Por Redação- 30/10/2016
A 1.ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, confirmou sentença de primeiro grau em que o magistrado, nos autos da ação revisional de alimentos cumulada com regulamentação de visitas, decidiu pelo indeferimento da petição inicial em razão da inépcia, nos termos dos artigos 267, I, e 295, I, do revogado Código de Processo Civil e extinguiu o processo sem julgamento de mérito.
Entendeu o Relator, Desembargador Domingos Paludo, com fundamento nas Convenções e tratados intercancionais sobre alimentos em que o Brasil é signatário que: " considerando que o recorrente firmou, na Jurisdição do Uruguai, acordo que fixou a prestação alimentícia destinada aos filhos e não instruiu a petição conforme determinado pela convenção, de fato, não há como reconhecer o pedido. Além do mais, o juiz brasileiro não é competente para conhecer da matéria referente à revisão daqueles valores fixados pela Jurisdição Uruguaia, já que a convenção estabelece que a competência é a critério do credor e não do devedor."
Confira a decisão na íntegra:
Apelação n. 0312377-90.2015.8.24.0023, da Capital - Eduardo Luz
Relator: Desembargador Domingos Paludo
APELAÇÃO CÍVEL. REVISIONAL DE ALIMENTOS CUMULADA COM REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. SENTENÇA ESTRANGEIRA. AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ALIMENTANTE RESIDENTE NO BRASIL. ALIMENTANDOS NO URUGUAI. JUÍZO BRASILEIRO INCOMPETENTE PARA CONHECER DO PEDIDO. APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. APELO DESPROVIDO.
A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, a teor do art. 105, I, i, da CFRB.
A justiça brasileira não é competente para conhecer da matéria referente à revisão de valores fixados pela Justiça do Uruguai a título de alimentos, já que as regras de direito internacional e convenções das quais o Brasil é signatário estabelecem que a competência, em matéria que envolva obrigação alimentar, firma-se a critério do credor, não do devedor.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0312377-90.2015.8.24.0023, da comarca da Capital - Eduardo Luz 1ª Vara da Família em que é Apelante R. R. F. e Apelados Y. V. F. e outro, repr. p/ mãe J. V..
A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Domingos Paludo - Relator -, Des. Raulino Jacó Brüning - Presidente - e Des. Saul Steil.
Florianópolis, 13 de outubro de 2016.
Desembargador Domingos Paludo
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito, pelo indeferimento da petição inicial em razão da inépcia, nos termos dos artigos 267, I, e 295, I, do revogado Código de Processo Civil.
Sustenta o apelante que a obrigação alimentar iniciou com acordo homologado nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável no Brasil; somente após a mudança de todos para o Uruguai, submeteu-se à legislação daquele país visando regulamentar o direito de visitas e que, atualmente, reside no Brasil e não possui mais obrigação de cumprir com o que foi acordado em solo estrangeiro; os filhos são brasileiros e a competência deverá ser analisada à luz da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro; não existe óbice à propositura de ação revisional quando o alimentando reside no exterior. Ao fim, requer que o Juízo da Família da Capital seja declarado competente para processar e julgar o feito.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Dra. Lenir Roslindo Piffer, pelo desprovimento do recurso
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Inicialmente, importante mencionar que a ação versa sobre redução de encargo alimentar c/c pedido de regulamentação de visitas em relação aos filhos residentes no Uruguai.
O apelante alega que seus filhos são brasileiros e que as normas aplicáveis seriam da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e que, ao contrário do que decidiu o magistrado, o pedido é juridicamente possível, já que o acordo inicial foi firmado pela Justiça brasileira.
Sem razão, contudo.
Yussef Said Cahali Leciona que
O Código de Bustamante estipula, em seu artigo 59, que "é de ordem pública internacional a regra que dá ao filho o direito a alimentos”, completa-se com o art. 67 segundo o qual "sujeitar-se-ao à lei pessoal do alimentando o conceito legal dos alimentos, a ordem e sua prestação, a maneira de os subministrar e a extensão desse direito"; e com o art. 68: " São de ordem pública internacional as disposições que estabelecem o dever de prestar alimentos, seu montante, redução e aumento, a oportunidade em que são devidos, e a forma de seu pagamento, assim como as que proíbem renunciar e ceder esse direito." (Dos Alimentos. 6.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009).
Ademais, apesar de a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (Decreto- Lei 4.657/1954) mencionar em seu artigo 7.º que " a lei do país que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família", é certo que as prestações alimentares são regidas pela lei brasileira em relação aos credores de alimentos domiciliados em nosso país, nada mencionando sobre os devedores.
A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 4.º, a prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais, sendo este o norte da análise do pleito recursal, uma vez que a questão envolve a aplicação de Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil e pelo Uruguai.
O Brasil, em matéria de alimentos no âmbito internacional, é signatário de alguns tratados internacionais, quais sejam: o Código de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante); a Convenção sobre Prestação de Alimentos no estrangeiro, votada em Nova York em 1956, e a Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares.
A propósito, a Convenção sobre a Prestação de Alimentos no estrangeiro, ratificada por meio do Decreto Legislativo nº 10, de 1958, tem por objeto a facilitação dos meios para aquele que pretende ter o direito de receber alimentos em relação à outra parte, que se encontre sob jurisdição de outro país, estabelecendo algumas regras de cooperação internacional entre os países quando colocadas em confronto pretensões envolvendo alimentos.
