Justiça Federal do Espírito Santo indefere pedido de suspensão de captação de água do Rio Doce

15/03/2016

Por Redação - 15/03/2016

O Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Estadual/ES, através de Ação Civil Pública, em face da SANEAR - SERVIÇO COLATINENSE DE MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO AMBIENTAL, do Município de Colatina, da União, da ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, SAMARCO MINERAÇÃO S.A e do Estado do Espírito Santo, requereram a interrupção de captação e distribuição da água proveniente do Rio Doce.

O MPF, MPE e MPT apontaram que os laudos que atestaram a qualidade da água do Rio Doce para o consumo humano realizados pela CESAN e por laboratórios credenciados era divergente das conclusões apresentadas pelos laudos realizados pelos técnicos do MPE e MPF, questionando assim a confiabilidade da água devido a presença de lama, rejeitos de minérios e outras partículas.

A juíza federal da Vara de Colatina/ES Mônica Lúcia do Nascimento Frias entendeu, no entanto, que os laudos apresentados pelas demandadas eram suficientes para gerar credibilidade quanto à qualidade da água proveniente do Rio Doce, e indeferiu o pedido de interrupção de captação e distribuição. Contudo, a magistrada determinou que seja mantida a distribuição de água potável à população por mais 07 dias, que os laudos de potabilidade da CESAN e laboratórios sejam amplamente divulgados para tranquilizar os cidadãos e, por fim, que sejam criadas estações de tratamento alternativas e o cumprimento das demais exigências do Termo de Ajuste de Conduta firmado pelas requeridas.

Confira a decisão na íntegra

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESPÍRITO SANTO

VARA FEDERAL DE COLATINA-ES

 

Conclusão: 30/11/2015 14:00

Processo nº. : 0135334-09.2015.4.02.5005 (2015.50.05.135334-8)

Demandante: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E OUTROS

Demandado: SANEAR - SERVIÇO COLATINENSE DE MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO AMBIENTAL E OUTROS

DECISÃO

I- RELATÓRIO

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face de SANEAR - SERVIÇO COLATINENSE DE MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO AMBIENTAL, MUNICÍPIO DE COLATINA, UNIÃO, ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, SAMARCO MINERAÇÃO S.A e ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

Liminarmente, requerem: i) concessão de tutela antecipada para impor ao SANEAR obrigação (fazer) de interromper a captação e distribuição de água, proveniente do Rio Doce ou de outro espaço hídrico contaminado pela onda de lama, rejeitos e outras partículas, decorrentes do rompimento da barragem, ocorrido em 5/11/2015, no Estado de Minas Gerais, com descarte da água existente em suas estações de tratamento; ii) concessão de tutela antecipada para impor ao MUNICÍPIO DE COLATINA a obrigação (fazer) de orientar a população para descarte total da água distribuída, bem como publicar nota, no portal na internet da Prefeitura de Colatina, em rádios e jornais locais, com explicação acerca dos motivos da interrupção na distribuição da água captada no leito do Rio Doce; iii) concessão de tutela antecipada para impor ao MUNICÍPIO DE COLATINA obrigação (fazer) de expedir ofício à Samarco Mineradora S.A. sobre a interrupção da captação e distribuição de água, com objetivo de compelir a empresa a cumprir obrigações contempladas no TAC celebrado com os requerentes e até que se implemente a captação alternativa definitiva pela concessionária; iv) concessão de tutela antecipada para impor à UNIÃO obrigação (fazer) de fixar parâmetros adequados e específicos ao corpo hídrico, que considerem as condições especiais oriundas do rompimento da barragem de Fundão e advento da chegada da lama de rejeito no Rio Doce, em substituição àqueles previstos na Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde, para a hipótese de nova captação no curso hídrico do Rio Doce; v) concessão de tutela antecipada para impor à ANA obrigação (fazer) de apresentar proposta ao respectivo Comitê da Bacia Hidrográfica visando ao reenquadramento do corpo hídrico do Rio Doce, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional de Recursos Hídricos; vi) concessão de tutela antecipada para impor ao SANEAR, ao MUNICÍPIO DE COLATINA e à SAMARCO obrigação (fazer) de apresentar projeto técnico que preveja a adoção de fontes alternativas de captação de água, diante da interrupção da captação no curso do Rio Doce, com cronograma de implementação das intervenções necessárias, de modo a restabelecer a distribuição de água para a população de acordo com os parâmetros da Portaria nº 2.194/2011 do Ministério da Saúde; vii) concessão de tutela antecipada para impor ao SANEAR obrigação (não fazer) de abster-se de efetuar a descarga de lavagem de filtros e lodos no corpo hídrico; viii) concessão de tutela antecipada para impor ao SANEAR, ao MUNICÍPIO DE COLATINA e à SAMARCO obrigação (fazer) de adequar todas as estações de tratamento, criar sistemas de pré ou pós-tratamento, com desiderato de assegurar condições operacionais efetivas e seguras diante da qualidade comprometida das águas do Rio Doce, bem como descontaminar as estações de tratamento e as tubulações que levam água à população; ix) concessão de tutela antecipada para impor à UNIÃO e à ANA obrigação (fazer) de fiscalizarem a qualidade da água e dos serviços prestados pelo SANEAR, com adoção de medidas administrativas necessárias, inclusive, se for o caso, imposição de penalidades; x) concessão de tutela antecipada para impor ao ESTADO DO ESPÍRITO SANTO e à UNIÃO a obrigação (fazer) de prestar todo o apoio operacional necessário para garantir a ordem e a segurança no município de Colatina, por meio da disponibilização das Defesas Civil, Polícias Militares, Forças Armadas ou outros efetivos estatais, até o completo restabelecimento da normalidade da distribuição da água; xi) imposição de astreinte, na hipótese de descumprimento da decisão provisória, no valor de R$100.000,00 (cem mil reais) diários, por obrigação imposta (por item da decisão provisória descumprido), com renovação de sua aplicação a cada verificação, atualizado pelos índices de correção monetária e juros de mora aplicáveis pela Justiça Federal, a ser depositado em Juízo com posterior destinação dos requerentes.

Em síntese, alegam a existência de divergência entre a conclusão dos trabalhos elaborados pelos técnicos do MPE e MPF quando em confronto com os laudos elaborados pela CESAN e laboratórios credenciados.

Afirmam que os dois primeiros requeridos, com base nesses laudos, consideraram a água apta ao consumo humano, mesmo com lama, rejeitos de minério e outras partículas.

Defendem que, considerando o desastre ambiental ocorrido e as consequências catastróficas enfrentadas pelos municípios atingidos, a fiscalização realizada pela ANA e a UNIÃO deveria ser intensificada e acompanhada de informações formalmente disponibilizadas aos cidadãos, conferindo confiabilidade à água fornecida. Além disso, ressaltaram a inaplicabilidade dos parâmetros fixados pela legislação federal (Portaria nº 2.914/2011), tendo em vista o caráter extraordinário da tragédia ambiental, bem como da resolução CONAMA nº 357, pois esta, ao dispor sobre a classificação dos corpos de água, fixando diretrizes ambientais para o seu enquadramento, condições e padrões de lançamento de efluentes, valer-se-ia das análises físico-químicas e microbiológicas tradicionalmente realizadas e por isso não poderiam distinguir entre as substâncias que afetariam a saúde humana e as inertes, sendo, pois, instrumento inadequado à medição do potencial de risco dos contaminantes.

Ressaltam que tais incertezas, invariavelmente, deveriam ser analisadas sob a ótica do princípio da precaução, previsto na Convenção sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, Rio 92, a fim de que os dois primeiros requeridos interrompessem a distribuição de água à população de Colatina.

  • Respostas dos réus
O MUNICÍPIO DE COLATINA apresentou manifestação às fls. 560/581, acompanhada dos documentos de fls. 582/1142.

Alegara falta de interesse de agir no que toca ao item “4.6” da inicial, pois na Ação Civil Pública nº 0133180-18.2015.4.02.5005, proposta conjuntamente com o SANEAR, fora deferido, liminarmente, o pedido de construção, pela SAMARCO, de duas redes de captação, transporte e tratamento de água em fontes alternativas. Tal decisão, inclusive, fora contemplada na Cláusula Terceira, item 4.3, Parágrafo Quinto, do Termo de Compromisso Socioambiental. Diante disso, em 17/11/2015, foi elaborado um Termo de Medidas Pactuadas no TAC, no qual a SAMARCO se comprometeu a elaborar, até o dia 07/12/2015, projeto referente ao sistema alternativo de captação e tratamento. Após tal data, o Município terá dez dias para fins de análise, iniciando-se imediatamente a execução, caso aprovado.  Narrou, também, que a celebração desse Termo de Ajustamento fora informada ao CAOA em 18/11/2015, com cópia para o Ilustre representante do MPT, conforme mensagem eletrônica.

Defendeu veementemente que não haveria dúvida ou incerteza quanto à potabilidade da água tratada, considerando que os laudos técnicos que fundamentaram a decisão de retomada da captação, tratamento e distribuição de água do Rio Doce no Município de Colatina, elaborados pelo TOMMASI LABORATÓRIO LTDA e pela COMPANHIA ESPÍRITO SANTENSE DE SANEAMENTO (CESAN), seriam conclusivos quanto à potabilidade da água resultante do tratamento realizado nas ETA’s do sistema SANEAR.

Destacou que os laudos técnicos que sistematicamente foram elaborados pela CESAN e TOMMASI LABORATÓRIO LTDA durante todo o procedimento de captação de água bruta, tratamento e distribuição de água tratada, indicariam o atendimento às normas legais. Por outro lado, os pareceres técnicos elaborados pelo Sr. E.C., agente técnico do Ministério Público Estadual, lotado no CAOA, não contemplaria um único questionamento objetivo, de ordem técnica, apto a infirmar a qualidade da água tratada pelo SANEAR.

Reforçou que não haveria precariedade nas ESTAÇÕES DE TRATAMENTO (ETA’s) e que o próprio técnico E.C. consignara as boas condições de operacionalidade da ETA II e IV, fazendo ressalvas quanto a ETA I, sendo que a ETA III estaria desativada. Frisou que os registros quanto à situação irregular relativos à descarga de lavagem de filtros e lodos no corpo hídrico e à inobservância do art. 44 da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde não invalidariam a potabilidade da água e, por certo, não procederiam, conquanto não haveria notícia de que foram constatadas irregularidades por órgãos encarregados da fiscalização dessas estruturas.

Relatou que o registro de inexistência de indicação do responsável pela coleta de água, consignado no relatório elaborado pelo Assessor-Chefe da Assessoria Temática da Secretaria de Apoio Operacional do MPF, em 23/11/2015, não mereceria prosperar e nem anularia a qualidade da água tratada, conforme análises do Laboratório Tommasi e da CESAN, os quais eram do conhecimento dos autores.  Esse registro não faria menção a um único parâmetro extrapolado e nem sequer indicariam quais os “outros parâmetros” que deveriam e não foram analisados. Além disso, mesmo para os metais manganês e alumínio, os quais se encontravam com parâmetros alterados, segundo informação do próprio SANEAR, reforçada pelo parecer do Sr. E.C., estariam dentro das especificações da Portaria nº 2.914/2011.

Esclareceu que os laudos técnicos elaborados pelo TOMMASI LABORATÓRIO LTDA a pedido do Serviço de Água e Esgoto de Baixo Guandu/ES (SAAEBGD) e do Município de Linhares/ES, diriam respeito à água bruta e não à tratada, não possuindo identidade com o contexto fático do Município de Colatina/ES.

Narrou que o segundo laudo técnico emitido pelo Sr. E.C. não contemplaria dados objetivos aptos a invalidar a potabilidade da água nem infirmaria a conclusão dos laudos do TOMMASI e da CESAN, sendo genérica a alegação de que com a mudança do coagulante (tanino de acácia negra) os altos índices de turbidez requereriam adição de maior concentração de produtos químicos na água para se alcançar os padrões exigidos na Portaria nº 2.914/2011, considerando as oscilações na qualidade do corpo hídrico onde ocorre a captação da água (Rio Doce).  Além disso, os laudos técnicos conclusivos quanto à potabilidade da água teriam considerado tal fato, não existindo na exordial questionamento quanto às certificações do TOMMASI, da CESAN e de seus responsáveis técnicos.

