Por Tiago Gagliano Pinto Alberto - 26/08/2015
Olá a todos!!!
Na coluna da semana passada, tratei da Justiça enquanto prática e não modelo apriorístico. Disse que por melhor que seja o modelo, exemplificado pela Justiça enquanto “Rosa”, ainda assim não será suficiente a satisfazer as necessidades do dia-a-dia cotidiano. Nesta semana, gostaria de apresentar uma das técnicas que podem auxiliar o decisor, público ou particular, no processo de tomada de decisão que considere a praxis, sem, contudo, deixar de posicionar o telos em seu ambiente adequado de atuação.
Trata-se da técnica conhecida como “Programação neurolinguística”, ou, mais simplificadamente, PNL. Criada na década de 70 do século passado por Richard Bandler[1] e John Grinder[2], a PNL surgiu como uma estratégia no processo de pensamento. Seus criadores observaram padrões de atuação em profissionais como Virginia Satir[3], Fritz Perls[4] e Milton Erickson[5] que, em áreas diversas, conseguiam sucesso no tratamento de pacientes. Como resultado da decodificação destes padrões, Bandler e Grinder elaboraram técnicas objetivas – não-metafísicas – a que chamaram de programação, refinando não apenas a compreensão de cada um consigo próprio, como também em relação ao outro, em nítido objetivo dialógico[6].
Do rico, multifacetário e interdisciplinar conteúdo da PNL, quero me concentrar nesta semana na técnica de base aplicada a todas as demais desenvolvidas nos estágios de aprendizagem e aplicação da PNL: o rapport. Conceituado por Anthony Robbins como “a capacidade de entrar no mundo de alguém, fazê-lo sentir que você o entende e que vocês têm um forte laço em comum (...)”[7], o rapport consubstancia a essência da movimentação das demais técnicas, já que permite a sintonia fina entre os participantes.
Note-se que seu espectro de abrangência é enorme e não exclusivamente correlacionado ao aspecto terapêutico; desde a qualificação em audiência, a tomada de depoimentos e a tentativa de acordo, a utilização do rapport suaviza o ambiente formal das salas de audiência e, ao mesmo tempo, traz à tona a confiança que, ao final, gera a credibilidade do testemunho, ou o acordo bem-sucedido. Aliás, as teorias que atualmente investigam a apresentação de versões, escritas ou orais, no contexto do processo judicial não prescindem do elemento confiança para que possam ser desenvolvidas[8]. E, nesse ponto, também a Justiça construída dia-a-dia reclama o mesmo parâmetro de atuação.
Em outras oportunidades, falei da alteridade, movimento dialógico, plenitude da Justiça e, até mesmo, interação de atos de fala a partir da linguagem. Todos esses elementos pressupõem o rapport enquanto técnica. Não haverá possibilidade de alteridade se o sentimento não for comum, interação sem compreensão, prevalência da consciência dialógica ao revés da monológica sem expectativas em comum; e, principalmente, Justiça em sua forma plena à míngua de direcionamento único de ações.
Não se está, com esse aporte teórico, sustentando a identidade de fins propugnados. Versões antagônicas continuarão sempre a existir no cerne dos conflitos, o que não quer dizer necessariamente que os objetivos não sejam comuns e procurados com mirada voltada ao mesmo ponto de visão. A novel legislação processual brasileira está trilhando semelhante caminho ao adotar o modelo cooperativo de processo como substituição do adversarial, o que representa, antes de um problema, um tremendo avanço no que toca aos anseios do sentimento de Justiça.
Amartya Sen pontuou, a propósito, que a busca pela justiça se inicia com “o forte senso de injustiça”, isto é, conquanto o elemento em si não seja de fácil alcance, o seu revés é mais facilmente perceptível. Para ele, a justiça deve ser vista com base em dois elementos: enquanto niti e nyaya, a primeira abordagem representando a adequação de um arranjo institucional e a correção de um comportamento; e a segunda, uma espécie de perspectiva ontológica, isto é, correlacionada a uma visão mais ampla do mundo em que vivemos[9].
Esta visão de espectro mais alargado, baseada na compreensão não da justiça, mas da injustiça e que em seu núcleo congloba o aspecto interacional do ser humano ostenta em seu mais profundo e recôndito ambiente a alteridade, fundada pelo elemento do rapport, capaz de criar o sentimento de relação, de importância pessoal e social. Neste nascedouro surgem as concepções de justiça e legitimidade social que iluminam manifestações volitivas estatais, acaso no mesmo rumo do nyaya.
E o mais interessante é que este elemento – o rapport – pode ser conscientemente percebido e estimulado, trabalhado e desenvolvido, aplicado e utilizado sempre que possível tanto em momentos solenes e formais, como no dia-a-dia da tomada de decisão, tanto pelo decisor particular, como pelo público. O rapport, a este nível, não estará somente correlacionado à interação entre pessoas, senão a compreensão a nível da Justiça, traduzida pela ciência e consciência da alteridade e do sentimento do outro enquanto tal.
Curioso observar que a alteridade, traduzida pelo rapport, pode encontrar aplicação em quaisquer manifestações volitivas estatais, em ordem a consagrar, de maneira legítima, o nyaya sem necessariamente a sua perspectiva ontológica. Mas, para tanto, deverá ser traduzida e passar por uma espécie de filtro procedimental até que, em último grau, possa apresentar o seu produto final: a decisão.
Como tal se dará? Na próxima semana, desenvolverei um pouco mais o tema.
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!
Notas e Referências:
[1] http://richardbandler.com/. Acesso em 23 agosto de 2015.
[2] http://www.johngrinder.com/. Acesso em 23 agosto de 2015.
[3] http://virginiasatir.com.br/. Acesso em 23 agosto de 2015.
[4] Criador da Gestalt Terapia. http://www.nucleogestalt.com.br/artigo.asp?id=1. Acesso em 23 agosto de 2015.
[5] http://golfinho.com.br/escritor/milton-h-erickson.htm. Acesso em 23 agosto de 2015.
[6] A programação neurolinguística popularizou-se no Brasil enquanto método de terapia, conquanto, em realidade, tenha espectro de atuação muitíssimo mais amplo. No direito, infelizmente, é pouco desenvolvida, encontrando alguma – pouca – aplicação no âmbito da mediação. Em realidade, porém, os pressupostos e técnicas são tão eficientes para juízes, advogados, promotores e demais operadores que, a meu ver, deveriam constar no currículo de faculdades para que a formação dos profissionais do direito fosse mais completa. Para um estudo preliminar, recomendo os seguintes sites: http://www.pnl.com.br e http://golfinho.com.br/. Acesso em 23 agosto de 2015.
[7] http://golfinho.com.br/artigo/rapport-o-ingrediente-magico.htm. Acesso em 23 agosto de 2015.
[8] Faço alusão, principalmente, às teorias chamadas de “Efeito flash” e, ainda, à teoria “Story Telling”, desenvolvida por Bennet, Feldman, Pennington e Hastie para examinar a influência da “versão” contada aos jurados no âmbito criminal. Para maior digressão sobre o assunto, recomendo: LA RUE, L.H. Constitutional Law as Fiction. Narrative in the Rhetoric of Authority. United States: The Pennsylvania State University, 1995.
[9] SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 32-33.
Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Integrante do grupo Justiça, Democracia e Direitos Humanos, sob a coordenação da Professora Doutora Claudia Maria Barbosa. Integrante do Núcleo de Fundamentos do Direito sob a coordenação do Professor Doutor Cesar Antônio Serbena, UFPR. Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.”
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