O CRIME DE OMISSÃO DE COMUNICAÇÃO DE PRISÃO NA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

10/09/2020

O crime de omissão de comunicação de prisão vem previsto no art. 12 da Lei n. 13.869/19 – nova Lei de Abuso de Autoridade, tendo como objetividade jurídica a tutela da Administração Pública e também o direito à liberdade de locomoção da pessoa, previsto no art. 5º, XV e LXI, da Constituição Federal. Também é objeto da tutela legal o direito à comunicação da prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre (art. 5º, LXII, CF).

Diz o art. 12 da nova Lei:

“Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem:

I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;

II - deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada;

III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;

IV - prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.”

O “caput” do art. 12 se refere à omissão injustificada de comunicação de prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal. O art. 5º, LXII, da Constituição Federal estabelece que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.”

No mesmo sentido, o art. 306 do Código de Processo Penal estabelece que “A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.”

Portanto, infere-se que o sujeito ativo desse crime somente pode ser o agente público que tenha o dever legal de comunicar imediatamente ao juiz competente a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra, ou seja, o Delegado de Polícia. É o Delegado a autoridade competente a que se refere o art. 304 do Código de Processo Penal. Nesse aspecto é o art. 2º, §1º, da Lei n. 12.830/13.

Tratando-se de crime militar, a mesma obrigação de comunicação ao juiz vem estampada no art. 222 do Código de Processo Penal Militar, recaindo a responsabilidade penal, em caso de omissão, sobre a autoridade policial militar.

Sujeito passivo é a pessoa presa em flagrante. Secundariamente, é o Estado.

A conduta típica vem expressa pelo verbo “deixar”, indicando a omissão da autoridade responsável pela comunicação da prisão em flagrante à autoridade judiciária.

A dúvida que se estabelece, entretanto, é justamente a de saber qual o prazo para a comunicação da prisão em flagrante à autoridade judiciária, à vista do que dispõe o art. 306 do Código de Processo Penal.

A nosso entender, o prazo é de 24 (vinte e quatro) horas, pois o art. 12, “caput”, se refere a “prazo legal”. Ora, o prazo legal (previsto em lei) é aquele estabelecido no art. 306, §1º, do Código de Processo Penal, no qual a autoridade policial deverá encaminhar ao juiz competente o auto de prisão em flagrante.

Não se ignora, evidentemente, que a comunicação imediata da prisão em flagrante ao juiz, prevista no “caput” do art. 306 não se confunde com a remessa do respectivo auto. São providências diversas.

Até em razão disso, há autores que discordam do prazo de 24 (vinte e quatro) horas para a comunicação da prisão em flagrante, conforme acima mencionado, sustentando que a referida comunicação deve ser feita imediatamente, ou seja, desde logo, de imediato, sem delonga, no mesmo instante, conforme determina expressamente o art. 306, “caput”.

Mantemos, entretanto, a nossa posição no sentido de que o “prazo legal” a que se refere o dispositivo em comento é o prazo de 24 (vinte e quatro) horas, até em consonância com o princípio da legalidade e da taxatividade.

Outrossim, a omissão de comunicação da prisão em flagrante ao juiz deve ser “injustificada”. O tipo penal traz o elemento normativo “injustificadamente”, que significa sem justificativa plausível, sem razão relevante. Havendo justo impedimento para que ocorra a comunicação, haverá a exclusão da própria tipicidade, não se configurando o delito.

Com relação à pessoa detida, vale mencionar que se a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente deixar de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada, estará tipificado o crime do art. 231 da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.

O elemento subjetivo do crime é o dolo, não sendo prevista a modalidade delitiva culposa.

Agindo com culpa o agente público, deixando de observar o cuidado objetivo necessário em sua atuação funcional (agindo, por exemplo, com negligência), poderá ser responsabilizado na esfera administrativa e/ou na esfera cível.