Apontou que o Ministério Público Estadual, ao tempo do ajuizamento desta ação, tinha conhecimento de uma série de laudos técnicos sobre a qualidade da água e não impugnara quaisquer deles, como se extrai da leitura atenta da inicial, isto porque, previamente ao ajuizamento deste feito, movera ação de busca e apreensão de documentos contra o SANEAR (Processo nº 0016820-34.2015.8.08.0014 – 4ª Vara Criminal de Colatina/ES), sendo-lhe entregues todos os documentos que se encontravam com a autarquia, além de terem sido encaminhados ao CAOA. De se notar que a pretensão dos autores teria por base pareceres técnicos sobre laudos pretéritos, desconsiderando os seqüenciais.

Discorreu, a título de exemplo, no campo das notícias, e considerando que os autores as teriam utilizado como reforço de argumentação, que em 1º de dezembro de 2015 a engenheira química S. S., Diretora de Operação Metropolitana da CESAN, em reunião da Comissão de Representação do Rio Doce, alegara que a coleta e o tratamento da água distribuída estariam dentro de padrões de saúde pública, e a água apta ao consumo, reforçando, ainda, que existiria “muita coisa” na mídia sem se observar as análises, sem os laudos, conforme criticara a servidora. Destacou, ainda, a matéria intitulada “MPMG [Ministério Público do Estado de Minas Gerais] apresenta parecer científico sobre laudos de análise da água do Rio Doce”, publicada em 1º/12/2015, sobre o tratamento realizado em Governador Valadares, região onde a lama seria mais densa do que a que chegou a Colatina, frisando que o trabalho realizado pela Comissão Técnica Científica da Universidade de Juiz de Fora (UFJF) indicara que as amostras coletadas nas Estações de Tratamento de Água não apresentariam indícios de insegurança para o consumo humano e que o processo de tratamento seria capaz de baixar a concentração de elementos potencialmente tóxicos.

Observou que as análises sempre levariam em conta a suspensão da captação, tratamento e distribuição da água do Rio Doce caso se constatasse que a qualidade não atingiria os padrões exigidos pela Portaria nº 2.914/2011. Nesse contexto, os questionamentos suscitados pelos técnicos dos autores, por mais que devam ser considerados, não podem ser alçados à condição de suporte robusto para incutir dúvida plausível e razoável quanto à potabilidade da água captada, tratada e distribuída pelo SANEAR, ante a ausência de elementos objetivos aptos a infirmar os laudos técnicos.

Anotou a preocupação de continuidade dos serviços prestados pelo TOMMASI LABORATÓRIO LTDA, o qual estaria sendo exaustivamente demandado quanto às análises da qualidade da água tratada, e também da bruta, nada recebendo até o momento pela prestação de serviços não inseridos no contrato firmado em certame público com o SANEAR, cujos acréscimos seriam de responsabilidade da SAMARCO MINERAÇÃO LTDA, nos termos do que ficara estabelecido no TERMO DE COMPROMISSO SOCIOAMBIENTAL PRELIMINAR.

Relatou a estranheza de questionamento dos autores sobre a aplicação da Portaria nº 2.914/2011, do Ministério da Saúde, na medida em que a elegeram como norma aplicável ao evento cujo enfrentamento foi inicialmente mediado através do TERMO DE COMPROMISSO SOCIOAMBIENTAL PRELIMINAR, mesmo porque em momento algum tal portaria teria sido colocada em xeque pelo Sr. E.C., agente do MPF, tendo este sugerido, inclusive, que “seja dada continuidade ao monitoramento da água tratada, sem a distribuição da mesma, até a confirmação dos parâmetros de potalibilidade em atendimento da Portaria nº 2.914/2011, no mínimo em três relatórios analíticos consecutivos ou através de critérios técnicos que assegure (m) condições de potabilidade ao fornecimento de água à população” (doc. 02, fl.81). No segundo parecer, asseverou que “a distribuição de água só deve ocorrer através de uma avaliação completa e segura de todos os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde através da Portaria nº 2.914/2011” (doc. 09, fl. 169 dos autos). No mesmo sentido, o relatório elaborado pelo Sr. M.B., Assessor-Chefe da Assessoria Temática da Secretaria de Apoio Operacional do Ministério Público Federal, não questionou a adequação ou infalibilidade dos parâmetros da Portaria nº 2.914/2011, tampouco o Parecer Técnico elaborado pelo Sr. L.F.S., biólogo que subscreveu o documento 06 (fls. 107/115), o qual sugerira, como medida emergencial, que a análise da qualidade da água e dos sedimentos para avaliação dos níveis de contaminantes, especialmente metais, e as restrições para usos múltiplos da água, tenham por balizas a legislação e diretrizes de organismos da área de saúde. (fl. 113).

Reforçou que não se olvida que o “Laudo Técnico sobre as possíveis consequências do consumo de água tratada a partir da captação no Rio Doce” (documento 10, folha 172) informaria que “os procedimentos de controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade (Portaria nº 2.914/2011) não seriam capazes de distinguir entre substâncias que afetam a saúde humana, das que são inertes. Todavia, sem desqualificar a capacidade do subscritor do trabalho, tratar-se-ia de juízo isolado no contexto dos demais documentos coligidos, elaborado no âmbito da possibilidade, eminentemente sugestivo e não conclusivo, desacompanhado de elementos da realidade, dados, análises in loco.

Pontuou que a Portaria nº 2.914/2011 foi o resultado de uma complexa discussão entre especialistas sobre dados, normas e referências bibliográficas, grande parte sistematizada pelas instituições que integraram o Grupo de Trabalho de Revisão da Portaria MS nº 518/2004, sem esquecer as quatro Oficinas de Trabalho Microrregionais. O documento base informaria que para o estabelecimento do VMP (Valor Máximo Permitido) foi realizada Avaliação Quantitativa de Risco Químico (AQRQ), com abordagens distintas para substâncias tóxicas não-canciogênicas ou carciogênicas não genotóxicas, e outra para substâncias carciogênicas genotóxicas, seguindo os postulados gerais e as etapas de avaliação de Risco, com a identificação do perigo, avaliação da dose-resposta, avaliação da exposição e caracterização do risco. Além disso, tal metodologia consideraria, ainda, a apreciação de substâncias químicas para efeito de eventual inclusão no padrão de potabilidade brasileiro a partir da intensidade de uso no país, o fato de constarem em normas vigentes em outros países ou em normas de organismos internacionais, além do registro foral de solicitação para inclusão durante o processo de revisão da Portaria nº 518/2004.

Os autores não teriam impugnado esta metodologia, em quaisquer de suas etapas, suas referências bibliográficas, suas fontes primárias de dados, nem os paradigmas adotados. Assim, os requerentes, sem a detida e especializada análise de todas as fontes primárias e secundárias que forneceram informações de ordem técnica a orientarem o processo de discussão, não poderiam extrair a conclusão de que a Portaria MS nº 2.914/2011 fixara parâmetros considerando situações ordinárias, ainda mais de forma automática, sem mediação de especialistas.

Evidenciou que a Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde regularia a potabilidade da água tratada em todo o território nacional e não apenas em Colatina/ES, ou seja, se não puder valer para este Município não poderá valer para todo o país. Nesse enfoque, a cidade de Colatina não poderia viver em regime de exceção, o que é vedado pela CRFB, caso afastada a validade desta Portaria.

Ressaltou, ao final, que não se está diante de uma “escolha trágica”, porque a partir dos laudos técnicos elaborados pelo TOMMASI LABORATÓRIO LTDA e pela CESAN, conclusivos quanto à potabilidade da água tratada pelo SANEAR, nos marcos da Portaria nº 2.914/2011, e ante a ausência de elementos técnicos que os invalidem, não haveria que se falar em dúvida ou incerteza, mesmo porque a defesa da não incidência dessa portaria repousaria em embasamento sugestivo, não especializado, formulado sem a necessária análise dos elementos fáticos, técnicos, bibliográficos e normativos referidos no documento base, atinentes ao seu processo dialógico de elaboração, não sendo nem mesmo explicitamente defendida nos pareceres técnicos juntados com a petição inicial. Portanto, ter-se-ia que a questão da “escolha trágica” imposta pelos autores a este Juízo configuraria um “falso dilema”.

SÍNTESE – MANIFESTAÇÃO DO SERVIÇO COLATINENSE DE MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO AMBIENTAL – SANEAR

A Autarquia Municipal destacou que o objetivo da demanda é aquele elencado no item 4.1, qual seja a interrupção da captação e da distribuição da água proveniente do rio Doce, sendo os demais requerimentos de natureza acessória e, em grande parte, dele derivados.

Ressaltou que, por mais que gozem de independência funcional, o ajuizamento da presente demanda indicaria desinformação, atuação desencontrada e desconfiança sobre o trabalho levado a cabo por membros do Ministério Público de Estados distintos da Federação, principalmente levando-se em consideração que o MP de Minas Gerais (unidade da federação mais severamente atingida), publicou nota no dia 27/11/2015 em sua página oficial, noticiando a potabilidade da água, segundo estudo técnico preliminar da Comissão Técnica Científica da Universidade de Juiz de Fora. Nesta mesma notícia, o MP-MG divulgara os exames 7.163/15 e 7.164/15, atestando que o processo de tratamento utilizado pelo SAAE de Governador Valadares, idêntico ao utilizado pelo SANEAR de Colatina, foi eficiente para o tratamento. Além disso, em 01/12/2015, teria sido divulgado parecer científico conclusivo, elaborado pela Universidade de Juiz de Fora e novamente explicitando que o processo de tratamento seria capaz de baixar a concentração de elementos potencialmente tóxicos, removendo-os durante o processo de floculação/decantação.

Frisou que o laudo, subscrito por dois professores doutores da Universidade de Juiz de Fora, sendo um deles Chefe do Departamento de Medicina daquela instituição, concluiu que as águas coletadas, após passarem pelo processo de tratamento nas estações, não apresentariam indícios de insegurança para o consumo humano.

 A alegação de suposta inaplicabilidade da Portaria nº 2.914/2011, que regulamenta os critérios para distribuição de água tratada, tendo em vista que o evento danoso não foi considerado quando da elaboração da normativa que fixa o padrão de água potável para todo o país (inclusive para Mariana/MG), constituir-se-ia verdadeiro venire contra factum proprium na medida em que a sua fiel observância, por diversas vezes, foi recomendada pelo Ministério Público.

Destacou que seria confiado ao Ministério da Saúde definir critérios para potabilidade da água. Desde 1977, então, este órgão elaborara constantes estudos multidisciplinares, visando ao aperfeiçoamento do tratamento e classificação da água, a fim de possibilitar sua utilização em diversas finalidades. Durante todo esse tempo, foram expedidas as portarias BSB nº 56/1977, GM nº 36/1990, MS nº 1469/2000, MS nº 518/2004 e MS nº 2.914/2011 (vigente até a presente data). Concluir-se-ia que não potável seria a água que não atendesse aos preceitos fixados pelo órgão competente, por meio desta última portaria (MS 2.914/2011), elaborada em um processo histórico de quase quarenta anos de aperfeiçoamento.

Didaticamente, esboçou as diferenças entre os conceitos de água bruta, de água tratada e de efluentes, bem como delimitara as normas que regem tais matérias.

Asseverou que o despejo de efluentes nos rios, lagos e demais corpos de água é regulado pela Resolução nº 357/2005 do CONAMA, a qual foi complementada pela Resolução nº 430/2011. Estas não guardariam qualquer relação com a definição de critérios para potabilidade da água, isto é, para se chegar à conclusão se esta estaria apta ou não ao consumo. A função destas normativas seria controlar o nível de poluição que é lançado nos corpos d’água, a fim de evitar danos ambientais à flora e à fauna que podem decorrer desses lançamentos.

 Reforçou que a população tem sido amedrontada pela suposta divergência de laudos que obrigatoriamente devem ser divergentes, por analisarem amostras de água completamente distintas, como por exemplo, os constantes às fls. 140/160, todos referentes a águas superficiais, ou seja, água bruta, sem qualquer tratamento; por outro lado, os laudos constantes às fls. 91/106 diriam respeito à água tratada, coletada nas estações de tratamento do SANEAR.

Narrou que, após a tragédia ambiental, o processo de tratamento de água foi adequado à nova realidade, sendo que os técnicos do SANEAR conseguiram, com êxito, fazer com que a água bruta (esta com maior turbidez e mais metais do que o usual) chegasse ao patamar exigido pela legislação após o devido tratamento nas Estações de Tratamento de Água do Sanear, as quais possuem Licenças Ambientais em vigor.

