O beco sem saída: o que ainda funciona neste país?

08/03/2016

Por Tiago Gagliano Pinto Alberto - 08/03/2016

Olá a todos!!!

“Chega de jogar confete, de botar enfeite, achar desculpas; é guerra, é dente por dente, e rasga somente carne crua”. A bela estrofe da canção “Axé Acappella”, de autoria de Dani Black e Luisa Maita[1] representa bem o momento atual no Brasil.

Em meio a investigação dos Presidentes da Câmara e Senado, pedido de afastamento daquele juntamente com recebimento de denúncia em seu desfavor assacada, condução coercitiva de ex-Presidente da República, pedido de impeachment da atual Presidente, suspensão judicial de nomeação do Ministro de Estado da Justiça, pauta no Congresso travada por possível represália contra ações levadas a cabo pela Justiça, Ministério Público Federal e Polícia Federal, discussões políticas em torno de assuntos técnico-econômicos, corrupções em ambientes políticos e empresariais gerando a prisão de Executivos ligados direta ou indiretamente ao Governo, afirmações de que a imprensa está mancomunada com o Poder Judiciário com o objetivo de condenar figurões políticos, entre outras situações que pululam no dia-a-dia do noticiário que pouco a pouco mais parece estar tomando o vulto de sangrentas páginas policiais, pergunta-se: o que ainda se faz nesse país?

Ao que parece, não temos pauta política, senão aquele voltada aos interesses pessoais e institucionais; não temos mais economia funcionando por si só, mas atrelada aos acontecimentos políticos (observe-se a queda do dólar e o aumento das cotações em bolsa verificadas com a condução coercitiva do ex-Presidente Lula para depor na Polícia Federal); discussões jurídicas estão centradas na atuação do juiz Moro e as suas repercussões na vida dos investigados; a sociedade, rachada entre os pró Lula e Dilma e os desfavoráveis, articula-se somente para agendar passeatas e movimentos revoltosos contra e a favor de seus ícones políticos; a atenção ao Judiciário passou a se centrar em dois assuntos apenas: i) remuneração dos juízes; ii) Laja-jato.

Enfim, são tantas as movimentações que nada se movimenta. Nem me lembro da última vez em que foi noticiado um julgamento de repercussão social tão somente pelo tema analisado no Supremo Tribunal Federal, como, por exemplo, pesquisa com células-tronco embrionárias, cotas em Universidades Públicas e concursos públicos, anencefalia, entre outras. Também pouco se fala sobre o que poderá ser julgado em 2016 e que possui impacto social para além da política que ora se pratica neste país: regularização da desaposentação no regime previdenciário (RE 661256), autonomia de membros do Ministério Público Federal (ADI 5052), inconstitucionalidade da lei anticorrupção (ADI 5261), reforma do quociente eleitoral (ADI 5420), possibilidade de cumprimento de pena em regime aberto quando não houver vaga em estabelecimento prisional adequado (RE 641320), direito a diferenças de correção monetária de depósitos em caderneta de poupança em razão de alegados expurgos inflacionários decorrentes dos planos monetários que se sucederam desde 1986: Cruzado; Bresser e Verão, Collor I e Collor II, possibilidade de ensino religioso vinculado a uma religião específica, em escolas públicas, possibilidade do uso de depósitos judiciais para o custeio de despesas públicas, constitucionalidade do novo Código Florestal (Lei nº. 12.651/12), conclusão da questão afeta à constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo próprio etc.

No Legislativo (indistintamente, Câmara e Senado), aguardam apreciação, entre outras questões: Estatuto da Família (PL 6583/2013), que determina que a família é formada exclusivamente por homens e mulheres e exclui, portanto, casais LGBTs desse conceito; PEC 171/1993, que reduz a maioridade penal para 16 (dezesseis) anos, PLS 131/2015, que altera participação da Petrobrás na exploração do pré-sal, PLS 555/2015, que permite a venda e participação do capital privado em empresas estatais como Correios e Caixa Econômica, PLS 432/2013, que altera o conceito de trabalho escravo, PEC 18/2011, que autoriza o trabalho de regime parcial a partir dos 14 anos[2].

