O CRIME DE INTERROGATÓRIO POLICIAL DURANTE O PERÍODO DE REPOUSO NOTURNO  

16/07/2020

O crime de interrogatório policial durante o período de repouso noturno vem previsto no art. 18 da Lei n. 13.869/19, tendo como objetividade jurídica a tutela da Administração Pública e também a dignidade humana (art. 1º, III, CF) e a liberdade de autodeterminação do preso a ser interrogado. Trata-se de crime pluriofensivo.

Dispõe o referido artigo:

“Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

Sujeito ativo somente pode ser o agente público responsável pela submissão do preso ao interrogatório policial, ou seja, o delegado de polícia. De acordo com o disposto no art. 2º, §1º, da Lei n. 12.830/13, “ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.”

Exclui-se, portanto, do alcance da norma, o escrivão de polícia, o agente, o membro do Ministério Público ou qualquer outro agente público, sob pena de indevida analogia “in mallam partem”.

Sujeito passivo é a pessoa presa, que foi submetida ao interrogatório policial indevido durante o período de repouso noturno. Secundariamente, o sujeito passivo é o Estado.

Apenas para registro, o investigado solto não pode ser vítima deste crime.

A conduta típica vem expressa pelo verbo submeter, que significa sujeitar, expor, subjugar. A submissão deve ser a interrogatório policial, excluindo-se, portanto, qualquer outro tipo de interrogatório ou oitiva.

Além disso, prevê o tipo penal o elemento normativo “repouso noturno”, que deve ser entendido, por interpretação sistemática, à vista do disposto no art. 22, §1º, III, da própria Lei de Abuso de Autoridade, como o período compreendido entre as 21 (vinte e uma) horas de um dia e as 5 (cinco) horas do dia seguinte.

Deve ser ressaltado que, mesmo que o interrogatório policial se inicie antes das 21 (vinte e uma) horas, deve ser interrompido quando alcançar esse horário, sendo retomado às 5 (cinco) horas da manhã do dia subsequente.

Vale colacionar o teor dos Enunciados 11 e 12 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União - CNPG e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal – GNCCRIM:

ENUNCIADO 11 (art. 18): “Para efeitos do artigo 18 da Lei de Abuso de Autoridade, compreende-se por repouso noturno o período de 21h00 a 5h00, nos termos do artigo 22, § 1°, III, da mesma Lei.”

ENUNCIADO 12 (art. 18): “Ressalvadas as hipóteses de prisão em flagrante e concordância do interrogado devidamente assistido, o interrogatório extrajudicial do preso iniciado antes, não pode adentrar o período de repouso noturno, devendo ser o ato encerrado e, se necessário, complementado no dia seguinte.”

O crime não se configura se o interrogatório policial, embora realizado durante o período de repouso noturno, envolver pessoa capturada em flagrante delito ou se o preso, devidamente assistido, consentir em prestar declarações. “Devidamente assistido” significa acompanhado de advogado ou de Defensor Público, já que a intenção da norma incriminadora é preservar o preso de tratamento indevido e de práticas abusivas e degradantes.

O elemento subjetivo é o dolo, não sendo prevista a modalidade delitiva culposa.

Agindo com culpa o agente público, deixando de observar o cuidado objetivo necessário em sua atuação funcional (agindo, por exemplo, com negligência), poderá ser responsabilizado na esfera administrativa e/ou na esfera cível.

Além do dolo direto, vale ressaltar, a lei estabeleceu, ainda, no art. 1º, §1º, a necessidade de um especial fim de agir para a configuração dos crimes nela previstos, devendo o agente público praticar as condutas típicas com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. São crimes de tendência intensificada, crimes de intenção ou crimes de tendência interna transcendente. As finalidades específicas previstas na lei, alternativamente, são as seguintes: prejudicar outrem; beneficiar a si mesmo; beneficiar terceiro; por mero capricho; satisfação pessoal.

O crime se consuma quando o agente público (delegado de polícia) inicia ou prossegue no interrogatório policial durante o período de repouso noturno (das 21h às 5h). Trata-se de crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo, de modo que, enquanto estiver ocorrendo o indevido interrogatório policial durante o período de repouso noturno, o crime estará se consumando.     A tentativa é admissível.

De acordo com o disposto no art. 3º, “caput”, da Lei n. 13.869/19, “os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.” Admite-se, no §1º, a ação penal privada subsidiária.

A pena cominada, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção e multa.

Sendo crime de menor potencial ofensivo, a competência é do Juizado Especial Criminal (Lei n. 9.099/95), não sendo possível o acordo de não persecução penal em razão do disposto no art. 28-A, §2º, I, do Código de Processo Penal.

 

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