Explicitou que o novo coagulante utilizado no processo de tratamento (nome comercial TANFLOC SG), segundo literatura especializada, é bastante efetivo também no que diz respeito ao aspecto ambiental, pois é um polímero de origem orgânica, extraído da casca de árvores européias, não consumindo alcalinidade do meio onde atua, fazendo com que o pH da água para abastecimento fique praticamente inalterado. Seria, ainda, mais vantajoso que o sulfato de alumínio, tradicionalmente utilizado, tendo em vista que este é um elemento inorgânico cujo uso no tratamento de água deve ser empregado acompanhado de altas doses de corretores de pH.

Elucidou, também, como estariam sendo desenvolvidas todas as fases de tratamento de água após a chegada dos rejeitos de minério no Rio Doce, explicitando o procedimento de cada uma: coagulação, floculação, decantação, filtração e desinfecção.  Também estaria sendo utilizado o ortopolifostato de sódio, produto que desempenha função de complexar o manganês, mantendo-o em solução, evitando que o mesmo precipite na água por oxidação.

Reforçou que estaria, em obediência ao princípio da precaução, envidando todas as medidas necessárias para que a população consumisse uma água de qualidade. Para tal desiderato, suspendera a captação e distribuição às 00h00 do dia 18/11/2015 (quarta-feira), unicamente em razão da notícia da chegada da onda de lama à jusante da hidrelétrica de Mascarenhas, situada em Baixo Guandu/ES, até que pudessem ser realizados exames preliminares sobre a natureza da água e sobre a capacidade de tratamento pelas estações do SANEAR, sendo tal fato comunicado às autoridades. Após, iniciaram-se os testes para avaliar se as estações seriam capazes de tratar a água, adequando-a ao padrão de potabilidade exigido pela Portaria nº 2.914/2011. Assim, em 22/11/2015, com base nos exames realizados pelo TOMMASI e pela CESAN, mediante o atendimento de todos os parâmetros, houve a liberação à população. Ressalte-se que, segundo a autarquia, toda a água que serviu de base para as análises, não foi distribuída, sendo totalmente descartada por precaução, retornando a captação normal no dia 23/11/2015, às 3h30min.

Pontuou que a alteração nos quantitativos de manganês encontra-se de pleno acordo com a exceção prevista no artigo 39, § 4º, da Portaria nº 2.914/2011.

Esclareceu que a 2ª interrupção na captação, ocorrida dentro do dia 23/11/2015, também se deu por precaução, pois no momento em que houve o retorno da distribuição de água, a vazão à jusante da hidrelétrica de Mascarenhas era de aproximadamente 341 m3/s, tendo aumentado para 482 m3/s às 20h00, conforme relatório da ANA, o que poderia alterar a turbidez e o arraste de material sedimentado. Assim, dia 24/11/2015, com a normalização das condições de tratamento e com a chegada de novos laudos, que, mais uma vez atestaram a adequação da água tratada à Portaria nº 2.914/2011, foi retomada a captação e tratamento, retornando a distribuição à população por volta das 22 horas.

Atestou que todos os exames demonstrariam a regularidade dos índices no que toca a presença de metais, com destaque para o ferro, manganês total e alumínio, consoante o artigo 39, § 4º da Portaria 2.914/2011. Além disso, os índices da presença de alumínio estariam caindo dia a dia.

 Além do SANEAR, teriam atestado a potabilidade da água a CESAN – Companhia Espírito Santense de Saneamento, o Instituto Federal do Espírito Santo – IFES, a FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, a Universidade Federal de Juiz de Fora e a Secretaria de Estado da Saúde, parecendo no mínimo curioso e completamente inverossímil admitir que todos os órgãos envolvidos na defesa do meio ambiente e da saúde estariam equivocados.

Defendeu a plena aplicabilidade da Portaria nº 2.914/2011 ao caso concreto, discorrendo sobre a forma com que fora elaborada, tratando-se de um documento que não surgiu do acaso, mas foi fruto de uma construção de quase quatro décadas.

Consignou que os resíduos de mineração que acometerem as águas do Rio Doce seriam constituídos de elementos químicos conhecidos pela produção científica nacional, “não se tratando de um meteorito espacial de natureza desconhecida nem de uma mutação genética de vírus”. Dessa forma, a suposição de que deveria ser elaborada uma nova Portaria, específica para a localidade, ignoraria, por completo, que os elementos carreados ao Rio Doce já eram conhecidos da comunidade científica quando da elaboração da normativa.

Defendeu a inexistência de requisitos para concessão de liminar por ausência de prova da verossimilhança, ausência de indicativo da existência de qualquer substância diversa daquelas que são submetidas à regulamentação da Portaria nº 2.914/2011 – SVS/MS. Além disso, pontuou que, uma vez acolhida o pedido em que se ancora a inicial, haveria séria lesão à ordem pública com o comprometimento do abastecimento de uma população de mais de 120.000 pessoas, sem contar os tumultos e manifestações, muitos de cunho eminentemente político, criando situações de perigo à vida, à segurança e ao patrimônio dos cidadãos.

Frisou, ainda, que ao lançar suspeita sobre a capacidade da Portaria nº 2.914/2011, estar-se-ia colocando em dúvida a forma de tratamento de água que é distribuída à população não só de Colatina, mas de todo o país.

SÍNTESE – MANIFESTAÇÃO DA SAMARCO

Narrou que a pretensão dos autores vem embasada em dois relatórios, acostados aos docs. 02 e 03 da inicial, elaborados pelo Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, de Bens e Direitos de Valor Artístico, Estético, Histórico, Turístico, Paisagístico e Urbanístico (CAOA) do MP, e pelo apoio pericial do MPF, respectivamente.

Afirmou, antes de rebater os argumentos expostos, que fora surpreendida ao receber a citação da presente demanda, considerando que desde o início tem promovido todas as medidas emergenciais possíveis e disponíveis à mitigação dos impactos nos Municípios atingidos no Estado do Espírito Santo, inclusive tendo celebrado o Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar em 15/11/2015. No entanto, os mesmos representantes dos Ministérios Públicos que subscreveram o Termo de Compromisso, surpreendentemente, ajuizaram a presente ação sem que houvesse qualquer diálogo prévio e, mais que isso, em menoscabo das disposições de acordo que eles mesmos negociaram.

Destacou que, em cumprimento ao estabelecido na cláusula 4ª, § 3º, do Termo de Compromisso, a SAMARCO realizou e permanece realizando as análises de qualidade da água na forma e peridiocidade acordadas. Para que se tenha uma noção da envergadura deste trabalho, até o dia da apresentação desta peça, já teriam sido realizados 607 (seiscentos e sete) coletas e entregues 607 (seiscentos e sete) laudos pelos laboratórios contratados, estes credenciados e certificados pelo INMETRO. Em paralelo à realização das análises, as equipes da SAMARCO estariam, antes mesmo de a pluma de turbidez atingir o Estado do ES, utilizando o coagulante natural, também usado em Governador Valadares, a fim de viabilizar a captação de água no leito do próprio rio. Tal medida teria viabilizado a retomada da captação em Colatina já no dia 22/11/2015.

Dissertou que os autores desta ação, mesmo cientes de todas as estratégias que vinham sendo utilizadas para retomar a captação no Rio Doce, considerando que recebem relatórios diários da SAMARCO, no dia em que foi normalizado o abastecimento de água na cidade, propuseram uma ACP no Juízo Estadual, insurgindo-se, inclusive, quanto à aplicação do TANFLOC, cuja liminar foi cassada pelo Des. Plantonista ADAUTO TRISTÃO e ratificada, em relação a este ponto, pelo Desembargador TELÊMACO DE ABREU FILHO. Agora, irresignados com a decisão do TJ, os autores estariam mudando a tese, dizendo que o problema não é mais o floculante, mas sim os parâmetros de potabilidade fixados pelo Ministério da Saúde e a ausência de certeza dos laudos técnicos apresentados.

 Frisou que todas as análises realizadas pelos laboratórios credenciados pelo INMETRO comprovariam que a água captada no Rio Doce é potável, não havendo um único parâmetro sequer que estaria além ou aquém da normalidade. Além disso, ressaltou que os autores desta ação, que por competência funcional e pelas próprias disposições do Termo de Compromisso, poderiam exigir a realização de quantos laudos entendessem necessários e nos laboratórios por eles indicados, nunca o fizeram, apenas sustentaram que os laudos apresentados não seriam hábeis a atestar a potabilidade da água sem nenhuma evidencia ou contraprova.

Defendeu a inexistência de razões para o deferimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ante a possibilidade de tratamento da água do Rio Doce com a utilização do coagulante Tanfloc, conforme atestaria a COPASA – DIVISÃO DE PESQUISA E CONTROLE DE QUALIDADE DE ÁGUA E ESGOTO DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS S/A, a Prefeitura de Governador Valadares, o professor E. V. S. (Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG), incluindo, ainda, o Ministério Público de Minas Gerais.

Ressaltou que o estudo realizado a pedido do MP-MG constatou que em Governador Valadares/MG, onde a intensidade da pluma de turbidez foi 10 vezes superior a Colatina, a água pode ser tratada, não havendo razão plausível para que o mesmo processo não pudesse ser aplicado neste Município.

Solicitou o deferimento da juntada dos últimos 10 laudos de qualidade da água em Colatina, relativos a coletas realizadas entre os dias 28 e 30 de novembro, por meio dos quais seria possível afirmar, com a necessária segurança técnica, que a água extraída do Rio Doce, após o tratamento, tornou-se POTÁVEL, com todos os parâmetros de potabilidade, sem exceção, dentro da mais absoluta normalidade. Tais documentos rechaçariam as conclusões do relatório técnico elaborado pelo CAOA, a pedido do MP, por meio do qual sugeriu que fosse dada continuidade ao monitoramento da água tratada, sem a distribuição da mesma, até a confirmação dos parâmetros de potabilidade em atendimento à Portaria nº 2.914/2011, até a apresentação de, no mínimo, três relatórios analíticos consecutivos.

Consignou que a captação e a distribuição da água proveniente do Rio Doce somente foram iniciadas após se obter a certeza científica sobre sua potabilidade. Tal certeza adviria não apenas dos 10 (dez) laudos técnicos de análise de água ora juntados nesta oportunidade, mas sim de todos os órgãos ambientais e especialistas envolvidos no assunto, como o ICMbio, o IBAMA, a SEAMA, o IEMA, a CESAN e a UFES, os quais, em reunião realizada em 03/12/2015 para discutir os resultados de análise de água, concluíram que o tratamento com TANFLOC a tornaria potável e apta ao consumo.

Finalizou dizendo que onde não existe incerteza científica não pode ser invocado o princípio da precaução para suspender a captação e distribuição da água proveniente do Rio Doce.

SÍNTESE – MANIFESTAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA

A Agência Nacional de Águas destacou que, relativamente ao pedido em face dela formulado, não haveria amparo legal para sua concessão. O enquadramento de um corpo hídrico seria meta a se alcançar, sendo mais do que uma simples classificação, consubstanciando-se num instrumento de planejamento, tomando por base os níveis de qualidade que deveriam possuir ou ser mantidos para atender às necessidades estabelecidas pela sociedade e não apenas a condição atual do corpo d’água em questão. A classe do enquadramento de um corpo d’água deveria ser definida em um pacto acordado pela sociedade, levando em consideração as prioridades de uso da água. A discussão e o estabelecimento desse pacto ocorreriam no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH).

Ressaltou que o enquadramento é referência para os outros instrumentos de gestão de recursos hídricos (outorga e cobrança) e instrumento de gestão ambiental (licenciamento e monitoramento), sendo, portanto, um elo entre o SINGREH e o SISTEMA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE, não detendo, a Autarquia, competência legal para apresentar, exclusivamente, proposta de reenquadramento da bacia do Rio Doce, sendo necessária a participação da comunidade envolvida e dos públicos que compõem o Singreh. Esse pretenso novo enquadramento entraria na seara de discricionariedade dos usuários de recursos hídricos e suas instâncias deliberatórias, tanto do comitê de bacia, quanto do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Frisou que a Agência Nacional de Águas (delegado da União por disposição legal) tem sua competência adstrita à fiscalização e regulação do uso de recursos hídricos de sua dominialidade apenas no que toca à água bruta, não tendo ingerência sobre a água tratada, ou seja, não seria atribuição da ANA fiscalizar a qualidade da água e os serviços prestados pelo SANEAR, conforme atribuições taxativamente previstas no artigo 4º da lei nº 9984/2000.

DOCUMENTOS JUNTADOS PELO MPF ÀS FLS. 1960/1990

O MPF, à fl. 1960, requer, em singela petição, a juntada de documentação, a fim de que seja analisada antes da decisão liminar.

 Ao que se depreende, trata-se de amostras analisadas pelo laboratório MERIEUX NutriSciences, referentes a água bruta, retirada diretamente de pontos do corpo hídrico. Não foram juntados laudos de água tratada.

