O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E A AUTONOMIA PRIVADA  

13/10/2020

Coluna Direito Negocial em Debate / Coordenador Rennan Mustafá

Em vigor desde o começo do ano de 2020, a Lei 13.964/19 (comumente conhecida como Lei Anticrime) visando aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, promoveu importantes alterações no sistema de justiça criminal mediante a inserção e veto de dispositivos no Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos, Lei de Interceptação Telefônica dentre outros diplomas legais.

Nessa perspectiva, destaca-se o acordo de não persecução penal, que amplia o debate sobre a justiça negociada, em respeito a questões de ordem político-criminal, mitigando o princípio da obrigatoriedade da ação penal em face ao princípio da eficiência, mediante a constatação de requisitos e condições estabelecidas no artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP).

O caput do artigo 28-A, do CPP, dispõe que "não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente".

Todavia, primeiramente deve ser destacada a superação da falta de previsão legal, pois o acordo de não persecução penal se apresenta como uma novidade na legislação processual penal, muito embora já houvesse sua estipulação pelo Conselho Nacional do Ministério Público por meio das Resoluções no 181/2017 e 183/2018.

O instituto em analise, por vários motivos, já vinha sendo cogitado e ate mesmo aplicado com roupagem diferente pelos sujeitos do processo na praxe. Mas a falta de lei gerava insegurança jurídica e discussões das mais variadas, a respeito da não obrigatoriedade do acordo, de modo que sua introdução encerra o polêmico importante debate sobre o uso do instituto, pois, passa a fazer parte do Código de Processo Penal e, por corolário, a ter aplicação cogente.

Segundo o caput do artigo 28-A, são requisitos do acordo de não persecução penal: confissão formal e circunstanciada; crime sem grave ameaça ou violência; pena mínima inferior a quatro anos; necessidade e suficiência para reprovação do crime.

Com exceção dos requisitos da confissão e da necessidade e suficiência para a reprovação, os demais requisitos são de ordem objetiva. Com isto, o que o legislador deixa claro é que a concretização deste instituto pressupõe voluntariedade de ambas as partes.

Nesse sentido, observa-se que cada vez mais está sendo privilegiado a autonomia privada, mesmo na seara penal. No entanto, segundo Aury Lopes Junior, “a negociação no processo penal é sempre sensível, pois representa um afastamento do Estado-juiz das relações sociais”[1], podendo torna-la instrumento de pressão “capaz de gerar autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança”[2].

Assim, é imprescindível que a vontade do acusado em realizar o acordo seja livre, consciente e voluntária. Para isso, de acordo com os ensinamentos de Aury Lopes Junior, “precisamos ampliar o espaço de consenso e os mecanismos de negociação da pena, através de lei clara e com limites demarcados (legalidade), que sirva para desafogar e agilizar a justiça criminal, mas sem representar a negação de jurisdição e das garantias processuais constitucionais”[3], com o objetivo de se estabelecer espaços de consenso que assegurem os direitos fundamentais e realizem os objetivos de celeridade e eficiência[4].

Nos moldes como foi estipulado o instituto em analise, após o cumprimento dos requisitos acima, é necessário que não estejam presentes determinas situações elencadas nos incisos do § 2º. É o caso do cabimento de transação penal prevista para os crimes da competência do juizado especial criminal (I), os crimes da competência da lei 11.340 (Lei Maria da Penha - IV), quando o agente for reincidente ou há elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual (II) e quando o agente já foi beneficiado com acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo, cinco anos antes de cometer o crime (III).

Desse modo, presente alguma dessas hipóteses, não se aplica o acordo de não persecução penal. Por isso são chamadas de situações excludentes, de vedações legais ou, como parte da doutrina prefere, de requisitos negativos.

Cumprido os requisitos acima, é possível então passar as condições do acordo (o conteúdo do acordo) que segundo os incisos I a V do artigo 28-A são: reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução; pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito e cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Do ponto de vista interpretativo, é necessário deixar claro que o legislador estabeleceu que estas condições poderão ser tanto cumuladas como alternadas. O que significa dizer que no âmbito da estipulação do acordo de não persecução penal, o estipulador (Ministério Público) poderá fixar todas as condições de uma só voz, ou algumas delas.

Assim, ao olhar para o agora positivado acordo de não persecução penal, apesar dos contornos que ganhou, enxerga-se uma promoção e ampliação do Direito Negocial no Direito Penal por meio da chamada justiça negociada, onde a autonomia da vontade passar a ganhar maior relevância.

 

Notas e Referências

[1] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1238.

[2] Ibidem, p. 1240.

[3] Ibidem, p. 1242.

[4] FERNANDES, Beatriz Scherpinski; ROCHA, Claudia da; MUSTAFA, Rennan Herbert. Justiça negocial: a nova realidade do processo penal brasileiro. Empório do Direito. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/justica-negocial-a-nova-realidade-do-processo-penal-brasileiro

 

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