Mulher condenada por tráfico de drogas tem direito a indulto de Dia das Mães

06/07/2017

Por Redação - 06/07/2017

O Juiz titular da 3ª Vara Criminal da Comarca de Joinville (SC), Dr. João Marcos Buch, concedeu nesta semana indulto de Dia das Mães - Decreto Presidencial de 12 de abril de 2017 - a uma mulher condenada pelo crime de tráfico de drogas.

De acordo com decisão exarada nos autos do Processo de Execução Penal n. 0006627-38.2015.8.24.0038, o Ministério Público alegou que a Lei n. 8.072/90 veda a concessão de indulto aos condenados por crimes hediondos ou equiparados. Conduto, o magistrado observou que a "Constituição Federal, no artigo 5º, XLIII, proíbe anistia ou graça a condenados por crimes hediondos, mas não restringe a concessão de indulto a esses casos. Dessa maneira, cabe ao presidente da República estabelecer as condições para a obtenção de tal benefício".

"Como a Constituição autoriza que o presidente conceda indulto, mas não fixa restrição a esse benefício se o condenado tiver cometido crime equiparado a hediondo, a lei ordinária não pode proibir a prática nesses casos. Ou seja, a edição do Decreto pelo Presidente da República se dá com fundamento na Constituição Federal, não podendo o Poder Legislativo interferir na discricionariedade do Chefe do Poder Executivo", afirmou Buch.

Leia o inteiro teor da decisão: 

Autos n° 0006627-38.2015.8.24.0038

Ação: Execução da Pena/PROC

Detenta:  A.M.G.

VISTOS... Urgente.

Trata-se de pedido de indulto sob a égide do Decreto Presidencial de 12 de abril de 2017, formulado pela Defensoria Pública, que prevê indulto e comutação por ocasião do Dia das Mães em favor da reeducanda A.M.G. (fls.202-4).

O Ministério Público se manifestou pelo indeferimento do indulto, porque não comprovada a condição de mãe e porque a lei n. 8.072/90 veda a concessão de indulto aos condenados por crimes hediondos ou equiparados (fls.198-9).

A Defensoria Pública disse que a reeducanda atingiu todos os requisitos do Decreto Presidencial referido.

É o relatório. Decido.

O Presidente da República, no uso de sua atribuição conferida pela Constituição Federal, promulgou decreto concedendo indulto e comutação às mulheres presas, sejam ou não mães (Decreto de 12 de abril de 2017). Em sua análise, observa-se que deixou de vedar o benefício aos crimes equiparados a hediondo.

É sabido que o art. 2º, inciso I, da Lei dos crimes hediondos veda o indulto para crimes hediondos ou equiparados.

Todavia, referida norma, expedida pelo Poder Legislativo, não pode invadir a competência privativa do Chefe do Poder Executivo Federal, como se explicará adiante.

O indulto é ato privativo do Presidente da República, editado à vista das prerrogativas constitucionais previstas no art. 84, inciso XII, da Constituição Federal.

Outrossim, a Constituição Federal, no artigo 5º, XLIII, proíbe anistia ou graça a condenados por crimes hediondos, mas não restringe a concessão de indulto a esses casos. Dessa maneira, cabe ao presidente da República estabelecer as condições para a obtenção de tal benefício.

Por seu turno, o art. 2º, da Constituição Federal, estabelece o princípio da separação dos poderes. Assim, o Poder Legislativo não pode interferir na incumbência do Presidente da República (Poder Executivo) de dispor sobre decreto de indulto, o que extrapolaria as fronteiras do esquema de freios e contrapesos.

Conforme já definido, o indulto é uma clemência do estado que encontra óbice apenas nos casos estipulados no inciso XLIII, do art. 5º da Constituição Federal. Fora desta situação, tratando-se de ato discricionário do Presidente da República, cabe a ele a definição da extensão do benefício, podendo, inclusive, por exemplo, indultar todos os crimes em que a condenação seja de até 1 ano de reclusão.

Como a Constituição autoriza que o presidente conceda indulto, mas não fixa restrição a esse benefício se o condenado tiver cometido crime equiparado a hediondo, a lei ordinária não pode proibir a prática nesses casos.

Ou seja, a edição do Decreto pelo Presidente da República se dá com fundamento na Constituição Federal, não podendo o Poder Legislativo interferir na discricionariedade do Chefe do Poder Executivo.