Também foi juntado um termo de declaração, tendo por declarante o Sr. J. L., no qual informa que, supostamente, o contato com a água tratada teria ocasionado bolhas, vermelhidão e muita coceira. Tal fato, ao que parece, ainda está sob investigação.

MANIFESTAÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

O ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, às fls. 1191/2004, aduziu que, da singela leitura dos pedidos deduzidos na causa de pedir, infere-se que a ação coletiva em pauta tem por ponto controvertido a questão da potabilidade da água do Rio Doce após a passagem do “tsunami de lama” proveniente do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro, localizada no município mineiro de Mariana.

Afirmou que, sem qualquer respaldo científico, e até mesmo de forma contraditória à conduta praticada por ocasião da assinatura do termo de compromisso socioambiental, os autores advogariam a tese de que os parâmetros trazidos pela Portaria nº 2.914/2011, do Ministério da Saúde, não poderiam balizar o controle de qualidade da água do Rio Doce, tendo em vista o quadro de anormalidade instalado pela passagem da “onda de rejeitos e lama”, bem como a imprestabilidade da Resolução CONAMA nº 357/2005 para funcionar como instrumento de aferição do potencial de risco dos contaminantes presentes no Rio Doce, já que sua metodologia não conseguiria distinguir entre “as substâncias que afetam a saúde humana e as inertes”.

Apesar de considerar louvável a preocupação externada pelo Parquet, consignou que a desconfiança por ele lançada sobre as instituições que exercem a atividade de fiscalização e controle da qualidade e potabilidade da água na região de Colatina não mereceria guarida, pelo menos não em cognição rasa, porquanto a tese sustentada na inicial não se encontraria respaldada, minimamente, por um estudo técnico capaz de evidenciar a imprestabilidade ou contaminação da água tratada pelo SANEAR.

Ressaltou que não haveria no seio da Administração Pública (ou dos centros acadêmicos consultados, como, por exemplo, Universidade Federal de Minas Gerais) qualquer espécie de dúvida quanto à qualidade e potabilidade da água tratada, a qual, frisou, viria passando por um processo constante de controle de qualidade, o que afastaria, pelo menos nessa fase embrionária da relação processual, aplicação do princípio da precaução. Neste sentido o teor da declaração da Fundação Nacional de Saúde (fl. 1679), do parecer técnico da Gerência Estratégica de Vigilância em Saúde (fl. 1680), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Saúde, do parecer do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade de Minas Gerais (UFMG – doc. Anexo) e do parecer emitido pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (CESAN), subscrito por profissionais de engenharia química e por químicos (fl. 1677).

Destacou que seria natural o receio da população, afinal as consequências da tragédia ambiental ainda seriam visíveis. Não se poderia admitir, contudo, que profissionais com conhecimento técnico no assunto encampassem esse receio. Inclusive, os órgãos responsáveis pela fiscalização e monitoramento da água do Rio Doce, a fim de desmistificar o medo que se criou em torno do consumo dessa água, teriam lançado informações atestando a potabilidade e atendimento aos padrões estabelecidos na Portaria 2.914/2011, não oferecendo riscos à saúde.

Observou que, prevalecendo a tese ministerial, o Ministério da Saúde deveria editar padrões de potabilidade específicos para cada região do Brasil, conforme as nuances de cada uma delas (como por exemplo, nível de industrialização/urbanização, uso de agrotóxicos, tratamento sanitário etc), o que soaria, com todo respeito, despropositado.

Asseverou que, em relação ao único pedido formalizado em face do Estado do Espírito Santo, seria irrecusável que ao Ministério Público, em sua unidade,  faleceria interesse de agir, nas vertentes da utilidade e necessidade, uma vez que a Administração Estadual jamais se recusou a oferecer segurança e apoio neste momento de tragédia, sendo notória a realização de acordo nos autos do agravo de instrumento nº 0016980-59.2015.8.08.0014, em trâmite junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em que a Polícia Militar se comprometeu a ampliar o efetivo na cidade de Colatina, acordo este que contou com a participação dos Ministérios Públicos Federal e Estadual.

DOCUMENTOS JUNTADOS PELA SAMARCO – FLS. 2005/2008

SAMARCO MINERAÇÃO S/A requereu a juntada de nota sobre a qualidade da água do rio Doce em Colatina, informando que “a água tratada e distribuída em Colatina, está apta para ser utilizada para consumo humano (destinada à ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal), pois atende ao padrão de potabilidade estabelecido na Portaria MS 2914/11 e não oferece riscos à saúde”.        

MANIFESTAÇÃO DA UNIÃO – FLS. 2010/2012

A UNIÃO, às fls. 2010/2012, vem requerer dilação de prazo para se manifestar.

MANIFESTAÇÃO DO SERVIÇO COLATINENSE  DE MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO AMBIENTAL – SANEAR ACERCA DA PEÇA JUNTADA PELO MPF ÀS FLS. 1960/1990 

O SANEAR, às fls. 2013/2018,  mesmo alegando que poderia até requerer o desentranhamento de tais peças dos autos, haja vista manifesta preclusão, pois, como se observaria de rápida análise, seriam todos documentos anteriores à propositura da ação, manifestou-se sobre o teor dos dados juntados.

Afirmou que os exames realizados pelo laboratório MERIEUX NUTRISCIENCES, segundo análise do setor de engenharia química do SANEAR, apresentariam resultados da análise de água bruta no distrito de Regência em Linhares, não se tratando de exames de água tratada no município de Colatina. Além disso, notar-se-ia que, “no dia 17/11/2015, portanto antes da chegada da “pluma” de rejeitos da barragem de Mariana-MG nas captação de tratamento de água em Colatina-ES, o Rio DOCE na altura de Regência-ES já apresentava alguns valores fora do valor máximo permitido  na resolução CONAMA 357, como Carbono Orgânico Total, Cianeto Livre, Fluoreto e Surfactantes (como LAS). Ademais a prefeitura de Colatina-ES está divulgando periodicamente os laudos realizados pelo laboratório Tommasi Analítica Ltda da água tratada nas estações de tratamento de água do SANEAR, mostrando que todos os parâmetros estão de acordo com a Portaria 2914/2011 do Ministério da Saúde, que estabelece os valores máximos permitidos para água tratada em sistemas de abastecimento de água. Além disso, análises vêm sendo feitas em diferentes pontos da cidade pelo laboratório do Sanear e pela FUNASA para garantir a qualidade da água que chega às residências”.

Aduziu, uma vez mais, a necessidade de diferenciação entre os conceitos de água bruta e água tratada.

Por fim, colacionou manifestação do médico Dr. R.S.R, Mestre em Saúde Pública pela USP, acerca das Declarações e fotos do prestados junto ao MPES.

NOVA MANIFESTAÇÃO DO MPF DE FLS. 2019/2235, JUNTADA EM 09/12/2015

O Ministério Público Federal, às fls. 2019/2235, junta novos documentos, após a manifestação das partes, alegando, inclusive, que em Governador Valadares será proposta ação semelhantes a esta, pois os níveis de alumínio, manganês, turbidez e cor aparente, responsáveis pelas alterações do aspecto e sabor da água, apresentaram concentrações superiores aos limites estabelecidos na Portaria do Ministério da Saúde nº 2.914/2011.

Em síntese, é o relatório. DECIDO.

II- DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA- art.273, I do CPC/73 (TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – art.300 do CPC/15)

A análise da antecipação da tutela pressupõe o conhecimento prévio de institutos no qual a antecipação se insere no ordenamento jurídico.  Neste contexto, a antecipação da tutela é espécie de tutela jurisdicional diferenciada.

A doutrina de forma geral tem entendido que a expressão “tutelas jurisdicionais diferenciadas” são aquelas que visam alcançar a efetividade do processo de forma mais completa possível.

Assim, tutelas jurisdicionais diferenciadas se contrapõem ao procedimento ordinário e se fundam nos valores urgência e evidência do direito, possibilitando a efetividade da tutela jurisdicional.

Para antecipar os efeitos da tutela pretendida o art.273 do CPC, diferentemente do CPC/15, exige “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação”, expressões muito criticadas pela doutrina.  Em resumo, inequívoca é a prova com aptidão de formar um juízo de verossimilhança, ou probabilidade para autorizar o julgador a conceder a antecipação da tutela[1].

Entendo que as expressões “prova inequívoca” e “verossimilhança” podem ser definidas como juízo de probabilidade para a concessão da antecipação (outro ponto que é uniformizado pelo CPC/15).

Outrossim, além da probabilidade de existência do direito pleiteado, que é elemento comum a todas as espécies de antecipação da tutela, para a concessão da antecipação da tutela de urgência é necessária também a prova do periculum in mora.

Não perdendo de vista que a técnica antecipatória visa amenizar o dano marginal do processo, expressão de Andrea Proto Pisani para indicar o dano que decorre pelo “simples fato do direito permanecer insatisfeito durante o curso do processo.”[2]

Com efeito, o dano marginal do processo é suportado pela parte que tem razão, face à espera de todo o curso do processo para ter seu direito satisfeito.

Segundo Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes o dano marginal não se confunde com o requisito do periculum in mora (art.273, I do CPC).[3]

Sem embargo, a antecipação de tutela, fundada no inciso I, necessita da demonstração de situação de urgência capaz de gerar perigo de dano ou de ilícito (tutela inibitória) ao requerente.

Como já exposto, os pressupostos para a obtenção da antecipação da tutela de urgência são a verossimilhança da tese do requerente; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, e ausência de perigo de irreversibilidade dos efeitos do provimento antecipado.

Pode-se dizer que a antecipação dos efeitos da tutela é concedida rebus sic stantibus eis que, enquanto o quadro fático no qual fora concedida a antecipação não for alterado, a decisão não deverá ser modificada[4].

Desta forma, em razão da superficialidade da cognição, esta decisão judicial poderá ser alterada, caso o Juiz conclua que a parte não é titular do direito subjetivo que supôs existir.

Donde se conclui que a provisoriedade (antônimo de definitivo) é característica da tutela antecipatória, da qual decorre a impossibilidade de concedê-la com caráter irreversível, eis que a revogação faz cessar os efeitos da medida anteriormente concedida e a modificação pode ser quantitativa ou qualitativa.

Assim, o Juiz concederá a antecipação da tutela verificando a presença de seus requisitos e desde que não sejam irreversíveis os efeitos fáticos do deferimento.

Por conta disso, o requisito inexistência de perigo de irreversibilidade é denominado de “requisito negativo[5]” da antecipação da tutela.

O parágrafo 2º do art.273 estabelece que a mera possibilidade de um risco de irreversibilidade basta para a não concessão da antecipação dos efeitos da tutela.

A expressão “irreversibilidade do provimento antecipado” deve ser entendida no sentido de irreversibilidade dos efeitos do provimento antecipado, ou seja, quando houver impossibilidade material de se voltarem as coisas ao estado anterior, a antecipação da tutela não será admissível. (artigo 273, parágrafo 2°)[6], todavia, a irreversibilidade não é a mera impossibilidade de indenização do réu.

Neste sentido, José Carlos Barbosa Moreira[7] afirma que este pressuposto negativo da antecipação de tutela não se refere ao provimento antecipatório em si, pois este é sempre revogável, conforme o parágrafo 4° do art.273, eis que a antecipação, em seus efeitos processuais, é provisória e nunca poderá ser concedida se não comportar reversibilidade.[8]

É sabido que a decisão que conceder a antecipação de tutela é revogável, pois é proferida sem uma cognição exauriente que observa o devido processo legal, com o contraditório pleno no qual se formará a coisa julgada.

De outro giro, se infere que a irreversibilidade exigida pelo legislador não diz respeito à antecipação da tutela como ato judicial que é reversível, pois pode ser substituída por outra tutela definitiva.

Em outros termos, a reversibilidade exigida diz respeito aos fatos decorrentes do cumprimento da decisão e não a decisão em si mesma.

Portanto, para que seja deferida a antecipação de tutela é necessário que os efeitos práticos produzidos por esta decisão sejam passíveis de retorno ao status quo ante.