No Executivo, conquanto exista uma pulverização maior de matérias, é possível visualizar as dificuldades na apreciação de matérias importantes no Parlamento, entre as quais 20 (vinte) medidas provisórias que aguardam análise (MP 689, MP 692, MP 693, MP 694, MP 695, MP 696, MP 698, MP 699, MP 700, MP 701, MP 702, MP 703, MP 704, MP 705, MP 706, MP 707, MP 708, MP 709, MP 710 e MP 711)[3], ademais de diversos vetos na mesma condição[4]. Por igual, enquanto não se conclui no Poder Judiciário o julgamento de matérias que repercutem economicamente como, por exemplo, a questão afeta à recomposição de perdas decorrentes dos expurgos inflacionários, ou a desaposentação, tampouco poderá a Administração dimensionar as perdas ou ganhos que advirão das consequências do Julgado no âmbito econômico.

Agora sejamos sinceros: diante deste panorama, o que ainda está funcionando nesse país? Não falo do dia-a-dia da Administração Pública burocrática, das pautas intersubjetivas do Poder Judiciário, ou dos projetos de leis de interesses locais, ou regionais. Digo no âmbito nacional, da “alta” política e Administração. Estamos em uma guerra de todos contra todos; algo como “dente por dente”, ou, sendo mais claro, uma política de vendetta, em que todos brigam contra todos e nada se resolve, com o Judiciário no meio, tentando dizer o que é certo e quem está adotando postura correta.

Não há mais espaço para teorizações, ou discussões infindas. É preciso resolver as situações pendentes: prenda-se quem tiver que ser preso; afaste-se quem tiver que ser afastado; e condene-se quem tiver que ser condenado. Mas, retomemos a agenda pública importante para o país! Do contrário, afundaremos cada vez mais na nossa própria lama, cheirando o nosso próprio esgoto e, alimentando-nos de ódio e revanche a cada momento, chegaremos a um ponto em que para reverter a situação demandaremos muitos e muitos anos de agenda positiva, comunicações institucionais decentes, eficazes e efetivas, ademais de bons resultados econômicos e políticos.

Olhando para o cenário atual, isso parece possível? Não creio. É difícil acreditar e principalmente assumir, mas parece que não conseguimos eliminar o asco de nós mesmos, defenestrar o nosso lixo, ou repelir a nossa ignorância institucional. Parece que o limite de tolerância ao ruim excedeu o nível mais proeminente: as coisas andam péssimas e, inacreditavelmente, trabalha-se para piorar ainda mais.

Não defendo bandeira política, ou pretendo fazer apologia a qualquer figura pública, seja do lado da lei, seja nem tanto; apenas peço que voltemos a olhar o país como país. Façamos a máquina funcionar! Ou: “Enquanto o homem não acorda, idiota! Nem nota! Se enforca com a corda da própria tensão”, terminaremos no máximo com um Axé Acappella, esperando não mais do que um vislumbre de paz, justiça e, no fim do túnel, bem lá no finzinho mesmo, democracia...

Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!


Notas e Referências:

[1] Letra disponível em http://www.vagalume.com.br/maria-gadu/axe-acappella.html. Acesso em 07 de mar. de 2016.

[2] Informações obtidas em http://www.vidabancaria.com.br/brasil/noticia/12/1/2016/congresso-volta-a-ativa-em-fevereiro-com-projetos-que-atacam-direitos-e-a-democracia. Acesso em 07 de mar. de 2016.

[3] Informações obtidas em http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/01/27/as-medidas-provisorias-que-aguardam-a-analise-dos-parlamentares. Acesso em 07 de mar. de 2016.

[4] Informações obtidas em http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=22504:congresso-nacional-deve-apreciar-vetos-presidenciais-diz-renan-calheiros&catid=58&Itemid=362. Acesso em 07 de mar. de 2016.


thiago galiano

Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.


Imagem Ilustrativa do Post: Alley // Foto de: Ben Watts // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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