Justiça Imparcial e Eficiente: Fatores Impactantes

12/02/2017

Por Affonso Ghizzo Neto – 12/02/2017

Segundo o Diretor da Divisão de Pesquisas da Federal Judicial Center, em Washintgon DC, Senhor Jim Eaglin, ao expor seus conhecimentos sobre os “Factors that impede or impact Efficient and Independent Judicial Administration”, assunto tormentoso, complexo e sempre de polêmicas diversas, muitos fatores externos e internos podem influenciar os resultados de administração judicial. Verifica-se que muitos fatores norte-americanos podem dificultar, ou mesmo impedir, uma administração judicial independente e eficiente. Dentre os fatores sistêmicos externos merecem destaques dois pontos influentes: “Inter-governmental branch involvement in matters that directly impact the judiciary” e “Other efforts and actions by non-governmental actors”.

O primeiro deles é a intervenção intergovernamental envolvendo assuntos diretamente relacionados com questões que atinjam o Poder Judiciário. Nesse particular, merece atenção quatro questões influentes: a) a ampliação legislativa relacionada à jurisdição dos tribunais, quase sempre com uma completa ausência de contribuições ou propostas provenientes de juízes ou de administradores dos tribunais, assim como a ausência de estudos dos impactos práticos decorrentes da aplicação da nova legislação proposta. Aliás, mudando o que deve ser alterado em relação a particularidade da realidade fática de cada país, como ocorre no Brasil - em minha modesta opinião -, parece ocorrer o mesmo que nos Estados Unidos da América quando das constantes promulgações precipitadas de leis ineficientes, propostas em decorrência de casos práticos concretos que demandam uma resposta urgente em virtude da pressão social efervescente, via de regra, com forte repercussão na mídia e com cobranças diversas de outras instituições públicas e privadas; b) a interferência legislativa nas atividades do Poder Judiciário através da promulgação de leis que incidam diretamente sobre regras processuais e processos nos tribunais sem o necessário rigor técnico. No Brasil, salvo melhor juízo, esta prática também parece recorrente, muitas vezes com o agravamento decorrente da deficiência ou da total falta de critérios legislativos básicos que, não raras vezes, podem determinar o caos, a instabilidade e a inviabilidade da própria prestação jurisdicional; c) a falta de compreensão, de sensibilidade e de apoio públicos através de aportes financeiros destinados ao aperfeiçoamento e bom funcionamento do sistema judicial, seja através do dimensionamento equivocado das reais necessidades do sistema judicial; da necessidade de reestruturação através da nomeação de novos juízes ou através de recursos para a criação de novos tribunais que, por critério técnico, se façam necessários para atendimento da demanda judicial frente aos anseios da comunidade e dos cidadãos; e d) os esforços recorrentes e desvirtuados dos poderes Executivo e Legislativo com o objetivo de interferência “política” indevida no sistema judicial, seja através da tentativa de “politizar” excessivamente os debates polêmicos junto à opinião pública em busca de inconfessáveis interesses (dividendos políticos escusos, impunidade etc.), ou através de outras formas que busquem unicamente a redução da independência dos poderes decorrentes do sistema judicial.

Mas não e só! Além destes fatores, existem outros esforços e ações externas de atores não-governamentais que também acabam por afetar diretamente a administração judicial. Três circunstâncias merecem observação vagarosa: a) o elevado custo de representações legais nos tribunais que acabam por “elitizar” o acesso à Justiça, determinando o isolamento, o abandono e a exclusão definitiva dos menos favorecidos economicamente. Situação esta que pode determinar não só o despropósito do sistema de justiça, como a próprio descrédito e desmoralização do sistema; b) a ausência ou o desinteresse na representação legal destes mesmos litigantes que não possuem condições econômicas de acesso à Justiça. Aqui vale rememorar o descaso e a falta de compromisso com a instalação e o efetivo funcionamento das Defensorias Públicas no Brasil; e c) as articulações e os esforços propositadamente criados e levados a efeito por determinadas organizações e atores privados com o objetivo de desgastar e de inviabilizar a aplicação de uma administração judicial independente, imparcial e eficaz, seja através da intimidação de juízes, testemunhas ou outros colaboradores do sistema de Justiça, inclusive, delatores no caso das chamadas delações premiadas. A meu sentir, no que se refere a este tipo de interferência criminosa, especialmente no Brasil, assistimos com bastante vigor a operação articulada, planejada e poderosa de organizações criminosas destinadas ao desmantelamento do sistema judicial, notadamente através da utilização da grande mídia para manipulação da opinião pública. Em tempos de “Car Wash” - como se referem os norte-americanos a chamada operação Lava-Jato -, a destruição da Justiça e a instalação do caos social podem ser muito interessantes para determinados seguimentos criminosos no Brasil, muitos deles infiltrados em poderes e instituições públicas, alguns, inclusive, ocupando cargos máximos de destaque no comando da Nação.