Nesse ponto verifico que as medidas requeridas pelos autores são reversíveis.  De outro lado, a irreversibilidade também pode ter como causa o indeferimento da antecipação de tutela.[9]  Desta forma, deve-se afastar o requisito negativo do parágrafo 2º do art.273, pois há casos em que está configurado o “periculum in mora inverso”, eis que há “irreversibilidade recíproca”, isto é, o indeferimento da tutela pode causar um dano mais grave do que o seu deferimento.[10]

Ademais, como bem esclarece Eduardo José da Fonseca Costa, havendo irreversibilidade recíproca deverá o Juiz sacrificar o direito improvável, pois “não há sentido em sacrificar o direito provável ameaçado pelo dano iminente em nome de uma possível, mas improvável, situação de irreversibilidade.”[11]

Todavia, como toda decisão importa em risco, deverá o Juiz “balancear os dois males para escolher o menor”[12].,  tendo como critério a técnica da ponderação de interesses, utilizando-se do princípio da proporcionalidade.

Para Zavascki a falta de relativização do requisito negativo da antecipação da tutela comprometeria “quase por inteiro o próprio instituto da antecipação da tutela.”[13]

Com efeito, assiste razão a Luiz Fux ao afirmar que o legislador foi acanhado ao prever o requisito negativo, desconsiderando a necessidade do ativismo judicial como postulado da efetividade processual.

Neste sentido, Luiz Fux adverte :

"Não se atentou para o fato de que, na grande, maioria dos casos da prática judiciária, as situações de urgência que reclamam a antecipação da tutela geram, inexoravelmente, situações irreversíveis, porque encerram casos em que a satisfação deve ser imediata, como, v.g., aquele em que é autorizada uma viagem, uma cirurgia, ou uma inscrição imediata em concurso etc." [14]

É verdade que não é possível se prever regras abstratas para resolver o conflito entre urgência da medida solicitada pelo demandante e a segurança jurídica do demandado, que impõe a reversibilidade dos efeitos gerados pela antecipação da tutela.[15]

Por outro lado, a concessão da antecipação da tutela pode ser o único instrumento para assegurar o resultado útil do processo para o demandante.

Daí será necessário que o Juiz encontre a solução para o conflito entre a efetividade e a segurança jurídica à luz do princípio da proporcionalidade, para que o núcleo essencial dos direitos fundamentais seja preservado.

Sem embargo, pode-se afirmar que o pedido de antecipação da tutela possa ser atendido, ainda que os efeitos fáticos da antecipação sejam irreversíveis, na medida em que a sua não concessão, ou a sua falta, possa acarretar, em função dos interesses em jogo, prejuízo igualmente irreversível, violando direitos fundamentais concretizadores do valor dignidade da pessoa humana.[16]

Assim, a solução para as hipóteses de irreversibilidade recíproca será recorrer ao princípio da proporcionalidade, com a ponderação do interesse de maior relevância para o direito no caso concreto.[17]

Neste caso, se os interesses em conflito forem de igual valor deve ser tutelado o direito mais provável.[18]

Em outras palavras, quando a concessão da antecipação da tutela for capaz de causar prejuízo irreversível ao direito do demandado, será necessário que o Juiz leve em consideração a natureza dos direitos em litígio.

Por conseguinte, somente se justifica a possibilidade de relativização do requisito negativo da antecipação da tutela com a restrição do valor segurança assegurado ao demandado, quando imprescindível para salvaguardar direitos não patrimoniais.

Fixadas essas balizas, passo a análise do caso concreto para verificar se estão presentes os referidos requisitos necessários para a concessão da antecipação da tutela (probabilidade do direito, periculum in mora e irreversibilidade dos efeitos práticos da antecipação).

2.1- A probabilidade da existência do direito que se busca antecipar

É fato notório que muitas dúvidas foram lançadas sobre a qualidade da água após a chegada da “onda de rejeitos” em Colatina.  Inclusive, o combativo Ministério Público participou da formulação do Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar, em 15/11/2015, por intermédio do qual se estabelecera que “A coleta da água do Rio Doce nos municípios de Baixo Guandu, Colatina e Linhares, antes da passagem da onda de rejeitos, durante a passagem e posteriormente à sua passagem será realizada a fim de que o material coletado seja encaminhado para análise laboratorial ambiental capaz de oferecer resposta a todas as indagações ambientais que possam ser levantadas com base na Resolução 357, de 17 de março de 2005 do CONAMA e da Portaria 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde (...)

Contudo, nesta ação, requer a substituição dos parâmetros previstos na Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde, para a hipótese de nova captação no curso hídrico do Rio Doce em virtude do evento catastrófico que acometeu a região, bem como o reenquadramento deste mesmo corpo hídrico.

Pois bem.

A Resolução CONAMA 357, de 17 de março de 2005, alterada pelas resoluções nº 410/2009 e 430/2011, dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes. O escopo dessa resolução é a proteção dos corpos hídricos, considerando que a água integra as preocupações do desenvolvimento sustentável, baseado nos princípios da função ecológica da propriedade, da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador, do usuário-pagador e da integração, bem como do valor intrínseco à natureza. Portanto, visa, inclusive, ao controle de poluentes, a fim de se evitar o lançamento em níveis nocivos ou perigosos para os seres humanos e outras formas de vida.

Logicamente, não há dúvidas de que a lama que atingiu o Rio Doce estava acima dos padrões dispostos na Resolução CONAMA 357, a ponto de causar grande mortandade de peixes e paralisar, mesmo que temporariamente, a captação de água.

Por seu turno, a portaria nº 2.914/2011 dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, sendo fruto de uma evolução de quase quarenta anos, num processo dialético, envolvendo vários especialistas.  De fato, sobre o tema foram confeccionadas as Portarias BSB nº 56/1977, GM nº 36/1990, MS nº 1469/2000 MS nº 518/2004, até se chegar à MS nº 2.914/2011.

Esta última, fruto da revisão da Portaria nº 518/2004, conforme ressaltado pelo SANEAR, seguiu as seguintes etapas:

  1. Etapa 1 – Planejamento das atividades: Elaboração de estudos, formação de grupo de trabalho, definição dos instrumentos para coleta de contribuições;
  2. Etapa 2 - Desenvolvimento dos Trabalhos - Atualização do Tema I: Das definições, dos deveres e Responsabilidades, das Exigências e das Penalidades; Atualização do Tema II: do Padrão de Potabilidade e dos Planos de Amostragem (Parte B: parâmetros microbiológicos; Parte C: substâncias químicas e padrão de aceitação para consumo humano,  contribuição recebidas pelos instrumentos disponibilizados e Oficinas Macrorregiões de Trabalho) ;
  3. Etapa 3 – Consulta Pública: Formatação da Minuta de Portaria de Potabilidade de água para Consumo Humano; disponibilização do documento em endereço específico da internet no site do Ministério da Saúde;
  4. Etapa 4: Publicação do Diário Oficial da União.

A portaria 2.914/2011, atualmente, regula o padrão de potabilidade de todo o país.

Conforme se depreende, apesar de tratarem do tema “água”, os enfoques são diversos, pois a resolução CONAMA 357 tem por fim controlar o nível de poluição nos corpos d’água, buscando evitar danos ambientais à flora e à fauna que poderiam decorrer de lançamentos de poluentes, ao passo que a Resolução nº 2.914/2011 trata da questão de potabilidade, indicando os dados a serem seguidos para o consumo seguro por parte da população.

Quando se recolhe a água bruta, fazendo sua análise, o objetivo é definir o que existe na composição a fim de ajustar os procedimentos de tratamento para que atinja aos parâmetros fixados pela Portaria nº 2.914/2011.

Evidentemente que deve ser buscado, a todo tempo, melhoria das análises e dos padrões de confiabilidade. Contudo, inegável que, atualmente, o padrão de potabilidade no Brasil, para todas as regiões, segue o disposto na Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde.

Como frisado, as dúvidas sobre a potabilidade aumentaram em virtude das trágicas circunstâncias do ocorrido em 05/11/2015, com o rompimento da barragem de Fundão, Município de Mariana-MG, causando uma onda de rejeitos de minério de ferro e sílica, entre outros particulados, que atingiu o Município de Colatina. Em razão da onda de rejeitos, lama e de outros elementos constantes no Rio Doce, houve a suspensão da captação e da distribuição de água à população (aproximadamente cento e vinte e mil pessoas).

Vale ressaltar que a SANEAR e o Município de COLATINA, com a chegada da onda de lama, rejeitos e outros elementos, suspenderam à captação e distribuição de água na semana anterior a distribuição da presente ACP. A suspensão, conforme explicitado nas informações, fora determinada por precaução, considerando que houve o aumento da vazão na Usina de Mascarenhas, conforme relatório da ANA, o que poderia aumentar o índice de turbidez. Em 23/11/2015 houve o retorno da captação e distribuição da água captada no Rio Doce, após a comprovação de que estaria apta ao consumo humano, enquadrada dentro dos parâmetros fixados na Portaria nº 2.194/2011 do Ministério da Saúde, conforme se infere dos laudos da SANEAR e o município de COLATINA (Anexo I – laudos do SANEAR e MUNICÍPIO).

Os doutos MPES e MPF submeteram esses dois laudos à análise de suas equipes técnicas, que, respectivamente, em 21/11/2015 e 23/11/2015, fizeram relevantes questionamentos acerca dos referidos laudos do SANEAR e do MUNICÍPIO, apontando suspeitas sobre a qualidade da água, sua aptidão para consumo humano e utilização no cotidiano.

O relatório da Secretaria de Apoio Pericial do MPF, na mesma linha, consigna, resumidamente, o seguinte (ANEXO III):

"inexiste indicação do responsável pela coleta da água;

a análise emitiu relatório parcial somente para metais. Deixou de especificar outros parâmetros;

o laudo apresentado pelo 1º réu apontou que, somente o parâmetro manganês, está em desacordo;

o laudo deixou dúvidas com relação ao parâmetro alumínio; Concluindo que inexistem elementos para emissão de parecer conclusivo no sentido de que o 1º requerido possa captar e distribuir água, pois há necessidade de providenciar novas coletas e análises.

Seguiu-se a apresentação, pelos dois primeiros requeridos, de novos laudos (ANEXOS IV): da Cesan, realizado em 21.11.2015, cujo teor atestou que a amostra apresenta manganês fora dos padrões de potabilidade, e do Laboratório Tommasi, realizado em 23.11.2015, atestando a aptidão da água.

Diante desses novos laudos, os dois primeiros requeridos consideram que a água captada no Rio Doce, mesmo com lama, rejeitos de minério e outras partículas, estaria apta ao consumo humano, confrontando as análises realizadas pelos técnicos do MPE e MPF"

Não se pode negar a relevância desses questionamentos lançados pelos especialistas, que colocaram em dúvida o acerto da conclusão dos laudos do SANEAR e do MUNICÍPIO de Colatina, que serviram de base para o restabelecimento da captação da água em 23/11/15.  Contudo, uma vez mais, convém ressaltar que laudos de água bruta servem para definir o que existe na composição a fim de ajustar os procedimentos de tratamento para que atinja aos parâmetros fixados pela Portaria nº 2.914/2011.

 

O laudo do agente técnico do CAOA, Sr. E. C., concluiu em síntese que seria necessário manter a interrupção da distribuição da água, até que fossem resguardados elevados níveis de segurança em relação à distribuição, especialmente, à vista do desconhecimento acerca da duração do evento e dos níveis de contaminação do Rio Doce e advertiu quanto à necessidade de monitoramento mais amplo e permanente da água tratada (fl.81), considerando que eventos climáticos poderiam alterar a qualidade da água, devendo a interrupção do fornecimento ser mantida até se confirmar os parâmetros de potabilidade da água nos termos da Portaria 2.914/2011, no mínimo através de três relatórios analíticos consecutivos ou através de critérios técnicos que assegure condições de potabilidade da água distribuída a população.

 

Nesse panorama, foram apresentadas mais de três laudos que confirmaram os parâmetros de potabilidade da água, feitos por laboratório credenciado e com o “aval” de inúmeros órgãos de fiscalização, atendendo, a priori, a recomendação do técnico do MPF.

 

Não se pode perder de vista a obrigação do Estado de prevenir problemas futuros causados à saúde pela concentração de metais pesados na água captada do Rio Doce (fl.168).

Nesse ponto o parecer técnico de fls.168/170 trouxe a seguinte observação, verbis:

"Logo, mesmo que ocorra uma alteração no tratamento da água com a mudança do coagulante (uso do tanino de acácia negra), os altos índices de turbidez requer adição de maior concentração de produtos químicos na água para alcançar os padrões de potabilidade da Portaria Nº 2.914/11."

Apesar da alegação que haveria necessidade de adição de maior concentração de produtos químicos, não ficou claro quais seriam esses produtos. Além disso, os órgãos responsáveis pelo tratamento informaram que os laudos levaram em consideração a utilização desse produto (tanino de acácia negra), o qual se mostrara mais eficiente que o tradicional sulfato de alumínio, pois não causaria alteração no ph da água, ao contrário do método tradicional de tratamento (utilização do sulfato de alumínio).