A Lei nº 5.478/1968 estabelece que "Art. 26. É competente para as ações de alimentos decorrentes da aplicação do Decreto Legislativo n.º 10, de 13 de novembro de 1958, e Decreto n.º56.826, de 2 de setembro de 1965, o juízo federal da Capital da Unidade Federativa Brasileira em que reside o devedor, sendo considerada instituição intermediária, para os fins dos referidos decretos, a Procuradoria-Geral da República".
Essa Convenção determina que em seu ARTIGO VIII:
Modificação das Decisões Judiciárias.
As disposições da presente Convenção serão igualmente aplicáveis aos pedidos de modificação das decisões judiciárias sobre prestação de alimentos.
Ademais, a Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar, promulgada pelo nosso país em 1997 pelo Decreto n.º2.428, de 17 de dezembro, estabelece em seu artigo 1º: "A Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar concluída em Montevidéu, em 15 de julho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém".
Referida Convenção tem como objeto a determinação do direito aplicável à obrigação alimentar, bem como à competência e à cooperação processual internacional, quando o credor de alimentos tiver seu domicílio em um Estado Parte e o devedor tiver domicílio ou residência em outro Estado Parte. (art.1).
O artigo 6.º da normativa internacional estabelece que a obrigação alimentar será regulada pela ordem jurídica que, a critério da autoridade competente, for mais favorável ao credor.
E menciona em seu art.º 8:
Têm competência, na esfera internacional, para conhecer das reclamações de alimentos, a critério do credor:
- a) o juiz ou autoridade do Estado de domicílio ou residência habitual do credor;
- b) o juiz ou autoridade do Estado de domicílio ou residência habitual do devedor;
- c) o juiz ou autoridade do Estado com o qual o devedor mantiver vínculos pessoais, tais como posse de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos.
Sem prejuízo do disposto neste artigo, serão consideradas igualmente competentes as autoridades judiciárias ou administrativas de outros Estados, desde que o demandado no processo tenha comparecido sem objetar a competência.
E no artigo 9:
"Tem competência para conhecer da ação de aumento de alimentos, qualquer uma das autoridades mencionadas no artigo 8. Têm competência para conhecer da ação de cessação ou redução da pensão alimentícia, as autoridades que tiverem conhecido da fixação dessa pensão."( grifei)
Finalmente, dispõe que:
As sentenças estrangeiras sobre obrigação alimentar terão eficácia extraterritorial nos Estados Partes, se preencherem os seguintes requisitos:
a) que o juiz ou autoridade que proferiu a sentença tenha tido competência na esfera internacional, de conformidade com os artigos 8 e 9 desta Convenção, para conhecer do assunto e julgá-lo; b) que a sentença e os documentos anexos, que forem necessários de acordo com esta Convenção, estejam devidamente traduzidos para o idioma oficial do Estado onde devam surtir efeito;c) que a sentença e os documentos anexos sejam apresentados devidamente legalizados, de acordo com a lei do Estado onde devam surtir efeito, quando for necessário;
d) que a sentença e os documentos anexos sejam revestidos das formalidades externas necessárias para serem considerados autênticos no Estado de onde provenham;
e) que o demandado tenha sido notificado ou citado na devida forma legal, de maneira substancialmente equivalente àquela admitida pela lei do Estado onde a sentença deva surtir efeito;
f) que se tenha assegurado a defesa das partes;
g) que as sentenças tenham caráter executório no Estado em que forem proferidas. Quando existir apelação da sentença, esta não terá efeito suspensivo.
Portanto, considerando que o recorrente firmou, na Jurisdição do Uruguai, acordo que fixou a prestação alimentícia destinada aos filhos e não instruiu a petição conforme determinado pela convenção, de fato, não há como reconhecer o pedido.
Além do mais, o juiz brasileiro não é competente para conhecer da matéria referente à revisão daqueles valores fixados pela Jurisdição Uruguaia, já que a convenção estabelece que a competência é a critério do credor e não do devedor.
Por oportuno, o juízo, com razão, entendeu pela impossibilidade jurídica do pedido em razão da ausência de homologação pelo STJ da sentença estrangeira.
O Ministério Público também se manifestou nesse sentido:
"No caso vertente pretende o apelante, perante o Poder Judiciário Brasileiro, modificar sentença proferida pela Justiça do Uruguai, que homologou o acordo entabulado entre as partes acerca do regime de vistas e a pensão alimentícia entre pai e filhos (fls. 271 e 311 e 428-438). Entretanto para que aquela decisão seja modificada pelo Poder judiciário pátrio, imprescindível que houvesse sido ratificada pela justiça brasileira."
É o que estabelece a Resolução nº 9 do Superior Tribunal de Justiça: "Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente. § 1º Serão homologados os provimentos não-judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza de sentença. § 2º As decisões estrangeiras podem ser homologadas parcialmente."
Por derradeiro, além da necessidade da homologação da avença pactuada no exterior, o pedido também é juridicamente impossível em virtude da competência para conhecer da ação, no caso, da Justiça do Uruguai, de acordo com a aplicabilidade das normas convencionais.
Assim, voto pelo desprovimento do recurso.
Gabinete Desembargador Domingos Paludo
Fonte: TJSC
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