O CRIME DE LESÃO CORPORAL PRATICADA POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO

05/08/2021

O crime de lesão corporal, previsto no art. 129 do Código Penal, passou a contar com mais um parágrafo, prevendo figura qualificada se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 do mesmo diploma.

Efetivamente, a Lei n. 14.188 foi sancionada pelo Presidente da República e publicada no DOU em 29 de julho de 2021, definindo o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e no Código Penal, em todo o território nacional, além de acrescentar o §13 ao art. 129 e criar, no art. 147-B, o crime de violência psicológica contra a mulher.

Como é cediço, ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei n. 11.340/06, denominada popularmente “Lei Maria da Penha”, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero, uma das formas mais preocupantes de violência, já que, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuos.

A Lei Maria da Penha deu concretude ao texto constitucional (art. 226, §8º, CF) e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, com a finalidade de mitigar, tanto quanto possível, esse tipo de violência doméstica e familiar (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral).

Preceituando que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, a Lei n. 11.340/06 estabeleceu, no art. 5º, aquilo que configura violência doméstica e familiar contra a mulher, como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, coroando a tutela dos vulneráveis e denotando a verdadeira essência do princípio da igualdade.

No aspecto da violência física, o Código Penal já trazia, no art. 129, §9º, a lesão corporal leve qualificada no âmbito da violência doméstica, quando praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

Com a nova Lei n. 14.188/21, foi inserida no art. 129 mais uma qualificadora no crime de lesão corporal leve, justamente quando esta vem a ser praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121.

Nesse sentido, considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Vale ressaltar que a lesão corporal leve qualificada prevista no §9º do art. 129 do Código Penal pode ter como sujeito passivo qualquer pessoa, ao contrário da lesão corporal leve qualificada prevista no §13, que somente pode ter como vítima a mulher agredida em situação de violência doméstica e familiar ou ainda a mulher agredida por menosprezo ou discriminação à sua condição.

A punição a essa nova qualificadora também foi exacerbada, sendo prevista reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Descabe, outrossim, o acordo de não persecução penal, em vista do disposto no art. 28-A, §2º, IV, do Código de Processo Penal.

Com relação à suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9.099/95, não será cabível apenas quando a lesão corporal for praticada em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do impeditivo constante do art. 41 da Lei 11.340/06 e do disposto na Súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça (“A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.”).

Lado outro, se a lesão corporal envolver menosprezo ou discriminação à condição de mulher, não estaria impedida, em tese, a suspensão condicional do processo, ausente o contexto da Lei Maria da Penha.

Por fim, com relação à ação penal, a nova Lei n. 14.188/21 ocasionou situação curiosa, que certamente passou despercebida ao legislador. Em sendo a lesão corporal leve do §13 praticada em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, a ação penal será pública incondicionada, por força do disposto no já mencionado art. 41 da Lei n. 11.340/06 e da Súmula 542 do Superior Tribunal de Justiça (“A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.”). Entretanto, se a lesão corporal leve do referido §13 for praticada envolvendo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, escapando ao âmbito da violência doméstica e familiar, a ação penal será pública condicionada a representação, seguindo a regra já traçada pelo art. 88 da Lei n. 9.099/95.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Albert V Bryan Federal District Courthouse – Alexandria Va – 0011 – 2012-03-10 / // Foto de: Tim Evanson // Sem alterações

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