O laudo técnico à fl.172 trouxe as conclusões do parecer técnico do MPF, ao assinar os riscos da captação da água do Rio Doce:

"Somente as análises físico-químicas e microbiológicas tradicionalmente realizadas, cujos limites encontram-se estabelecidos nas legislações ambientais (CONAMA 357, 17/mar/2005) e portarias que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade (Portaria nº2914, 12/dez/2011, Ministério da Saúde), não são capazes de distinguir entre as substâncias que afetam a saúde humana, das que são inertes. Por isso, não são suficientes para avaliar o potencial de risco dos contaminantes para a saúde, em se tratando de amostras de natureza química complexa, como é o caso de efluentes e corpos hídricos potencialmente contaminados (como é o caso do Rio Doce), os quais são constituídos por uma variedade de substâncias químicas. Além disso, somente com a identificação e a quantificação dessas substâncias não seria possível estimar os efeitos que elas apresentam sobre a saúde humana, uma vez que a atividade de uma substância pode depender de suas interações (Efeito Sinérgico) com os outros componentes do efluente, incluindo aqueles que não são tóxicos, mas que afetam as propriedades químicas ou físicas do sistema podendo atingir de forma deletéria o organismo humano.

Os sistemas aquáticos naturais (corpos hídricos = Rio Doce) são abertos e dinâmicos e por isso sofrem modificações contínuas na sua composição química (por isso a necessidade de análise constante da qualidade da água captada e distribuída).

Contaminantes contidos no meio-ambiente (água e alimentos, inclusive), mesmo em quantidades pequenas, podem ser retidos no organismo humano e provocar efeitos deletérios quando níveis elevados são atingidos. Os processos de acumulação nos organismos envolvem, principalmente, a bioconcentração e a bioacumulção. A bioconcentração é o processo pelo qual uma substância química é absorvida pelo organismo por meio das superfícies respiratórias e dérmicas, ou seja, a exposição ao contaminante por meio da dieta alimentar não é incluída. A bioacumulação é um termo mais abrangente que inclui todas as rotas de exposição ao contaminante, inclusive a dieta alimentar (consumo de água, por exemplo). Os efeitos deletérios provocados pela ação dos contaminantes na água podem provocar consequências diretas perda qualidade da sua saúde humana, tanto por efeitos da bioconcentração quanto por efeitos da bioacumulação.

Para o caso específico da distribuição da água tratada a partir da captação de água bruta no Rio Doce, os conceitos de sinergia, bioconcentração e bioacumulação (apesar do pouco tempo, desde o rompimento da Barragem da SAMARCO) devem ser considerados, para um correto diagnóstico dos efeitos imediatos e a longo prazo pelo consumo de água na saúde da população.

T. C. C. - Engenheiro Químico CREA RS206237.”  Grifei

 Sem olvidar o teor do excelente trabalho desenvolvido pelos atuantes autores e seus técnicos, a tese esposada acima requer um amplo trabalho analítico a ser desenvolvido por toda comunidade científica, a exemplo do que fora realizado quando da elaboração da Portaria nº 2.914/2011 e resolução CONAMA nº 357, mesmo porque poderia se chegar à conclusão de não afetação dos organismos no decorrer do tempo, tendo em vista ainda se encontrar no campo da possibilidade. Não se pode perder de vista que o enquadramento de corpos d’água não é mera classificação, mas instrumento de planejamento que deve, a todo tempo, buscar aprimoramentos.  Entretanto, objetivamente, atualmente temos como parâmetros científicos concretos a serem observados, as normativas acima descritas.

Ressalto a importante alegação dos autores de que, o desastre ambiental ocorrido e as consequências catastróficas enfrentadas pelos municípios atingidos, reforçam a necessidade de intensificação da fiscalização realizada pela ANA e UNIÃO, acompanhadas de informações formalmente disponibilizadas aos cidadãos, conferindo confiabilidade à água fornecida. Contudo, afastar a aplicabilidade dos parâmetros fixados pela legislação federal (Portaria nº 2.914/2011), tendo em vista o caráter extraordinário da tragédia ambiental, bem como da resolução CONAMA nº 357, seria, a princípio, desproporcional, pois estas são os parâmetros atuais a balizar a classificação dos corpos de água, fixando diretrizes ambientais para o seu enquadramento, condições e padrões de lançamento de efluentes, além de disponibilizar limites às análises físico-químicas e microbiológicas. Além disso, desconsiderá-las, seria, a princípio, desconsiderar todos os estudos realizados até o momento para a confecção de ambos os normativos.

Sabe-se que diante de incertezas, apenas o trabalho técnico, ancorado por parâmetros bem delineados, pode levar a redução de dúvidas, e, primordialmente, garantir a tranqüilidade de tão abalada população. A interrupção da distribuição de água, não só à população de Colatina, mas de qualquer comunidade, é medida extremada, somente permitida quando ausentes elementos que indiquem a possibilidade de utilização de tão precioso bem.

Objetivamente, não é o que se verifica, a priori, dos laudos e manifestações acostadas pelas partes, a seguir transcritas:

Parecer sobre a água tratada e distribuída, emitido pelo SANEAR de Colatina:

"Desde a chegada da pluma da lama proveniente do rompimento da barragem da Samarco em Colatina, atendendo a uma solicitação do Governo do Estado do ES, equipe técnica da CESAN tem acompanhado os técnicos dos SAAEs, dando suporte ao tratamento de água, auxiliando nos ensaios de tratabilidade da água iniciados no dia 20/11/15 e na realização de coleta e análises da qualidade da água.

Os trabalhos foram conduzidos para otimizar a operação com uso do coagulante que mostrou mais eficaz, polímetro orgânico catiônico de origem vegetal (Tanfloc SG), atestado pelos resultados dos parâmetros básicos no pós tratamento. Amostras coletadas no dia 21-011/15 e analisadas pela CESAN (50558/15 e 50559/15), Laboratório LIMINUS (14306/15) e Laboratório Tommasi (002-6388770-01) demonstram que a água produzida estava de acordo os padrões de potabilidade para substâncias químicas que representam risco à saúde estabelecidos pela Portaria do Ministério da Saúde, Nº 2914/2011. Como o resultado para o parâmetro manganês, que pela Portaria MS nº 2614/11 é um padrão estético, padrão de aceitação (organoléptico [19]), o valor obtido na água filtrada foi de 0,15 mg/L, ligeiramente acima dos estabelecido (0,1 mg/L), foi então implementado na ETA a aplicação de um produto complexante, ortopolifosfato[20]. Para essa nova condição, a Portaria prevê em seu a Art. 39: inciso 3 que valores superiores ao Valor Máximo Permitido, sejam admitidos desde que a concentração não ultrapasse 0,4 mg/L.

Com o acompanhamento técnico operacional e os resultados das análises realizadas nos dias 23,24,25,26,27, 29 e 30 de novembro de 2015, em especial as de metais, nas ETAs que estão utilizando o rio Doce como manancial de abastecimento, podemos atestar que a água tratada e distribuída em Colatina, está apta para ser utilizada para consumo humano (destinada à ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal), pois atende ao padrão de potabilidade estabelecido na Portaria MS 2914/11 e não oferece riscos à saúde."

No mesmo sentido, declaração oriunda da FUNASA – FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE:

"A Fundação Nacional de Saúde – Superintendência Estadual do Espírito Santo (FUNASA/SUEST-ES), órgão de apoio ao controle de qualidade da água para consumo humano, em acordo com a portaria 2914/2011 (capítulo 9º) e com o estabelecido pela portaria FUNASA 190/2014 (capítulo II, artigo 2º, parágrafo 1º), declara que diante dos laudos apresentados para atestar amostras de água proveniente do serviça de abastecimento do município de Colatina/ES, analisados pelo laboratório TOMMASI ANALÍTICA LTDA, e divulgado pelos laudos de números: 002-63883-121(01), 002-63883120 (01), 0025-63883-122 (01), 002.63886-58 (01), 002-63886-57 (01) e 002-63886-56(01), estão de acordo com os limites permitidos pela legislação vigente (Portaria 2914/2011), para os parâmetros analisados pelas amostras coletadas. Destaco também que as ações de apoio desenvolvidas pela FUNASA corroboram a qualidade da água para o consumo humano, do ponto da vista físico-químico e bacteriológico, das amostras analisadas dentro da Estação de Tratamento número 2 localizada no bairro Aparecida e nos pontos determinados para coleta na cidade."

A Gerência Estratégica de Vigilância em Saúde (Secretaria do Estado da Saúde) emitiu parecer nos seguintes termos:

"Parecer técnico sobre a potabilidade da água tratada na Cidade de Colatina-ES

Segundo os laudos de análise da água tratada nas Estações de Tratamento (ETA’S) I, II e IV, que fazem captação no Rio Doce, emitidos pelo laboratório Tommasi Analítica LTDA, (RELATÓRIO ANALÍTICO PARCIAL 002-63885-2-01, 002-63885-5-01 e 002-63885-6-01, respectivamente), referentes à coletas realizadas no dia 29/11/2015, as amostras analisadas encontram-se dentro dos Padrões de Potabilidade previstos pela Portaria MS Nº 2914 de 12/12/2011 que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.

Os laudos emitidos pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (CESAN) de coletas efetuadas em data anterior, 21/11/2015, na ETA II, mostra concentração ligeiramente superior do Valor Máximo Permitido (VMP) para o Manganês. Conforme estabelecido pela Portaria MS Nº 2914 de 12/12/2011 o VMP para o Manganês é de 0,1 mg/L e o valor encontrado pelos laudo de CESAN (Relatório de Ensaio 50558 e 50559) foi de 0,15 mg/L.

A Portaria MS Nº 2914 de 12/12/2011 mostra que para este elemento químico o controle do VPM deve ser realizado devido a suas propriedades organolépticas de potabilidade sendo que o mesmo não consta na lista de substâncias químicas que representam risco à saúde. Além de tal valor não indicar riscos à saúde do consumidor, a mesma portaria faz uma ressalva em seu Art.39, alínea 4, item III, admitindo concentração de manganês até um limite de 0,4 mg/L.

Considerando-se, ainda, que laudos mais recentes emitidos pela Tommasi Analítica LTDA (RELATÓRIO ANALÍTICO PARCIAL 002-63886-57-01), de coletas efetuadas no dia 30/11/2015, referente à ETA II, mostram concentração de manganês abaixo do VMP, 0,018 mg/L, e ainda que todos os outros parâmetros analisados estão dentro dos limites padronizados  pela Portaria MS Nº 2914 de 12/12/2011, podemos dizer que a água distribuída à população encontra-se dentro dos critérios preconizadas pelo legislação da qualidade da água para consumo humano atualmente vigente."

A UFMG também consignou:

"Parecer sobre a condição  potabilidade da água de abastecimento de Colatina-ES

Os laudos de análise de água (Relatório de Ensaio 50559 da CESAN e Relatório de Ensaio 14306 do laboratório LIMNOS) indicam que as águas analisadas enquadram-se dentro do Padrão de Potabilidade (Portaria MS 2914/11), exceção feita unicamente ao metal manganês. Para este elemento químico, que não apresenta características tóxicas e que não consta da lista de substâncias químicas que representam risco à saúde, conforme estabelecido pela mesma Portaria, foram registradas, respectivamente, concentrações de 0,15 mg/L e 0,14 mg/L, ligeiramente superiores ao limite de 0,1 mg/L determinado pela legislação.

Além de tais valores não proporcionarem qualquer agravo à saúde do consumidor, eles encontram respaldo no Artigo 39, alínea 4, da referida Portaria, onde admite-se teores superiores para ferro e manganês, desde que o metal esteja complexado com produtos químicos de baixo risco à saúde e que os outros parâmetros não tenham sido violados, fixando-se, nestes casos, um limite máximo de 0,4 mg/L para a concentração de manganês total. Considerando-se que todos os outros parâmetros analisados enquadram-se nos limites determinados pela Portaria e que não se observa a presença de metais pesados (metais traço) em concentrações acima do referenciado por este dispositivo legal, excluindo-se, desta forma, a possível ocorrência de danos à saúde do consumidor, conclui-se que as águas analisadas podem ser plenamente disponibilizadas à comunidade sem qualquer preocupação de ordem sanitária."

O Ministério Público de Minas Gerais também divulgou resultados de análises laboratoriais da qualidade de água no Rio Doce, atingida mais intensamente pelos rejeitos, com especial destaque para a notícia do dia 01/12/2015, da seguinte maneira:

"O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recebeu ontem, 30 de novembro, parecer da Comissão Técnica Científica da Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares (UFJF –GV) quanto aos laudos de análise da água do rio Doce emitidos pelo laboratório de Engenharia Química, Sanitária e Ambiental (Engequisa).

