MICÇÃO EM PÚBLICO E ATO OBSCENO

15/02/2018

Todos os anos, principalmente na época do Carnaval, vem à tona a discussão acerca da criminalização do ato de urinar em público, ou seja, a micção em público.

Para alguns, se trata de um ato natural, puramente fisiológico, sem qualquer consequência no âmbito criminal. Para outros, se trata de ato atentatório ao pudor público, merecendo punição criminal.

Muitos municípios do Brasil, neste Carnaval de 2018, passaram a fiscalizar intensamente a micção em público, reprimindo os foliões mais ousados, aplicando-lhes pesadas multas em caso de “flagrante”.

Centenas de banheiros químicos foram instaladas nos locais de maior concentração de pessoas, principalmente nas áreas de passagem dos blocos carnavalescos, cujos integrantes, hidratando-se com água e cerveja, não raras vezes satisfaziam suas necessidades fisiológicas no meio da rua ou, o que é pior ainda, nos muros e quintais de prédios e casas, conspurcando monumentos históricos e equipamentos públicos de uso comum.

Mas será que a micção em público constitui crime? Em caso positivo, estaria caracterizada a figura típica do ato obsceno, previsto no art. 233 do Código Penal?

O crime de ato obsceno se insere no Título VI do Código Penal, que cuida “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”, ocupando o Capítulo VI, que trata “Do Ultraje Público ao Pudor”. Portanto, o crime de ato obsceno ofende o “pudor público”.

Pudor é o sentimento de vergonha, timidez, mal-estar, causado por qualquer coisa capaz de ferir a decência, a modéstia, a inocência. Alguns defendem a origem grega da palavra (“aidos”), encontrando-se também quem sustente a influência latina do termo (“puditia” – castidade, virtude).

Pudor público, por sua vez, é expressão que apresenta noção variável de acordo com o tempo ou o espaço em que é coligida, daí porque o crime de ato obsceno deve ser analisado tendo em conta a moral sexual vigente em determinada sociedade e em determinada época em que foi praticado.

Ato obsceno, então, é todo ato, real ou simulado, de cunho sexual, que ofenda o pudor público.

O saudoso Nelson Hungria, debruçando-se sobre o assunto, já deixava bem claro que “o juiz penal não pode perder de vista que, ao incriminar o ultraje público ao pudor, o legislador propôs-se a tutelar a ‘moral coletiva’, não segundo um tipo puro ou abstrato, mas como o ‘sentimento’ (aspecto interno) e a conduta (aspecto externo) ‘comuns’ ou ‘normais’ em torno da sexualidade na vida social. A lei protege não só o pudor público, que é o sentimento médio de moralidade sob o ponto de vista sexual (pudicia do ‘homo medius’), como assegura os bons costumes, que dizem com o decoro, conveniência e reserva ‘usuais’, no tocante aos fatos sexuais (conduta ético-social do ‘homo medius’)” (‘Comentários ao Código Penal’, Rio de Janeiro, 1957, vol.8)

É certo que, de acordo com o disposto no art. 233 do Código Penal, o ato obsceno deve ser praticado em local público, ou aberto ou exposto ao público.

Local público é o acessível a um número indeterminado de pessoas. Exemplos: praças, parques, vias públicas, banheiros públicos, estações ferroviárias etc.

Local aberto ao público é o que permite a entrada de pessoas, ainda que o ingresso se dê sob determinadas condições. Exemplos: cinemas, teatros, casas de espetáculo, bares, restaurantes etc.

Local exposto ao público é o devassado, que permite a visão por indeterminado número de pessoas. Exemplos: quintal de uma residência, varanda de uma casa ou apartamento etc.

Como é cediço, o ato de micção, por si, não consubstancia qualquer injusto penal, porquanto decorrente de ato fisiológico natural, salvo, obviamente, os casos em que o agente, a despeito desta necessidade, o faz ostensivamente em lugar público, ou aberto ou exposto ao público, oportunidade em que estará caracterizado o ato obsceno.

É preciso, portanto, separar a conduta daquela pessoa que, vendo-se acometida de insuperável necessidade de urinar e, não encontrando local adequado, o faz na via pública, procurando encobrir seu ato da vista de circunstantes, daquela pessoa que, ostensivamente, com o intuito de ofender o pudor público e demonstrando total desvalor pela moralidade média da sociedade, exibe acintosamente seu órgão sexual e satisfaz sua necessidade urinária em público, mesmo tendo condições de fazê-lo em local apropriado.

No primeiro caso, evidente a atipicidade penal, não incorrendo o agente, a nosso ver, nem mesmo em infração administrativa. No segundo caso, resta evidente a caracterização do ato obsceno, devendo a conduta ser reprimida pelas autoridades públicas, sendo o infrator penalizado administrativa e criminalmente.

 

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