O conceito de funcionário público para efeitos penais – Por Ricardo Antonio Andreucci

03/11/2016

De acordo com o disposto no art. 327, “caput”, do Código Penal, “considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.

Infere-se desse dispositivo que o elemento caracterizador da figura do funcionário público pode ser a titularidade de um cargo público, criado por lei, com especificação própria, em número determinado e pago pelo Estado; a investidura em emprego público, para serviço temporário; e também o exercício de uma função pública, que é o conjunto de atribuições que a Administração Pública confere a cada categoria profissional.

Assim, por exemplo, jurado é considerado funcionário público para os efeitos penais. Nesse sentido, inclusive, o disposto no art. 445 do CPP: “Art. 445. O jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados”. Também o mesário eleitoral exerce função pública, sendo considerado funcionário público para os efeitos penais. Advogado dativo é considerado funcionário público para os efeitos penais. Estagiário concursado exerce cargo e, portanto, é considerado funcionário público para os efeitos penais. Estagiário informal ou voluntário, estando na repartição pública, exerce função pública, daí por que é considerado funcionário público para os efeitos penais.

Já os tutores e curadores não são considerados funcionários públicos para os efeitos penais. O inventariante judicial não é considerado funcionário público para os efeitos penais.

Não devem ser os crimes funcionais confundidos com crimes de responsabilidade, que são, a rigor, infrações político-administrativas (Lei n. 1.079/50).

Outrossim, o Código de Processo Penal, nos arts. 513 e seguintes, cuida do procedimento dos crimes praticados por funcionário público, prevendo, nos afiançáveis, o oferecimento de defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia ou queixa. Essa prerrogativa não se aplica ao particular coautor ou partícipe do funcionário público.

Distinguem-se, ainda, os crimes funcionais próprios dos crimes funcionais impróprios.

Crimes funcionais próprios são aqueles em que, faltando a qualidade de funcionário público do agente, o fato se torna atípico, não encontrando adequação a outro crime. A falta da qualidade de funcionário público do agente acarreta a atipicidade absoluta do fato. Exemplo: prevaricação (art. 319 do CP — faltando a qualidade de funcionário público ao agente, o fato se torna atípico). Outros exemplos: corrupção passiva (art. 317 do CP); condescendência criminosa (art. 320 do CP).

Crimes funcionais impróprios são aqueles em que, faltando a qualidade de funcionário público do agente, o fato não se torna atípico, encontrando adequação em outro tipo penal. O fato deixa de configurar crime funcional, passando à categoria de crime comum. A falta da qualidade de funcionário público do agente acarreta a atipicidade relativa do fato. Exemplo: peculato — faltando a qualidade de funcionário público do agente, o fato pode ser caracterizado como apropriação indébita ou como furto.

Com relação ao concurso de pessoas, o particular que atua em coautoria ou participação com o funcionário público na prática do crime funcional também responde por esse delito, desde que conheça a qualidade funcional de seu comparsa. Nesse caso, a qualidade de funcionário público constitui elementar do crime funcional, integrando a figura típica, comunicando-se ao particular, coautor ou partícipe, que dela tenha conhecimento.

Apenas para nota, a Lei n. 12.846/2013 dispôs sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Segundo o que dispõe o § 1.º do art. 327 do Código Penal, “equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”.

Entidade paraestatal, segundo conceito largamente difundido na doutrina, é a pessoa jurídica de direito privado, criada por lei, de patrimônio público ou misto, com a finalidade de concretização de atividades, obras e serviços de interesse social, sob disciplina e controle do Estado.

Não se confundem as paraestatais com as autarquias, que são pessoas jurídicas de direito público, criadas por lei específica (art. 37, XIX, da CF), titulares de patrimônio próprio, realizando atividades típicas do Estado, de maneira descentralizada. Os funcionários de autarquias são funcionários públicos.

São espécies de entidades paraestatais as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações instituídas pelo Poder Público e os serviços sociais autônomos (entidades criadas com a finalidade de desenvolver atividades vinculadas a determinados segmentos empresariais; exemplos: Senai e Sesi (vinculados às atividades industriais), Senac e Sesc (vinculados às atividades empresariais do comércio), Senat e Sest (vinculados às atividades de transporte), Senar (vinculado às atividades rurais), Sebrae (vinculado ao desenvolvimento e atividades empresariais) e Sescoop (vinculados às atividades cooperativistas) etc.). Portanto, seus funcionários ou empregados são considerados funcionários públicos por equiparação.

Há quem sustente que as entidades paraestatais não se incluem na Administração Direta e nem na Administração Indireta, podendo ser classificadas em ordens e conselhos profissionais, serviços sociais autônomos, organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP). Nesse aspecto, integrariam a Administração Indireta as autarquias (INSS, ANATEL etc.), as empresas públicas (Caixa Econômica Federal, SERPRO — Serviço Federal de Processamento de Dados, EMBRAPA — Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, ECT — Empresa de Correios e Telégrafos etc.), as sociedades de economia mista (Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Eletrobras, Petrobras etc.) e as fundações públicas.

Incluem-se, ainda, no conceito de funcionário público por equiparação, os empregados de empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos. A Lei n. 8.987/95, no art. 2.º, II, define concessão de serviço público como a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. O mesmo artigo, no inciso IV, define permissão de serviço público como sendo a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. Inclusive, o art. 4.º da citada lei estabelece que a concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será formalizada mediante contrato, que deverá observar os termos desta Lei, das normas pertinentes e do edital de licitação. Portanto, a empresa concessionária será contratada pela Administração.

No caso de funcionário de empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada com a Administração, a atividade por ela exercida deve ser típica da Administração Pública, ou seja, atividade que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime total ou parcialmente público. Ex.: empresas de coleta de lixo, de energia elétrica e de iluminação pública, de serviços médicos e hospitalares, de telefonia, de transporte, de segurança etc.

De acordo com o disposto no § 2.º do art. 327 do Código Penal, “a pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação insti­tuída pelo poder público”.

Por fim, o conceito de funcionário público para os efeitos penais aplica-se também no caso de crimes praticados por particular contra a Administração em geral.

Entretanto, somente pode ser considerado funcionário público para figurar no pólo passivo dos crimes praticados por particular contra a Administração (p. ex., resistência, desobediência, desacato etc.) aqueles que se enquadrem no conceito do art. 327, “caput”, do Código Penal, excluindo-se a categoria de funcionário público por equiparação (§ 1.º).

Portanto, não pode ser vítima de desacato, por exemplo, aquele que exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, nem tampouco aquele que trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.


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