Além do dolo direto, a lei estabeleceu, ainda, no art. 1º, §1º, da Lei, a necessidade de um especial fim de agir para a configuração dos crimes nela previstos, devendo o agente público praticar as condutas típicas com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. São crimes de tendência intensificada, crimes de intenção ou crimes de tendência interna transcendente. As finalidades específicas previstas na lei, alternativamente, são as seguintes: prejudicar outrem; beneficiar a si mesmo; beneficiar terceiro; por mero capricho; satisfação pessoal.

Trata-se de crime de mera conduta, que se consuma com a omissão de comunicação da prisão no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a partir da apresentação do preso à autoridade policial. Por ser crime omissivo próprio, não se admite a tentativa.

De acordo com o disposto no art. 3º, “caput”, da Lei de Abuso de Autoridade, “os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.” Admite-se, no §1º, a ação penal privada subsidiária.

A pena cominada é de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção e multa. Sendo crime de menor potencial ofensivo, a competência é do Juizado Especial Criminal (Lei n. 9.099/95), não sendo possível o acordo de não persecução penal em razão do disposto no art. 28-A, §2º, I, do Código de Processo Penal.

No parágrafo único do art. 12 vêm previstas figuras equiparadas, incorrendo o agente na mesma pena do “caput”.

No inciso I, pune-se a conduta do agente que deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou. Trata-se de obrigação já estampada no art. 289-A, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Penal, que estabelece a obrigatoriedade de comunicação imediata da prisão ao juiz que a decretou ou ao juiz do local de cumprimento da medida, o qual providenciará a certidão extraída do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou. O mesmo se diga com relação à prisão temporária (Lei n. 7.960/89). “Imediatamente” significa desde logo, de imediato, sem delonga, no mesmo instante. Nesse caso, o sujeito ativo pode ser qualquer agente público responsável pelo cumprimento do mandado de prisão, inclusive o juiz ao qual o preso foi apresentado, quando não for o responsável pela expedição do mandado de prisão.

No inciso II, pune-se a conduta do agente que deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada. Essa obrigação vem estampada no art. 306, “caput”, do Código de Processo Penal. Aqui também a comunicação deve ser imediata. O sujeito ativo, a nosso ver, somente pode ser o Delegado de Polícia, valendo, nesse passo, as observações já feitas acima.

No inciso III, pune-se a conduta do agente que deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas. Nota de culpa é uma peça informativa, escrita, que deve ser obrigatoriamente entregue ao preso em flagrante, devidamente assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas (art. 306, §2º). No caso de prisão temporária, o mandado de prisão deverá ser expedido em duas vias, uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa. O sujeito ativo, nesse crime, poderá ser tanto o Delegado de Polícia quanto qualquer outro agente público encarregado de entregar ao preso a nota de culpa.

No inciso IV, pune-se a conduta do agente que prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal. Ninguém pode ficar preso por mais tempo do que determina a lei ou do que foi estabelecido pelo juiz, seja a prisão provisória ou definitiva. Assim, recebido o alvará de soltura, deverá o agente público encarregado da custódia do preso, colocá-lo em liberdade imediatamente. É evidente que o agente público, antes de soltar o preso, deve se certificar de que contra ele não há outra ordem de prisão, submetendo-o, por vezes, a exame de corpo de delito, legitimação ou conferência da autenticidade do alvará de soltura. Mas tais providências não podem ensejar procrastinação do cumprimento da ordem por prazo além do razoável.

Ademais, há que se atender às regras administrativas de cada estabelecimento prisional para a soltura de presos, daí porque o próprio Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 108/2010, estabeleceu o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para cumprimento do alvará de soltura (Art. 1º. O juízo competente para decidir a respeito da liberdade ao preso provisório ou condenado será também responsável pela expedição e cumprimento do respectivo alvará de soltura, no prazo máximo de vinte e quatro horas).

Por fim, merece destacar que, na prisão temporária (art. 2º, § 7º, da Lei n. 7.960/89), decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice sends mixed messages // Foto de: Dan4th Nicholas // Sem alterações

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