O parecer conclui que as amostras coletadas nas Estações de Tratamento de Água (ETA’s) Centro e Santa Rita não apresentam indícios de insegurança para o consumo humano e que o processo de tratamento é capaz de baixar a concentração de elementos potencialmente tóxicos, removendo-os durante o processo de floculação/decantação.

No entanto, o parecer recomenda a continuidade do monitoramento da qualidade da água produzida nessas ETAS, já que a composição da água do rio pode flutuar em virtude de variáveis como o clima e as chuvas.

As amostras de água e sedimentos foram coletadas nos dias 19 e 20 de novembro no rio Doce e nas Estações de Tratamento (ETAs) Centro e Santa Rita. Nas amostras coletadas diretamente do Rio Doce, os elementos químicos chumbo, cromo e manganês estão acima do padrão estabelecido. Também foram encontrados metais nas amostras de sedimentos e, por isso, recomenda-se cuidado com o contato direto com a lama do fundo do Rio Doce."

O IFES – CAMPUS VITÓRIA também realizou análise, atestando o seguinte:

"Parecer sobre a condição de potabilidade da água produzida pelas estações de tratamento de Colatina-ES (ETA I, ETA II, ETA IV e ETA Ifes Itapina)

Os laudos de qualidade da água utilizados para esta análise (relação abaixo) foram produzidos pela Laboratório Tommasi e se referem a         Água Tratada produzida pelas estações: ETA I (de 24 a 30/11/2015), ETA II (de 21 a 30/11015), ETA IV (de 26 a 30/11015) e ETA Ifes Itapina (27/11015). Os resultados apresentados para as substâncias químicas monitoradas indicam conformidade com os limites estabelecidos pelo Padrão de Potabilidade (Portaria 2914/11) não representando, portanto, risco à saúde de população.

Especificamente na ETA II, no dia 21/11/2015, pôde-se observar alterações nos resultados do parâmetro manganês, elemento que não apresenta características tóxicas, e é classificado como um padrão organoléptico (que pode provocar estímulos sensoriais podendo limitar sua aceitação para o consumo humano). Entretanto, nos dias subseqüentes, a alteração não foi mais observada.

Cabe ressaltar que o monitoramento das águas tratadas deve ser contínuo, segundo as diretrizes apresentadas na Portaria 2914/11, mantendo-se as condições operacionais adequadas à situação.

Laudos ETA I – Relatório Analítico Parcial: 002-63881-26; 002-63881-159; 002-63882-10; 002-63883-121; 002-63884-6; 002-63884-50; 002-63884-54; 002-64885-3; 002.63885-2; 002-63886-58

Laudos ETA II – Relatório Analítico Parcial: 002-63877-70; 002-63880-15; 002-63881-25; 002-63881-156; 002-63882-12; 002-63883-120; 002-63884-7; 002-63884-49; 002-63884-51; 002-63885-1; 002-63885-5; 002-63886-57

Laudos ETA IV – Relatório Analítico Parcial: 002-63883-122; 002-63884-5; 002-63885-4; 002-63885-6; 002-63886-56

Laudos ETA IV - Relatório Analítico Parcial: 002-63884-8"

Sobre o uso de coagulantes para o abastecimento de água na cidade de Governador Valadares-MG, foi descrito:

"Parecer sobre o uso de coagulantes para o abastecimento de água na cidade de Governador Valadares-MG.

O acidente ambiental ocorrido com o rompimento de barragens de rejeitos da SAMARCO Mineração provocou o aporte de uma grande quantidade de sólidos suspensos ao Rio Doce, fato este que levou à interrupção do fornecimento de água à população de Governador Valadares. Estudos feitos na principal Estação de Tratamento de Água desta cidade, realizados principalmente em 13/11/15, coordenados pela SAMARCO e contando com a participação de diversos técnicos do SAAE, da COPASA e de consultores, evidenciaram sucesso com a utilização do produto coagulante Tanfloc, seguido da adição de polímeros em baixas concentrações. Desta forma não se concretiza a necessidade de aplicação de produtos químicos no próprio corpo da água. Caso a eficiência dos testes não comprovasse a possibilidade de se atingir condições de potabilidade na água tratada, seria recomendada a incorporação in situ de coagulantes em concentrações inferiores aos limites ecotoxicológicos divulgados nas respectivas fichas de segurança dos produtos (E. V. S. – Professor Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG)"

Além disso, não se pode perder de vista que, até o dia 03/12/2015, mais de seiscentos laudos, emitidos por laboratório credenciado pelo INMETRO, atestaram que a água atende aos parâmetros da Portaria nº 2.914/2011.

Após a análise detida dos argumentos acima delineados, ressalto, uma vez mais, que o cerne da questão diz respeito aos parâmetros adotados pela resolução CONAMA nº 357 e a Portaria nº 2.194/2011 do Ministério da Saúde, que por utilizarem análises físico-químicas e microbiológicas tradicionalmente realizadas, segundo a ótica dos autores, não seriam aptos a distinguir entre as substâncias que afetariam a saúde humana e as inertes, sendo, talvez, um instrumento inadequado à medição do potencial de risco dos contaminantes.

Em outros termos o cerne da demanda reside em se aferir se a resolução do CONAMA nº 357 e a Portaria nº 2.914/2011 são capazes de garantir com segurança a potabilidade da água considerando o quadro de poluição (lama de rejeitos) existente no Rio Doce.

Em que pese o brilhantismo da tese esposada pela parte autora, bem como sua legítima preocupação com a incolumidade física de toda população, é inconteste que, objetivamente, os inúmeros laudos e pareceres dão conta de que os padrões de potabilidade descritos na Resolução nº 2.914/2011, foram atingidos, mostrando-se desproporcional a paralisação da captação de água com base em uma tese que deveria, a princípio, passar pelo crivo de toda a comunidade científica, em amplo processo dialético, na esteira da necessária legitimidade pelo procedimento, conforme leciona Jürgen Habermas[21].  

Ademais, agir de forma contrária, causaria a revogação de uma portaria emitida pelo Ministério da Saúde que tem abrangência em todo o território nacional.

Inclusive, os próprios autores, no que toca ao pedido liminar de número 4.6, requerem a condenação do SANEAR, MUNICÍPIO DE COLATINA e SAMARCO na obrigação de fazer, consistente em apresentar projeto técnico que preveja a adoção de fontes alternativas de captação de água diante da interrupção da captação no curso do Rio Doce, com cronograma de implementação das intervenções necessárias, de modo a restabelecer a distribuição de água para a população de acordo com os parâmetros da Portaria nº 2.914/2011. Ou seja, a princípio, fazem crer que tal parâmetro, estipulado pelo Ministério da Saúde, é o que deve ser utilizado quando do tratamento da água.

Sobre o pedido de fontes alternativas de captação da água,  inclusive, há informação de que o projeto seria apresentado pela empresa SAMARCO até 07/12/2015, de acordo com o estipulado no TAC, e, após, o Município teria 10 (dez) dias para analisar sua aprovação.

Nesse enfoque, percebe-se que as tratativas estão sendo desenvolvidas, devendo ser fiscalizadas pelos signatários do termo. O mesmo se diga em relação à disponibilização de segurança pelo Estado do Espírito Santo, conforme acordo firmado no Agravo de Instrumento nº 0016980-59.2015.8.08.0014, em trâmite junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, sendo, a princípio, desnecessário o pedido contido no item 4.10 da inicial.

No que toca à documentação colacionada pelo MPF às fls. 1961/1990, de fato, conforme assinalado pelo SANEAR, tratam-se de exames realizados pelo laboratório MERIEUX NUTRISCIENCES apresentando resultados da análise de água bruta no distrito de Regência em Linhares, antes da chegada da pluma de rejeitos, não guardando, a princípio, correlação com o caso em análise nestes autos, bem como possuindo, naquela ocasião, valores fora do valor máximo permitido na resolução CONAMA nº 357. Além disso, ao que parece, a investigação sobre o que poderia ter causado bolhas na mão do Sr. J.L. não fora concluída. De toda sorte, a avaliação preliminar feita pelo Dr. R. S. R., Mestre em Saúde Pública pela USP, indica que, como não existe registro quanto a água do banho deste senhor, não há como atestar que fosse esta a causadora da reação alérgica, devendo ser consideradas as atividades desenvolvidas pelo mesmo no dia que antecedera ao distúrbio, pois outros agentes poderiam acarretar o problema (frutas cítricas e exposição ao sol, por exemplo).

É certo que o direito à saúde (art.196 da CRFB) é um direito fundamental de segunda dimensão, que dá origem a uma relação obrigacional do Estado para com os cidadãos, consubstanciado em prestações positivas e negativas visando à prevenção e ao tratamento de doenças.

No caso em tela, a insegurança sobre a qualidade da água pode trazer consequências nefastas à saúde das pessoas, principalmente as comunidades mais carentes que não dispõe de recursos para usar água mineral no preparo de sua alimentação diária.

Daí infere-se da garantia do principio da dignidade da pessoa humana o reconhecimento, pelos poderes do Estado, de que a saúde é prerrogativa jurídica indisponível assegurada a todas as pessoas pela própria Constituição, e que por força do principio da precaução em caso de duvida razoável sobre os efeitos de um dano ambiental se recomenda a adoção de medidas preventivas da ocorrência de danos ainda desconhecidos num primeiro momento.

O princípio da precaução está baseado em duas premissas, quais sejam, a possibilidade de que condutas humanas causem danos coletivos vinculados a situações catastróficas que podem afetar o conjunto de seres vivos; e a falta de evidência científica (incerteza) a respeito da existência do dano temido. Não parece ser o caso dos autos, ante os inúmeros laudos e pareceres de especialistas, bem como as manifestações dos órgãos fiscalizadores.

Nesse ponto, merecem destaque as lições de Paulo Affonso Leme Machado[22]:

"I – Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência.

II – Possibilidade de inversão do ônus da prova, cabendo àquele que pretende exercer uma dada atividade ou desenvolver uma nova técnica demonstrar que os riscos a ela associados são aceitáveis.

III – In dubio pro ambiente ou in dubio contra projectum.

IV – Concessão de um espaço de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites de tolerância ambiental não devem ser forçados, ainda menos transgredidos.

V – Exigência de desenvolvimento e introdução de melhores técnicas disponíveis.

VI – Preservação de áreas e reservas naturais e a proteção das espécies.

VII – Promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma dada atividade."

O princípio da precaução requer que as políticas e decisões que apresentem significativos riscos ambientais sejam precedidas de estudos de avaliação do impacto ambiental, os quais podem constituir um relevante instrumento do princípio da precaução, na medida em que contribuem para assegurar que as decisões sejam tomadas com base na melhor informação científica disponível. Nesse contexto, no caso dos autos, não há como negar que a portaria nº 2.914/2011 traduz-se como “melhor informação’, sendo esta a normativa nacional a tratar da potabilidade da água, resultado de quase quatro décadas de aprimoramento.

“A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta. A precaução deve ser visualizada não só em relação às gerações presentes, como em relação ao direito ao meio ambiente das gerações futuras.[23]

Por certo, a tendência é que com a evolução tecnológica sempre sejam aprimorados os estudos, inclusive para revisão e aprimoramento das portarias em vigência.

Nessa ordem de idéias, a presunção de legitimidade da Resolução nº 357 do CONAMA e da Portaria nº 2.194/2011, cujos parâmetros são impugnados pelos autores, e defendidos pelos réus em suas respostas, com a juntada de diversos documentos técnicos ressaltando a potabilidade da água tratada (fls.560/1953), deve ser vislumbrada sob a ótica de uma medida judicial parcimoniosa.

Abro um parêntese para frisar que como moradora de Colatina suportarei eventuais consequências fáticas da minha escolha, o que me torna mais cautelosa na análise do caso em tela.

Explico.

A declaração juntada pelo MPF (fls.1960/1990), emitida pelo Sr. J.L., no qual informa que, supostamente, o contato com a água tratada teria ocasionado bolhas, vermelhidão e muita coceira. Tal fato, ao que parece, reforço, ainda está sob investigação, portanto não é prudente concluir que as irritações na pele do declarante foram causadas pelo uso da água tratada do Rio Doce.

Logo, como eu e minha família utilizamos a água captada e tratada do Rio Doce para banho e higiene pessoal, podemos ser eventuais vítimas da sua alegada falta de potabilidade.  Isso me torna mais responsável pela decisão desse caso concreto.

