O crime de fraude em certames de interesse público - Por Ricardo Antonio Andreucci

10/11/2016

Muito se tem falado, nos últimos dias, sobre supostas fraudes ocorridas nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio.

No último domingo, dia 6 de novembro, a Polícia Federal fez duas operações para combater fraudes no ENEM nos estados de Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Tocantins, Amapá e Pará, prendendo, ao todo, 14 pessoas. As operações foram chamadas de “Jogo Limpo” e “Embuste”. As operações visavam desbaratar esquemas envolvendo o uso de pontos eletrônicos para passar aos candidatos as respostas e o gabarito das provas e o tema da redação.

Candidatos presos no Ceará e no Amapá foram surpreendidos trazendo consigo o tema da redação do ENEM. Um dos envolvidos tinha no bolso o tema da redação e o texto pronto para ser transcrito na prova.

Como se sabe, o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio foi criado em 1988, constituindo uma avaliação de desempenho dos estudantes de escolas públicas e particulares do ensino médio. Trata-se de um exame elaborado pelo Ministério da Educação para verificar o domínio de competências e habilidades dos estudantes que concluíram o ensino médio, composto de quatro provas de múltipla escolha, com 45 questões cada uma, além de uma redação.

No âmbito penal, a fraude em certames de interesse público constitui crime.

O crime de fraude em certames de interesse público vem previsto no art. 311-A, tendo sido incluído no Código Penal pela Lei n. 12.550/2011.

É crime que tem como objetividade jurídica a preservação do sigilo de concursos públicos, avaliações ou exames públicos, processos seletivos para ingresso no ensino superior e exames ou processos seletivos previstos em lei.

O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa, não exigindo a lei qualidade especial. Se o sujeito ativo for funcionário público, a pena será aumentada de 1/3 (um terço).

Sujeitos passivos do crime são os concorrentes ou participantes do certame. Secundariamente, também o Estado pode ser sujeito passivo, já que representa a coletividade.

A conduta vem caracterizada pelos verbos “utilizar” (usar, fazer uso, aproveitar) ou “divulgar” (tornar público, propagar). A divulgação pode ser feita a uma só pessoa, o que já caracteriza o crime, uma vez violado o sigilo do certame.

Objeto material do crime é o concurso público, a avaliação ou os exames públicos, o processo seletivo para ingresso no ensino superior e o exame ou processo seletivo previsto em lei.

O tipo penal apresenta um elemento normativo, representado pela expressão “indevidamente”, caracterizando tipo anormal, aberto, que exige um juízo de valor para completar a tipicidade.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Não se admite a modalidade culposa.

A consumação do crime ocorre com a efetiva utilização ou divulgação de conteúdo sigiloso de certame de interesse público. A tentativa é admitida, em tese, embora de difícil configuração prática.

O § 1º do artigo 311-A estabelece que incorre nas mesmas penas, de 1 a 4 anos de reclusão e multa, quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no “caput”. Nesse caso, se trata de crime próprio, uma vez que somente pode ser sujeito ativo aquele que é encarregado de preservar o sigilo do certame de interesse público. Geralmente são pessoas que integram a estrutura organizacional do certame.

De acordo com o § 2º, se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública, a pena é de reclusão de 2 a 6 anos e multa. Assim é, porque da prática criminosa poderá ou não resultar dano à Administração Pública. Caso resulte referido dano, a pena será maior.

Por fim, estabelece o § 3º que, se o sujeito ativo for funcionário público, a pena será aumentada de 1/3 (um terço). Embora a lei silencie a respeito, a causa de aumento de pena somente incidirá se o funcionário público praticar a conduta violando dever funcional, justamente no exercício da função ou em razão dela. Aqui também o conceito de funcionário público tem seus contornos estabelecidos pelo art. 327 do Código Penal.

Portanto, “legem habemus”. Falta apenas rigorosa e exemplar punição aos envolvidos nas fraudes ocorridas.


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Imagem Ilustrativa do Post: Estudantes brasilienses concluem simulado do Enem // Foto de: Agência Brasília // Sem alterações

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