O crime de abuso de autoridade e sua tríplice responsabilização – Por Ricardo Antonio Andreucci

26/05/2016

A Lei nº 4.898/65, que trata dos crimes de abuso de autoridade, inegavelmente, é um dos diplomas legais mais importantes da atualidade.

Não obstante tenha vindo a lume em pleno regime militar, a lei de abuso de autoridade conserva sua atualidade e aplicabilidade até os dias de hoje, tornando-se um marco legislativo de extrema importância para a sociedade brasileira.

A Lei n. 4.898/65 regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos. Daí a tríplice responsabilização do agente.

O direito de representação no crime de abuso de autoridade, de acordo com o que estabelece o art. 2º da lei, é exercido por meio de petição, em duas vias, contendo a exposição do fato constitutivo do abuso de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de testemunhas, no máximo de três, se houver.

A petição deve ser dirigida à autoridade superior à culpada e ao Ministério Público.

A falta de representação do ofendido, é bom que se diga, não impede que o Ministério Público inicie a ação penal pública, conforme dispõe expressamente o art. 1º da Lei n. 5.249/67, que alterou o art. 12 da Lei n. 4.898/65. Nesse sentido é remansosa a jurisprudência.

Assim, de acordo com o disposto no art. 9º da lei, “simultaneamente com a representação dirigida à autoridade administrativa ou independentemente dela, poderá ser promovida, pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal ou ambas, da autoridade culpada”.

As condutas que constituem abuso de autoridade estão estampadas nos arts. 3º e 4º da lei, consistindo, basicamente, em atentados à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo da correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à incolumidade física do indivíduo, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional, dentre outros.

Para efeitos da lei, considera-se autoridade quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

O particular pode ser sujeito ativo dos crimes de abuso de autoridade, nos termos do art. 30 do Código Penal, desde que atue em concurso com a autoridade, conhecendo essa circunstância elementar.

Com relação às sanções aplicáveis ao agente que cometer abuso de autoridade, podem ser administrativas, civis e penais. As sanções administrativas são: advertência; repreensão; suspensão do cargo, função ou posto, de 5 a 180 dias, com perda de vencimentos e vantagens; destituição da função; demissão; demissão a bem do serviço público. As sanções civis são: pagamento do valor do dano, se possível calcular; pagamento de “quinhentos a dez mil cruzeiros” (valores atualizados monetariamente), se não for possível calcular o dano. As sanções penais são: multa; detenção de 10 dias a 6 meses; perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até 3 anos.

Além de ser tríplice a responsabilização do agente, as sanções penais no caso de abuso de autoridade podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.

Estabelece a lei, ainda, que se o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória de não poder o acusado exercer função de natureza policial ou militar no município da culpa por prazo de 1 a 5 anos.

A lei estabelece, outrossim, a instauração de um processo administrativo, no âmbito interno da Administração, para a apuração da responsabilidade do agente. Assim, a autoridade civil ou militar competente, ao receber a representação em que for solicitada a aplicação de sanção administrativa a quem praticou abuso de autoridade, deverá determinar a instauração de “inquérito administrativo” para apurar o fato. Esse inquérito seguirá o rito fixado na legislação própria de cada carreira ou, inexistindo normas próprias, as normas fixadas pelo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. Visa o processo administrativo a aplicação de uma das sanções previstas no art. 6º, § 1º, da lei. O processo administrativo não poderá ser sobrestado para o fim de aguardar a decisão da ação penal ou civil, demonstrando o legislador, com essa disposição, o intuito de ver a célere resolução da questão na esfera administrativa. Inclusive, há evidente independência entre as esferas administrativa, civil e penal.

No que se refere ao procedimento penal estabelecido para a apuração do crime, com a vigência da Lei n. 11.313, de 28 de junho de 2006, que deu nova redação aos arts. 60 e 61 da Lei n. 9.099/95, restou definitivamente pacificado o entendimento de que o rito do Juizado Especial Criminal aplica-se aos crimes de abuso de autoridade.

Com relação à competência, aos crimes de abuso de autoridade aplicam-se as regras gerais estabelecidas nos arts. 69 e seguintes do Código de Processo Penal.

Ainda que praticado por militar, compete à Justiça Comum o processo e julgamento dos crimes de abuso de autoridade. Nesse sentido a Súmula 172 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”.

Portanto, deve ser valorizado esse importante diploma legislativo pátrio, como forma de conter o arbítrio do Estado, responsabilizando-se triplamente os agentes que, no exercício de suas relevantes funções, cometerem abusos de autoridade.


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