Outro ponto importante a ser analisado diz respeito ao pedido liminar em face da SANEAR, do MUNICÍPIO DE COLATINA e à SAMARCO consistente na obrigação de apresentar projeto técnico que preveja a adoção de fontes alternativas de captação de água.

Inicialmente, algumas considerações preliminares sobre as águas.

Estudos feitos pelo Fundo Mundial da Natureza (“Wold Wide Fund”- WWF), advertiam no ano de 2000, que se o consumo de água não for reduzido, por volta de 2008 teríamos sessenta por cento da população mundial sem água suficiente ou, recebendo água suja para atender suas necessidades, tendo em vista que o consumo de água dobra a cada vinte e cinco anos que se passa.

"Um amplo estudo do Fundo Mundial da Natureza, a Campanha Viva água, propõe reunir governos, empresas e grupos ecológicos numa grande operação para proteger mananciais, recuperar zonas úmidas, melhorar a captação e o transporte, reimplantar florestas para recuperar lençóis freáticos e planejar o sustentável dos rios."[24]

Outrossim, a água não se encontra distribuída de maneira uniforme pelo mundo, e o Brasil tem o privilégio de possuir cerca de oito por cento de toda água doce do mundo, além de ter em seu subsolo um imenso depósito aquífero com algo em torno de cento doze bilhões de metros cúbicos de água.

Se por uma lado a Terra tem setenta e cinco por cento da sua superfície coberta por água, sendo que noventa sete por cento dela se encontra nos oceanos, três por cento formam os rios, e dois por cento estão nos pólos.  Por outro lado, salta aos olhos a escassez cada vez mais presente de água doce, e potável, que está relacionada com diversos fatores como a falta de chuvas em algumas regiões do globo, bem como a poluição de alguns dos mais importantes rios do mundo, como o Ganges, na India, o Nilo, no Egito, que se transformaram em grandes depósitos de esgoto[25].

Os grandes rios do planeta como o Amarelo, na China, e o Colorado, nos Estados Unidos já se encontram ameaçados pela poluição, restando ainda em bom estado de conservação apenas o rio Amazonas, no Brasil e o Congo, na África.

"Indústrias químicas fazem estragos a toda hora- como a mineradora romena que deixou vazar cianeto nas águas do Danúbio, em fevereiro passado, matando 50 mil toneladas de peixes. "[26]

Cabe ressaltar, que uma grande fonte de ameaça para o rio Amazonas é o mercúrio, deixado pelas mineradoras e garimpeiros nas suas águas.

Podemos apontar como grandes fontes de poluição dos rios e mares: os superpetroleiros, os grandes portos, que lançam grandes manchas de produtos químicos nas águas, e os esgotos que sem dúvida é uma das maiores causas de poluição das águas dos mares, rios e lagos.

Destaco que em artigo em coautoria com o Prof. José Ailton Garcia, já tive a oportunidade de refletir a respeito da natureza jurídica das águas no Brasil[27], verbis:

"Sob o ponto de vista jurídico a água é um bem de domínio público. É um bem ambiental de uso comum do povo e indispensável à sadia qualidade de vida.  É um recurso natural limitado e dotado de valor econômico. As águas públicas integram o meio-ambiente, portanto fazem parte do direito à tutela ecológica, direito fundamental de terceira dimensão ou geração[28], servindo o meio ambiente equilibrado à manutenção da saúde e da vida das gerações presentes e futuras (art. 225 da Constituição Federal).

Com efeito, a tutela dos recursos hídricos como direito fundamental difuso tem merecido atenção dos titulares da legitimidade concorrente para a propositura de ações coletivas, dentre as quais se destacam inúmeras ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Federal[29]."

Em decorrência, tem-se a relevância desse bem escasso e essencial à vida é oportuna à elaboração de um projeto técnico que preveja a adoção de fontes alternativas de captação de água, pois não é possível afirmar que o atual quadro de poluição das águas do Rio Doce será o único e último problema ambiental que compromete a captação de suas águas.

Logo a busca de novas fontes de captação de água será capaz de diminuir os danos ocasionados por intempéries ambientais que comprometam a utilização da água do Rio Doce, seja pela excessiva poluição ou pelo baixo nível de suas águas antes do atual quadro de poluição de suas águas (lama de rejeitos). Contudo, no TAC já foi imposta tal obrigação à empresa.  Assim, caberá aos autores, tão somente, fiscalizar o pleno cumprimento das medidas ali dispostas.

No que toca às ETA’s, considerando que a água ali tratada atinge o padrão de potabilidade da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde, conforme estipulado no TERMO DE COMPROMISSO PRELIMINAR, não há que se falar em interrupção de suas atividades, devendo ser mantida, eficazmente e regularmente, a fiscalização das condições sanitárias pelos órgãos responsáveis.

Reforço, como descrito no início deste decisum, que havendo irreversibilidade recíproca deverá o Juiz sacrificar o direito improvável, pois “não há sentido em sacrificar o direito provável ameaçado pelo dano iminente em nome de uma possível, mas improvável, situação de irreversibilidade.” [30]

A priori entendo nessa análise perfunctória própria da cognição sumária, máxime levando-se em consideração a conclusão de diversos documentos técnicos juntados pelos réus, dentre os quais destaco os laudos produzidos entre 24/11/2015 a 1/12/2015 (fls. 1534/1676), devo por ora concluir que a água tratada com TANFLOC, dentro dos padrões da 2.914/2011, é potável e apta ao consumo.

Concluir forma diferente seria temerário, haja vista a necessidade de uma pericia judicial para afastar a celeuma quanto aos parâmetros adotados pela resolução CONAMA nº 357 e a Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde.

No que toca a última manifestação do MPF, colacionada às fls. 2019/2235, após a manifestação das partes, na qual alega, inclusive, que em Governador Valadares será proposta ação semelhante a esta, pois os níveis de alumínio, manganês, turbidez e cor aparente, responsáveis pelas alterações do aspecto e sabor da água, apresentaram, naquela região, concentrações superiores aos limites estabelecidos na Portaria do Ministério da Saúde nº 2.914/2011, não invalidam, a meu sentir, as conclusões acima expostas, na medida em que o entendimento que se extrai deste decisum é de se permitir a distribuição de água à população quando for possível, sem a menor dúvida, garantir-se os parâmetros desta normativa.

Conclusão

Do cotejo entre as considerações de fato e de direito até aqui expostas decorrem a configuração da verossimilhança da tese defensiva que autorizariam o INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DA CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA proveniente do Rio Doce postulado pelos autores.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de interrupção da captação e distribuição de água proveniente do Rio Doce, desde que observados os parâmetros da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde ou outra normativa que vier a substituí-la.

Ressalto, contudo, que o fornecimento de água mineral deverá continuar pelo prazo de 7 (sete) dias, a fim de que possa ser amplamente divulgado o resultado das análises de potabilidade, de acordo com a Portaria 2.914/2011 do Ministério da Saúde, inclusive com cópias dos laudos dos laboratórios credencidados, nos meios de comunicação, a fim de que a população possa ser cientificada e tranqüilizada, evitando-se eventuais tumultos que causem pânico. Por evidente, as análises de potabilidade deverão ser mantidas, bem como o cumprimento dos termos do TAC, principalmente no que tange à criação das estações de tratamento alternativas.

Citem.

P.I.

 

Colatina-ES, 13 de março de 2016.

(Assinado eletronicamente – Lei nº 11.419/06)

MÔNICA LÚCIA DO NASCIMENTO FRIAS

Juíza Federal Titular

Fonte: Justiça Federal - Seção Judicial do Espírito Santo


Notas e Referências:

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual: oitava série. Antecipação da tutela : algumas questões controvertidas São Paulo: Saraiva, 2004, p.80.

[2] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.22.

[3] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Tutela Antecipada Sancionatória. São Paulo : Malheiros, 2006, p.62.

[4] “Não interposto o agravo de instrumento, o juiz somente poderá revogar ou modificar a tutela com base em ‘novas circunstancias’.  Isto não quer dizer que o juiz pode revogar a tutela de oficio; a tutela somente pode ser revogada em razão de requerimento da parte.  Note-se, além disso, que, também no caso de indeferimento da tutela, o pedido de tutela antecipatória somente poderá ser reiterado – quando não interposto o agravo de instrumento – a partir de ‘novas circunstancia’.” MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. Op. cit. p.203.

[5] BUENO. Cássio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004, p.63.

[6] “A irreversibilidade se traduz na impossibilidade material de se voltarem as coisa ao estado anterior. É preciso que o quadro fático, alterado pela tutela, possa ser recomposta. Irrelevante, para os fins em vista, é a circunstância de poder a irreversibilidade ser reparada em dinheiro.” MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado. Op. cit., p.18.

[7] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual: oitava série. Antecipação da tutela : algumas questões controvertidas São Paulo: Saraiva, 2004, p.82.

[8] A irreversibilidade se traduz na impossibilidade material de se voltarem as coisas ao estado anterior. É preciso que o quadro fático, alterado pela tutela, possa ser recomposta.  Irrelevante, para os fins em vista, é a circunstância de poder a irreversibilidade ser reparada em dinheiro.

[9]“”Como antecipar a tutela em ação de alimentos de rito comum, se o réu, condenado provisoriamente a pagá-los, não estará obrigado a restituí-los, se o pedido, ao final vier a ser julgado improcedente, já que alimentos não se restituem, ainda que indevidamente pagos? Como antecipar a tutela em ação de despejo, se obtido o desalijo, o locatário, no caso de improcedência do pedido, não poderá reaver a posse direta do imóvel, que o locador , tão logo a conseguiu, apressou-se em alugar a outro inquilino?” MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado. Op.cit. p.17.

[10] CARNEIRO, Athos Gusmão. Op.cit. p, 88.

[11] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Antecipação de Tutela. Revista de Processo, SP, 29 (115): 55-73, mai-jun de 2004, p.62.

[12] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit, p.82.

[13] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela. cit., p.101.

[14] FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 3 ed. Rio de janeiro : Forense, 2005, p.58.

[15] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência. cit., p.352.

[16] Cf. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.83.

[17] “Caberá ao juiz, com redobrada prudência, ponderar adequadamente os bens e valores colidentes e tomar a decisão em favor dos que, em cada caso, puderem ser considerados prevalentes à luz do direito. A decisão que tomar, em tais circunstâncias, representará, no plano dos fatos, mais que antecipação provisória: será concessão ou denegação da tutela em caráter definitivo.” ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela. 5. ed. Rio de janeiro : Saraiva, 2007, p.102.

[18] “Privilegia-se em tal situação, o direito provável em prejuízo do improvável.  Entretanto, impõe-se ao juiz, nessas circunstâncias, prover meios adequados a assegurar em maior grau possível a viabilidade de reversão, como, por exemplo, exigindo garantias reais ou fidejussórias, pelo menos para garantir a reparação de eventuais indenizações.”  ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela. cit., p.101.

[19] Padrão organoléptico: conjunto de parâmetros caracterizados por provocar estímulos sensoriais que afetam a aceitação para consumo humano, mas que não necessariamente implicam risco à saúde.

[20] Ortopolifosfato – Produto Químico aprovado pela ANVISA para uso em sistemas de tratamento de Água par a abastecimento público.

[21] HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro– estudos de teoria política. 3ª ed. São Paulo, 2007.

[22] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 2005, p.80.

[23] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 2005, p.80.

[24] Galileu 2000.  Editora Globo. Nº4, p.9.

[25] “Projetos de dessalinização, para tornar a água do mar aproveitável, podem funcionar, como em Israel, Jordânia e Kuwait, mas só em pequenas quantidades.” Galileu 2000.  Editora Globo. Nº4, p.9.

[26] Galileu 2000.  Editora Globo. Nº4, p.9.

[27] CALDAS, Roberto (organizador). GARCIA, José Ailton; NASCIMENTO, Mônica Lúcia do. A natureza jurídica das águas no Brasil. In: Temas contemporâneos de Direito Administrativo, Econômico, da Infraestrutura e Regulatório. Portugal-Brasil: Editora Évora, 2015, 18 p. (NO PRELO).

[28] Nas palavras de André de Carvalho Ramos, “os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade como o direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito à autodeterminação e, em especial, o direito ao meio ambiente equilibrado” (RAMOS, André de Carvalho, Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 85-86).

[29] REsp 1249683; REsp 994120; REsp 403190; REsp 570194; REsp 61011.

[30] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Antecipação de Tutela. Revista de Processo, SP, 29 (115): 55-73, mai-jun de 2004, p.62.


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