Por fim, existem fatores internos que também determinam visíveis impactos no funcionamento do sistema judicial. Importante igualmente como os fatores externos, estes fatores podem determinar - ou não - a renovação e a atualização necessárias para o aperfeiçoamento e funcionamento independente, imparcial e eficaz do sistema judicial como um todo, não apenas revitalizando o exercício universal de direitos e de obrigações para a convivência harmônica em sociedade, como resgatando a própria essência do porquê da existência do sistema. Penso que o Brasil viva atualmente justamente este dilema entre a “velha” e a “nova” Justiça, entre a opção pela tradição daquilo que não deve ser modificado para a continuidade e “conforto” corporativo e, de outro lado, o atrevimento daqueles que ousam visionar novas possibilidades e expectativas em busca da realização efetiva e material de preceitos constitucionais estabelecidos universalmente. Sem prejuízo de nossas iniciativas e ideias próprias - pois somos um País criativo e inovador -, vale a reflexão sobre os fatores internos apontados pelos norte-americanos, dentre os quais: a) o enfrentamento dos desafios destinados ao necessário desenvolvimento, treinamento e aperfeiçoamento de serviços especializados de juízes e de funcionários dos tribunais; b) o enfrentamento dos obstáculos existentes, alguns enraizados no sistema, para efetivar a eficiência das políticas internas destinadas à tomada de decisões fundamentadas em dados estatísticos sobre os pontos críticos na administração da Justiça, tais como os esforços devidos para redução de custos e para eliminação da morosidade na prestação jurisdicional, assim como a avaliação constante da eficiência das inovações práticas propostas para a revitalização da administração judicial; c) busca do ponto de equilíbrio entre a manutenção das atuais práticas e comportamentos padronizados nos tribunais com a necessidade de inovação e mudanças necessárias para atendimento das reais necessidades e expectativas da sociedade; d) a disposição de abertura à adaptação de novas aplicações tecnológicas na administração da justiça, como novos sistemas de administração de casos e de gestão de processos; e) a superação das resistências internas à adoção de novos procedimentos e processos que objetivem tornar a administração da justiça mais transparente, permitindo, por exemplo, a cobertura da mídia eletrônica dos procedimentos judiciais; e f) os esforços necessários para a aproximação do sistema de justiça à população, envolvendo juízes e funcionários em programas educativos junto aos cidadãos, demonstrando a importância do sistema judicial em suas vidas cotidianas, valendo-se para tal desiderato de programas de educação cívica nos tribunais, bem como nas comunidades através de programas conduzidos diretamente por juízes e funcionários dos tribunais.

Dentre os fatores externos, destaco como fator mais preocupante a possível a interferência “política” dos poderes Legislativo e Executivo nos tribunais, assim como outras tentativas de redução da independência do poder judicial, seja nos Estados Unidos da América, seja em outros países, como no Brasil. Já entre os fatores internos, chama atenção o entendimento no sentido de uma necessidade de aproximação e contato do sistema de justiça com a população em geral, não só facilitando o acesso ao sistema de justiça, como também através do envolvendo de juízes e servidores no processo de (re)informação dos cidadãos, especialmente no que se refere ao papel e a importância do sistema judicial no cotidiano das pessoas, assim como na busca de novas ideias e parcerias. Para tanto, possível a utilização de programas de educação cívica pelos tribunais norte-americanos, bem como a criação de programas específicos coordenados pessoalmente por juízes junto à comunidade. Este justamente foi um dos pilares que motivou a criação da campanha “O que você tem a ver com a corrupção?” no Brasil, aproximando Ministério Público e sociedade em torno de uma importante causa comum: A luta contra a corrupção!

Fonte: Reunião presencial com Senhor Jim Eaglin, Diretor da Divisão de Pesquisas da Federal Judicial Center, Washintgon DC, USA. Tema: “Factors that impede or impact Efficient and Independent Judicial Administration”. Data: 09/02/2017. Local: JFC.

.

Observação: As ideias, reflexões e conclusões sobre o tema, assim como as comparações com o sistema brasileiro, são de inteira responsabilidade do autor deste artigo.


affonso-ghizzo-neto. . Affonso Ghizzo Neto é Promotor de Justiça. Doutorando pela USAL. Mestre pela UFSC. Idealizador do Projeto “O que você tem a ver com a corrupção?”. aghizzo@gmail.com / aghizzo@usal.es. .


Imagem Ilustrativa do Post: Black & White Justice // Foto de: Phil Roeder // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/tabor-roeder/14689247947

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura