Mudar o personagem é tão importante quanto mudar a lei: O juiz pós - reforma processual chilena, um modelo para o Brasil

19/08/2016

Por Vinícius Ferraz de Andrade Simões - 19/08/2016

A reforma do Código de Processo Penal, no Brasil, já não é novidade há algum tempo, embora pouco se tem desvendado, nas Academias, o resultante de uma eventual reforma na estrutura codificada.

Ocorre que, o cenário alojado na realidade, mostra-se cinzento, para uma reforma efetiva. Uma transição de modelos processuais de inquisitório (vigente, com pingos acusatórios) para o acusatório efetivo e estruturado, parece distante, face à luta diuturna dos principais difusores ideológicos de segregar os bons dos maus. Defender direitos, mormente os Fundamentais, parece exercício de bruxaria, pois os estigmas vêm de todos os lados. Esta realidade, não se mostra algo novo! Soma-se, ainda, a existência de juízes que viram as costas para a Lei, para a Constituição Federal e todos os Tratados Internacionais, que buscam garantir um mínimo ético-civilizatório, para o Processo Penal.

A construção de um modelo acusatório essencial depende, impreterivelmente, que o processo se funde na oralidade, pois o protagonismo das partes é pressuposto de um sistema com esse cariz de respeito aos direitos do acusado. Além disso, o Juiz deve ser o verdadeiro filtro das garantias de todas as ações que recaem sobre o sujeito investigado ou processado. Verdadeiramente, o Brasil se distancia (e muito!) desses pilares, pois o nosso sistema processual é esquizofrênico, à medida que tem uma Constituição que funda um Processo Penal de garantias ao acusado, estruturando um sistema acusatório, com a carga probatória essencial para a punição de um sujeito entre o ônus inteiramente do acusador e, de outro lado, um Código de Processo Penal que se edificou com base em uma estrutura fascista, no qual o juiz pode, mesmo antes de iniciada a ação penal e de ofício, ordenar a produção de provas (Jurisdição sem Ação?). Este é apenas um dos problemas!

Neste sentido, o que se esperar de um juiz filho do sistema inquisitório, com permissões para a produção de provas (mesmo antes de deflagrada a atividade jurisdicional), restrições inimagináveis ao acesso da defesa às provas (muitas vezes criados por meios ilegítimos), sem contar as restrições à comunicabilidade dos acusados e cláusulas abertas para a autorização de medidas constritivas de liberdade? Certamente, a resposta não pode ensaiar um exercício de esperança. Se o juiz tem a sua razão de ser fixada, na preservação de direitos, um juiz advindo desta estrutura buscará, por todos meios hermenêuticos, flagelar a lei que eventualmente restringir a sua atuação à sua própria razão de ser! Parece óbvio, com a convivência deste regime que deuses não podem descer dos tronos, para sentar-se à mesa dos ímpios. Se este ímpio então for um defensor... Pode ser crime!

Então, qual o destino do juiz fruto desse sistema inquisitório, para, quando confrontado com um modelo acusatório - advindo de uma legítima reforma - não continuar suas práticas, advindas do próprio Código, na Vara que atua? A resposta parece vir, definitivamente, da experiência chilena, com a reforma no seu sistema de justiça criminal. Insta salientar, que lá a legislação era tão inquisitória, como aqui, mas a consciência democrática pós-ditatura fundou um sentimento de controle às atividades do Estado, pois percebeu-se que o excesso de poder causa exagero no atuar! Daí então, os juízes que foram contaminados com a inquisitoriedade de antes, submeteram-se a cursos de reciclagem, adaptando-se ao novo modelo, e todos aqueles que não quiseram seguir este caminho receberam estímulos financeiros para aposentar-se. Uma reforma processual deve ser estruturada como verdadeira política pública.

Mudar personagens é fundamental, para atingir o esperado: novas práticas, interpretação condizente com a Constituição, sem falar do próprio tratamento dispensado ao acusado. A função do juiz é reprimir condutas que esvaziem direitos, indeferir irrazoabilidades, somado a um sistema recursal que controle a atividade deste mesmo juiz, pois o temor de ter a atividade jurisdicional controlada funciona como freio psicológico de insanidades, não raro, hoje, provocadas.

No Brasil, definitivamente, a missão é árdua! Além de perseverar na busca de um Código de Processo Penal, com respeito, em sua integridade, ao prescrito na Constituição da República de 1988, temos de estruturar normas de transição, para em uma realidade acusatória, ambientar os atores judiciários! Estender os olhos aos países vizinhos parece ser uma saída! É preciso aprender e, neste aspecto, é preciso destruir, para construir de forma acertada!


Vinícius Ferraz de Andrade Simões. Vinícius Ferraz de Andrade Simões é Graduando em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Associado ao IBCCRIM.

E-mail: vinniferraz2007@hotmail.com

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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