para o Direito Penal, já que os contornos do crime de redução à condição análoga à de escravo já se encontram bem estabelecidos na doutrina e na jurisprudência pátrias.

Inicialmente, vale anotar que o crime do art. 149 do Código Penal também é conhecido como plágio (do latim “plagium”), que é a completa sujeição de uma pessoa ao domínio de outra, a venda de homens livres como escravos, enfim, o cerceamento de liberdade da vítima. Não se confunde esse crime contra a liberdade individual com o plágio literário, que viola direitos de autor, o qual teve sua origem em Roma, com a “Lex Fabia de Plagiariis”, no século II a. C..

O crime de redução à condição análoga à de escravo tem como objetividade jurídica a tutela da liberdade individual (“status libertatis”).

O termo “condição análoga à de escravo” define o fato de o sujeito ativo reduzir a vítima a uma pessoa totalmente submissa à sua vontade, como se escravo fosse.

Do ponto de vista penal, segundo a redação do dispositivo em análise, entende-se por “condição análoga à de escravo”: a) a sujeição da vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva; b) a sujeição da vítima a condições degradantes de trabalho; c) a restrição, por qualquer meio, da locomoção da vítima, em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. O § 1.º prevê punição idêntica à do “caput” àquele que: a) cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; b) manter vigilância ostensiva no local de trabalho, com o fim de lá reter o trabalhador; c) se apoderar de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: a) contra criança ou adolescente; b)       por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Trata-se de crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo.

Como consequência do crime, dispõe o art. 1º da Lei nº 6.454/77, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.781/13, que “é proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva ou que tenha se notabilizado pela defesa ou exploração de mão de obra escrava, em qualquer modalidade, a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da administração indireta”.

Vale destacar, por oportuno, que todas as condutas previstas no dispositivo penal como caracterizadoras do crime em análise envolvem o cerceamento do direito de ir e vir do trabalhador, ou seja, o direito de liberdade, justamente um dos pontos mais atacados da recente Portaria 1.129/17 do Ministério do Trabalho.

Nos termos da nova portaria (art. 1º), considerar-se-á:

I - trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade;

II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria;

III - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade;

IV - condição análoga à de escravo:

a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária;

b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico;

c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;

d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho.

Portanto, percebe-se claramente que a explicitação feita pela Portaria 1.129 em praticamente nada destoa do que já estava fixado na norma penal correlata e do que já vinha entendendo a doutrina e jurisprudência pátrias, nenhum impacto negativo ocasionando na persecução criminal do fato, restando a conclusão de que o inconformismo de boa parte dos que se insurgiram contra a nova norma administrativa demonstra muito mais um desconhecimento do crime ora analisado, insuflado por um discurso político-ideológico, do que uma real preocupação com o combate à escravidão contemporânea como face hedionda da natureza humana.


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