O ASSÉDIO MORAL COMO INFRAÇÃO DISCIPLINAR NO ESTATUTO DA ADVOCACIA E A NOVA LEI 14.612/23

13/07/2023

Foi sancionada e publicada no DOU no dia 04.07.2023 a Lei n. 14.612, que altera a Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), para incluir o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação entre as infrações ético-disciplinares no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil.

A nova Lei n. 14.612/23 define assédio moral como a conduta praticada no exercício profissional ou em razão dele, por meio da repetição deliberada de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, o advogado ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluí-los das suas funções ou de desestabilizá-los emocionalmente, deteriorando o ambiente profissional.

Já o assédio sexual é definido como a conduta de conotação sexual praticada no exercício profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual.

Por seu turno, a discriminação é definida como a conduta comissiva ou omissiva que dispense tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, em razão de sua deficiência, pertença a determinada raça, cor ou sexo, procedência nacional ou regional, origem étnica, condição de gestante, lactante ou nutriz, faixa etária, religião ou outro fator.

No âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a inclusão do assédio moral entre as infrações ético-disciplinares veio em muito boa hora.

Nas relações profissionais e nas relações de trabalho em geral, o que se tem verificado é que o assédio moral é capaz de resultados mais devastadores que a guerra e que a violência que assola o cotidiano das grandes cidades.

Conforme já tivemos oportunidade de ressaltar em outros artigos veiculados nesta coluna, o assédio moral é capaz de destruir um ser humano sem que haja uma gota de sangue sequer e sem qualquer gesto brutal contra ele, utilizando apenas o que se convencionou chamar de “violência invisível”, aniquilando moral e psiquicamente suas vítimas.

Essa “violência invisível”, devastadora, perversa e aparentemente insignificante se desenvolve através de gestos, palavras, ações ou omissões que instituem um processo que pode ter lugar na família, nas relações entre casais, nos escritórios de advocacia, nas empresas privadas e, inclusive, no serviço público, traduzindo mesquinho mecanismo de manipulação doentia, deixando a vítima incapaz de reagir e de perceber o alcance da destruição que a atinge.

Mais especificamente tratando das relações de trabalho públicas (serviço público) e privadas, Marie-France Hirigoyen (“Assédio Moral: A violência perversa do cotidiano”. 5ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2002. p. 65) define o assédio moral como “toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.”

O desgaste psicológico causado pelo assédio moral vem sendo estudado no mundo inteiro, sendo a Suécia, a Alemanha, os Estados Unidos, a Itália e a Austrália países pioneiros nesse campo, principalmente na área trabalhista, onde se traduz numa verdadeira “guerra psicológica no local de trabalho”, caracterizada pelo “abuso de poder” e pela “manipulação perversa”.

Isso porque a vítima, que se torna alvo por resistir à autoridade e não deixar-se subjugar pelo autoritarismo do chefe, é sempre atacada, ultrajada, submetida a manobras hostis e degradantes no ambiente de trabalho, sendo que qualquer coisa que faça ou qualquer iniciativa que tome é voltada contra ela pelo agente perseguidor, geralmente o superior hierárquico - o chefe, levando-a a uma total confusão, que pode desencadear frustração, humilhação e depressão, e, em casos mais extremados, culminar em respostas fisiológicas (úlceras de estômago e duodeno, doenças de pele, doenças cardiovasculares, tonturas, emagrecimento etc) e comportamentais (crises de nervos, ansiedade, apatia, desinteresse pelo trabalho, desgosto), evoluindo para o suicídio ou tentativa de suicídio.

No caso da nova Lei n. 14.612/23, as vítimas podem ser “o estagiário, o advogado ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços”.

O ponto de partida do assédio moral, segundo leciona Marie-France Hirigoyen (ob. cit.), é o abuso de poder (superior hierárquico que esmaga seus subordinados com seu poder), “meio de um pequeno chefe valorizar-se”, evoluindo para as “manobras perversas” até a fase de destruição moral (psicoterror), que pode, inclusive, ter a conivência da empresa (ou do serviço público), que nada faz. Recusar a comunicação direta, mentir, manejar o sarcasmo, o desprezo, o cinismo, usar o paradoxo, desqualificar e impor o próprio poder são meios através dos quais o agressor (portador de traços narcísicos de personalidade – egocentrismo, necessidade de ser admirado, intolerância à crítica) desenvolve a “comunicação perversa”.

Alberto Eiguer (“Le Pervers narcissique et son complice”. Paris: Dunod. 1996) definiu os “perversos narcisistas” como “indivíduos que, sob influência de seu grandioso eu, tentam criar um laço com um segundo indivíduo, dirigindo seu ataque particularmente à integridade narcísica do outro, a fim de desarmá-lo.”

Otto Kernberg (“A personalidade narcisista”. In “Borderline Conditions and Pathological Narcissism”. New York. 1975), por seu turno, descreveu a patologia narcísica da seguinte forma: “As principais características dessas personalidades narcísicas são um sentimento de grandeza, um egocentrismo extremado e uma total falta de empatia pelos outros, embora sejam eles próprios ávidos de obter admiração e aprovação. Esses pacientes sentem uma intensa inveja daqueles que parecem possuir coisas que eles não têm, ou que simplesmente têm prazer com a própria vida.”

Os perversos narcisistas, portanto, como agentes do assédio moral, são indivíduos megalômanos, que enganam exibindo seus irrepreensíveis valores morais, invejando a vida que o outro tem. Apresentam-se como moralistas, dando lições de probidade aos outros, mas padecem de hipertrofia do ego e psico-rigidez, como forma de defesa contra a desintegração psíquica.

Portanto, como forma de violência psicológica, o assédio moral no ambiente de trabalho pode ser prejudicial à saúde mental e física do trabalhador, levando a consequências graves como estresse, ansiedade, depressão e até mesmo doenças físicas, como problemas cardíacos e gastrointestinais, podendo chegar, em casos mais extremos, ao suicídio.

No campo legislativo, é bom que se diga, existem poucas previsões administrativas do assédio moral nas relações de trabalho envolvendo, inclusive, o serviço público. Na esfera federal, tipificando o assédio moral, já houve projetos de reforma do Código Penal que não prosperaram. Daí porque é louvável a iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil.

Mas, infelizmente, não há, no Brasil, o crime de assédio moral, sendo necessário que se utilize, por vezes, outras figuras típicas, como constrangimento ilegal (art. 146 do CP), perseguição (art. 147-A do CP), violência psicológica contra a mulher (art. 147-B do CP), injúria (art. 140 do CP), dentre outras, para punir o assediador, porém sem muito sucesso.

Não obstante a ausência de criminalização específica, as empresas privadas e públicas, escritórios de advocacia, repartições públicas em geral e demais instituições (Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias Civis e Militares, Polícia Federal, Procuradorias, Defensoria Pública etc) devem adotar medidas preventivas para coibir o assédio moral, tais como o estabelecimento de políticas claras de comportamento no ambiente de trabalho, treinamento para gestores e colaboradores sobre o tema, e canais de denúncia para que os trabalhadores, funcionários e demais colaboradores possam reportar o comportamento abusivo sem sofrer represálias.

 

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