MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA PODE SER APLICADA A ADOLESCENTE INFRATOR

26/07/2018

A questão a ser abordada no presente artigo diz respeito à possibilidade de aplicação de medidas protetivas de urgência à mulher vítima de violência doméstica e familiar praticada por adolescente com quem convive.

Tivemos notícia de caso recente em que um adolescente de avantajado porte físico, usuário de drogas, agrediu violentamente sua genitora, no âmbito doméstico e familiar, havendo o fundado receio de que, persistindo a coabitação, viesse ele a dar cabo da vida da vítima.

Nesse caso, como deve proceder a autoridade policial a quem a ocorrência é apresentada? Poderia a autoridade policial determinar, de imediato, com fundamento na Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha – o afastamento do adolescente agressor do local da coabitação, encaminhando-o a abrigo ou estabelecimento análogo? Em caso negativo, para qual juízo deve a autoridade policial encaminhar o expediente com pedido de concessão de medidas protetivas de urgência, após a oitiva da mulher agredida, da lavratura do boletim de ocorrência, da realização de exame de corpo de delito e da colheita de todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato? Ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou ao Juizado da Infância e Juventude? Qual será o juiz competente para, eventualmente, aplicar ao agressor (adolescente) as medidas protetivas de urgência? Nesse caso, temos como vítima uma mulher em situação de violência doméstica e familiar e como agressor o seu próprio filho adolescente, ambos vulneráveis e ambos merecedores de proteção legal especial, justamente em razão da vulnerabilidade.

Não se pode ignorar que, ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei nº 11.340/06, denominada popularmente Lei Maria da Penha, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero, uma das formas mais preocupantes de violência, já que, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuos. A Lei Maria da Penha, no âmbito da chamada tutela dos vulneráveis, denotando a verdadeira essência do princípio da igualdade, deu concretude ao texto constitucional (art. 226, §8º, CF) e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, com a finalidade de mitigar, tanto quanto possível, esse tipo de violência (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral).

Preceituando que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, a Lei nº 11.340/06 estabeleceu, no art. 5º, que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. O legislador, portanto, fixou o âmbito espacial para a tutela da violência doméstica e familiar contra a mulher, o qual compreende as relações de casamento, união estável, família monoparental, família homoafetiva, família adotiva, vínculos de parentesco em sentido amplo, introduzindo, ainda, a ideia de família de fato, compreendendo as pessoas que não têm vínculo jurídico familiar, considerando-se, entretanto, aparentados (amigos próximos, agregados etc.).

De outra banda, também no âmbito da tutela dos vulneráveis, a Constituição Federal de 1988 introduziu em nosso ordenamento legal a Doutrina da Proteção Integral, garantindo, em seu art. 227, às crianças, aos adolescentes e aos jovens, prioridade absoluta, estabelecendo o dever de proteção pela família, pela sociedade e pelo Estado. Dispõe o art. 227 da Constituição Federal: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Merece destaque, ainda, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Paris, no ano de 1948, que proclamava o direito a cuidados e assistências especiais aos menores. Também no mesmo sentido a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, estabelecendo que toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado.

Assim, a principal característica da Doutrina da Proteção Integral foi tornar crianças e adolescentes sujeitos de direitos, colocando-os em posição de igualdade em relação aos adultos, pois são vistos como pessoa humana, possuindo direitos subjetivos que podem ser exigidos judicialmente. É o que vem estabelecido expressamente no art. 3º do ECA: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. E, neste contexto, tais direitos devem ser assegurados solidariamente pela família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público conforme a previsão constante do art. 4º da referida lei: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Voltamos, então, à questão inicial: como tutelar os direitos da mulher em situação de violência doméstica e familiar quando o agressor é um adolescente, também sujeito de direitos e de proteção integral?

Há quem sustente, na doutrina pátria, a impossibilidade de afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar, que, como medida extrema e excepcional, pressupõe a instauração de processo contencioso, nos termos dos arts. 152 e seguintes da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, somente o juiz, após o devido processo legal, em procedimento específico, poderia, excepcionalmente, determinar alguma medida restritiva aos direitos do adolescente infrator, que, no âmbito da Doutrina da Proteção Integral, também se apresenta como vítima, merecedora de atenção do Estado em face de seu desvio de conduta.

A propósito, a Comissão Permanente da Infância e Juventude - COPEIJ, integrante do Grupo Nacional de Direitos Humanos - GNDH, que congrega representantes do Ministério Público de todo o Brasil, no ano de 2011 aprovou o seguinte enunciado: “Nos casos de adolescentes que cometem atos infracionais em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher é cabível a aplicação das medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha, nos termos do seu art. 13, exclusivamente pelo Juízo da Infância e Juventude, observando-se nos casos concretos a real situação de vulnerabilidade da vítima e resguardada a proteção integral ao adolescente prevista no ECA.”

Disso decorre que somente a Justiça da Infância e da Juventude pode determinar o afastamento do adolescente infrator do convívio familiar (art. 98, III, c.c. art. 101, §2º, do ECA), como medida protetiva não somente a ele (em razão de sua conduta), como também à mulher vítima de violência doméstica e familiar, com fundamento no art. 22, II, da Lei Maria da Penha, seja em caráter cautelar, seja após o devido processo legal. A autoridade competente, em qualquer caso, será o juiz da Vara da Infância e Juventude, por se tratar de ato infracional praticado por adolescente em conflito com a lei.

Em conclusão, sendo a mãe, no âmbito doméstico e familiar, vítima de violência praticada por seu próprio filho adolescente, deve ela noticiar o fato imediatamente à autoridade policial, a qual deverá, no âmbito de suas atribuições legais, tomar as providências preliminares determinadas pela Lei Maria da Penha e encaminhar, com a possível urgência, o expediente, com pedido de medidas protetivas de urgência, ao juízo da Infância e Juventude, o qual deverá decidir, em 48 horas, após manifestação do Ministério Público.

Urge ressaltar que nada impede que seja determinado, cautelarmente, o afastamento do adolescente infrator do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. Essa determinação, entretanto, sempre deverá partir do juiz da Infância e Juventude, nos termos do Enunciado 40, aprovado no VIII Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – FONAVID (criado em 31 de março de 2009, durante a III Jornada da Lei Maria da Penha realizada em parceria entre o Ministério da Justiça, SPM e Conselho Nacional de Justiça – CNJ), do seguinte teor: “Em sendo o autor da violência menor de idade, a competência para analisar o pedido de medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06 é do juízo da Infância e Juventude.”

 

Imagem Ilustrativa do Post: Wine Series Two Lovers (2007) - Paula Rego (1935) // Foto de: Pedro Ribeiro Simões // Sem alterações

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