Registre-se que os Decretos Presidenciais de indulto sempre traziam vedação expressa para crimes hediondos ou equiparados. Porém, a norma de 12 de abril de 2017 não trouxe tal vedação, demonstrando que efetivamente pretendeu alcançar as mulheres e mães de uma forma mais ampla.

Em outras palavras, o Decreto em tela, ao excluir a vedação aos crimes de tráfico de drogas, conjugou silêncio eloquente, uma vez que os Decretos de indulto anuais anteriores frequentemente traziam tal proibição. Pretendeu assim conferir indulto às condenadas por crimes equiparados a hediondo, afastando a aplicação do art. 2º, inciso I, da lei n.8.072/90.

O que o decreto proibiu foi o indulto às mulheres que praticaram crimes mediante violência ou grave ameaça.

E ainda, o próprio Decreto de 12 de abril de 2017 prevê expressamente, para mulheres que não são mães, o indulto para a condenada por infração ao art. 33, §4º, da lei n. 11.343/06, desde que cumpra fração reduzida da pena (1/6), ao passo que para os demais delitos, sem violência ou grave ameaça, onde se inclui o art. 33, caput, a fração é de 1/4 (primária) ou 1/3 (reincidente).

Em outras palavras, o Decreto pretendeu abarcar as condenações por tráfico da lei n. 11.343/06, pois previu expressamente fração mais benéfica para o chamado "tráfico privilegiado", além de não vedar o benefício para os demais delitos da referida lei.

Dito isto, observe-se que o art. 1º, inciso III, alínea \'a\', assim dispõe: "- se enquadrem, no mínimo, em uma das seguintes hipóteses: a) mães condenadas à pena privativa de liberdade por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, que possuam filhos, nascidos ou não dentro do sistema penitenciário brasileiro, de até doze anos de idade ou de qualquer idade se pessoa com deficiência, nos termos da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência, que comprovadamente necessite de seus cuidados, desde que cumprido um sexto da pena".

No caso em tela, observa-se que a reeducanda não exercia papel de liderança nas atividades do tráfico, tampouco exerceu violência ou grave ameaça.

A informação do Presídio Regional de Joinville de que a reeducanda é mãe de criança de 3 anos deve ser acolhida, sendo a exigência de certidão de nascimento mera formalidade (fls.205-10).

A pena aplicada é de 5 anos e 6 meses de reclusão, por infração ao art. 33, da lei n.11.343/06. Um sexto (1/6) da pena corresponde a 11 meses.

Desde a prisão em 13.01.2015 cumpriu 2 anos, 5 meses e 17 dias, o que somado aos 116 dias de remição (fl.176), totaliza 2 anos, 9 meses e 13 dias, atendendo ao requisito objetivo.

Além do mais, não está respondendo ou foi condenada por crime cometido com violência ou grave ameaça (inciso I), tampouco foi punida com a prática de falta grave (inciso II), satisfazendo o requisito subjetivo.

EX POSITIS:

Com base no art. 5º, inciso XLIII, c/c art. 84, inciso XII, c/c art. 2º (princípio da separação dos poderes – sistema de freios e contrapesos), todos da Constituição Federal, tratando-se de ato discricionário do Presidente da República, bem como art. 1º, incisos I, II e III, alínea \'a\', do Decreto Presidencial de 12 de abril de 2017, DEFIRO o INDULTO em favor da reeducanda A.M.G., em consequência, com base no art. 192 da LEP e art. 107, inciso II, do CP, DECLARO EXTINTA A PENA irrogada na ação penal  n. 0000450-58.2015.8.24.0038 da 2ª Vara Criminal.

Expeça-se o alvará de soltura, se por al não estiver presa.

Sem custas. Intimem-se, inclusive o Ministério Público e diligencie-se na forma de praxe.

Transitada em julgado, oficie-se ao(s) Juízo(s) da ação penal, e arquive-se, tudo na forma do disposto na Orientação da CGJ/SC n.55, de 19.05.2015.

Joinville (SC), 04 de julho de 2017.

João Marcos Buch

Juiz de Direito

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Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina


Imagem Ilustrativa do Post: Cell Shadows // Foto de: Justin Gurbisz // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jgurbisz/2729433201 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
 

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