Juristas que entendem de gente

06/06/2016

Por Juliana Ribeiro Goulart e Paulo Ferrareze Filho - 06/06/2016

A ideia implícita no título é de Luis Alberto Warat, um mestre em abrir clareiras na escuridão das reservas selvagens. Visionário, percebeu o óbvio: que conflitos jurídicos escondem, quase sempre, pendengas entre pessoas de carne, osso, choro, dores e amores.

Para Warat, acreditar que as normas jurídicas podem resolver os conflitos humanos é o mesmo que acreditar nas promessas entre amantes: de que irão abandonar os cônjuges oficiais e fugir para um lugar distante para viver um romance de cinema[1]. Promessas que se enunciam com a onisciência da impossibilidade de que sejam cumpridas.

É nesse sentido que a promessa de autonomia do Direito (como se ele pudesse viver ilhado, sem sofrer abalos morais, políticos ou econômicos...), bem como as promessas constitucionais são, a partir da leitura waratiana, desculpas institucionais para que a esperança da sociedade civil não seja perdida. Afinal, a falta de esperança é o prelúdio das revoluções. E revoluções fazem mal para as pretensões mentirosas de bem estar social do Estado de Direito.

Para fugir do romantismo da normatividade com vistas a construir um Direito mais próximo da conflitividade humana, Warat disse que os juristas precisavam conhecer mais a subjetividade e menos os códigos. É nas agruras, podridões, melecas,  delícias e prazeres da alma humana que estão as chaves da possibilidade de reestabelecer vínculos rotos dos processos judiciais.

Assim, disparava com palavras suas flechas de afeto: “precisamos de outros operadores jurídicos, que cumpram mais uma função preventiva, pedagógica e facilitadora da concreção da cidadania. [...] Os sentidos de nossos direitos como cidadão não estão nos textos legais, passam pelos cuidados e as ações que realizaremos para outorgar-lhes sentido em nossa própria experiência existencial. Estamos falando também de operadores preventivos (juízes, promotores, procuradores, advogados) que não garantam mais pelo uso da força o cumprimento dos direitos fundamentais[2]”.

Daí porque é preciso investir e capacitar as habilidades humanas dos juristas, apostando-se na sensibilidade, nos afetos e no entendimento da subjetividade humana. Na medida em que a Justiça se tornou uma empresa preocupada em vencer metas de produtividade, inevitavelmente o fator humano imbricado no Direito se perdeu.

Por isso Warat já alertava para o fato de que  “quase setenta por cento dos magistrados do mundo moderno adoram administrar justiça, aplicar as normas, porém detestam as partes (confissões de juízes que tomaram curso comigo); outro tanto ocorre com os médicos que adoram a medicina, sabem muito de doença, porém detestam os doentes, preferem inclusive trabalhar com os cadáveres e professores que do mesmo jeito adoram saber, ensinar, contudo ignoram seus alunos, os desconhecem”[3].

Investimento numa nova pedagogia jurídica que privilegie saberes mais humanos e menos técnicos, incentivo de meios alternativos de resolução de conflito e recuperação dos atributos femininos com vistas à reduzir a cultura do conflito, são apenas alguns exemplos de medidas que podem fomentar e construir o Direito sonhado por Warat.

Se seguirmos na frieza do Judiciário-empresa, seguiremos também perseguidos por olhares evasivos de servidores da justiça, por juízes embebidos em seus egos e por processos que resolvem processos, mas nunca conflitos entre gentes. Maffesoli chancela, a partir da filosofia, a proposta waratiana quando diz que nos tempos atuais “é preciso mobilizar, sobretudo, as capacidades sensíveis”[4].

O rosto de Deus está, segundo Warat, na diferença subjetiva do outro. Que possamos tornar o Direito menos diabólico e menos objetivista. O Diabo é vaidoso. E os objetivistas, idiotas. O Direito que fizemos até aqui está lotado dessa dupla laia de gente.


Notas e Referências:

[1] MORAIS DA ROSA. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material: aportes hermenêuticos. 2ª edição. Rio de janeiro: Lumen Juris. 2011. Página XI. O trecho consta na apresentação fora das rotinas à 1ª Edição do livro, escrito por Luis Alberto Warat.

[2] MORAIS DA ROSA. 2011. p. XII.

[3] MORAIS DA ROSA. 2011. p.XIII.

[4] MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. Tradução de Albert Christophe Migueis Stuckenbruck. 3ª Edição. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. 2005. p.27.


Juliana Ribeiro GoulartJuliana Ribeiro Goulart possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Mestranda em Teoria e História no Direito (UFSC). Tem experiência na área da advocacia, com ênfase em Direito Processual, área em que é especialista pelo CESUSC. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Jurídica da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e é pesquisadora na área da Mediação de conflitos. E-mail: juligoulart@hotmail.com / Facebook aqui.


Paulo Ferrareze Filho. . Paulo Ferrareze Filho é Doutorando em Direito (UFSC). Mestre em Direito (UNISINOS/RS). Professor Universitário. Advogado. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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