MAUS-TRATOS A CÃES E GATOS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - A NOVA LEI 14.064/20  

01/10/2020

Sancionada pelo Presidente da República Jair Bolsonaro, a nova Lei nº 14.064/20 foi publicada no Diário Oficial da União no dia 30 de setembro de 2020, alterando a Lei nº 9.605/98 para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato.

Como se sabe, há muito tempo a sociedade reclamava um tratamento mais severo àqueles que, impiedosamente, infligissem maus-tratos a animais, praticando contra esses indefesos seres todo o tipo de crueldade, não raras vezes por pura maldade, inclusive em público e compartilhando as barbaridades nas redes sociais.

A nova Lei nº 14.064/20 foi apelidada de “Lei Sansão”, em atenção ao cão “Sansão”, da raça “american pit Bull terrier”, que teve as patas traseiras decepadas por agressores, a golpes de facão, no mês de julho do corrente ano, no estado de Minas Gerais.

A Lei nº 9.605/98 – Lei dos Crimes Ambientais, já trazia em seu art. 32 a tipificação do crime de maus-tratos a animais, com a seguinte redação:

“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§2º. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”

Com a vigência da nova Lei nº 14.064/20, foi acrescentado o §1º-A ao referido artigo, com o seguinte teor:

“§ 1º-A. Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no ‘caput’ deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.”

Foi louvável a atitude do legislador, que, captando com propriedade os anseios sociais, houve por bem conferir tratamento mais rigoroso ao crime de maus-tratos a animais, principalmente no que se refere a vítimas cães e gatos, que, sabidamente, constituem a maioria dos animais de estimação no nosso País.

Uma das consequências imediatas da nova legislação é retirar esse tipo de crime do âmbito do Juizado Especial Criminal (Lei nº 9.099/95), permitindo a prisão em flagrante do abusador e impedindo a aplicação dos institutos da transação e da suspensão condicional do processo.

Mesmo antes da sanção presidencial, entretanto, o então projeto de lei já vinha sofrendo algumas críticas, principalmente por supostamente ferir o princípio da proporcionalidade, punindo mais severamente os maus-tratos a cães e gatos que os maus-tratos a seres humanos. Maltratar um cão ou um gato acarretaria uma pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa, muito maior que a pena de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa, aplicada a quem maltratar uma pessoa.

De cunho eminentemente constitucional, o princípio da proporcionalidade preconiza a observância, no sistema penal, de proporcionalidade entre o crime e a sanção. É certo que o caráter da pena é multifacetário, devendo preservar os interesses da sociedade, através da reprovação e prevenção do crime, sendo também proporcional ao mal causado pelo ilícito praticado. Nesse aspecto, inclusive, a justa retribuição ao delito praticado é a ideia central do Direito Penal.

Embora muitos doutrinadores utilizem razoabilidade como sinônimo de proporcionalidade, no aspecto constitucional, é bem verdade que as concepções guardam diferenças, embora se complementem.

Como bem observado por Fábio de Oliveira (“Por uma Teoria dos Princípios – o Princípio Constitucional da Razoabilidade”. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2007. p. 97), “a razoabilidade abarca a proporcionalidade, mas nela não se esgota, porque tem um espectro normativo para além da relação entre ‘motivo, meio e fim’. Dito de outra maneira: a razoabilidade não se atém apenas ao controle de validade dos atos estatais (sejam ou não restritivos de direitos fundamentais).”

Portanto, considerando que o princípio da proporcionalidade é um dos subprincípios em que se divide o princípio da razoabilidade, ele vem necessariamente complementado pela adequação e pela necessidade, como componentes de ponderação.

Razoável, assim, a punição severa dos maus-tratos a animais como cães e gatos, além de adequada ao momento social em que vivemos e necessária para conferir efetiva proteção ao bem jurídico ambiental (no caso, a fauna).

Acertada, por conseguinte, a novel providência legislativa e a sanção presidencial sem veto.

Por fim, ainda que se critique a nova lei em face do princípio da proporcionalidade, cremos que a questão pode muito bem ser equacionada de maneira bastante eficaz, já que desproporcional é a mínima ofensividade e a insuficiente punição do crime de maus-tratos a pessoas, pelo que viria em boa hora uma nova proposta legislativa no sentido de incrementar a pena do crime do art. 136 do Código Penal, concretizando as finalidades de retribuição (punição) e prevenção de que se reveste a sanção penal.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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