Por redação - 05/08/2016
Nascida como homem e na fila para cirurgia de readequação de sexo obtém decisão favorável em ação que busca o reconhecimento do nome social. A decisão da magistrada carioca Cristiana de Faria Cordeiro, titular da 7a Vara Criminal da comarca de Nova Iguaçu, destaca o reconhecimento dos direitos da população GLBTs na linha da superação do preconceito moralista e violador das garantias e direitos de iguais-diferentes.
Confira a decisão na íntegra:
Trata-se de pedido de retificação de registro de nascimento, quanto ao nome e ao sexo, em que a Requerente, registrada sob o nome XYXYXYXY, aduz, em síntese, que, embora nascida com o fenótipo masculino, compreende-se como mulher, pretendendo a alteração do nome e do sexo no assento civil, passando a se chamar XXXXXXXX, do sexo feminino.
Esclarece, na inicial de fls. xxxx, que durante os anos de sua infância e início da adolescência buscou se ajustar ao seu sexo biológico, porém se tratava de uma “camuflagem sofrida”. Aos 16 anos, travou contato com outras pessoas “com histórias de vida parecidas”, encontrando coragem para se expressar: passou a fazer tratamento hormonal e a se vestir como mulher.
Ainda que não tenha se submetido à cirurgia para readequação de sexo (aguarda “na fila”), a Autora esclarece que sua identidade sexual prescinde do ato cirúrgico: “sua aparência, alma e espírito são femininos.”
A Autora assevera encontrar “muitas dificuldades em algumas atividades cotidianas em virtude do descompasso entre sua aparência feminina e o nome e sexo masculinos em seus documentos”, seja para votar, utilizar cartão de crédito, fazer cadastros, viajar... passando por “constrangimento de ter que se explicar e pela vergonha das desconfianças alheias”.
Instruem a inicial os documentos de fls. xxxxx.
Deferida a gratuidade, às fls. xx.
Às fls. xx, manifestação do Ministério Público, requerendo esclarecimentos e a juntada de vários documentos, o que foi atendido às fls. xxx (declarações com firmas reconhecidas, ratificando o alegado na inicial), xxx (FAC, sem anotações), xxx (Ofício do SCPC, informando inclusão e exclusão de registros para o CPF da Requerente) e xxx (Certidões do Distribuidor da Comarca).
Em nova manifestação, o Ministério Público requereu fosse esclarecido quanto à cirurgia e a pugnou pela realização de estudo psicológico.
Às fls. xxx, o Psicólogo NNNNN, deste Tribunal de Justiça, informa que a Requerente está na “fila do SUS” para a realização da cirurgia e apresenta parecer favorável, pois não verificou “aspectos psicológicos que comprometam sua capacidade de escolha”.
O Ministério Público, em parecer final de fls. xxxxx, manifesta-se da seguinte maneira, em síntese:
“(...) se encontra comprovado o distúrbio psicossocial em virtude do transtorno de identidade de gêneros, de maneira que em razão das normas constitucionais do direito à saúde e à dignidade da pessoa humana, impõe-se o acolhimento do requerimento de alteração do prenome em sua certidão de nascimento.
(.......)
Todavia, entende o Parquet que para acolhimento da pretensão de alteração de designativo de sexo do transexual perante o registro civil é necessário a prévia realização da cirurgia de transgenitalização, adequando-se a realidade morfológica às realidades psicológica e social do indivíduo em questão.
(..........)
(.....) opina o Ministério Público pela procedência parcial do pedido, a fim de que se altere somente o prenome do requerente de seu registro civil (....), sendo mantido o gênero masculino em seu registro civil de nascimento e os demais termos do assento, sem prejuízo de futura renovação do pedido caso o requerente se submeta a cirurgia de transgenitalização.”
É o relatório. Passo a decidir.
O relato contido na petição inicial decerto não desce aos pormenores dos constrangimentos sofridos pela Requerente desde a mais tenra idade. A Autora nasceu “habitando uma pele” que não lhe pertencia.
A transexualidade é ainda muito mal compreendida no Judiciário, o qual espelha – fora raras exceções e, de certa forma, inevitavelmente (eis que seus componentes integram o mesmo tecido social) – uma sociedade em que parcelas da população advogam uma “cura gay” e outras (ou as mesmas, inclusive) condenam o ensino das questões de gênero a crianças, nas escolas públicas.
Nesse compasso, as diversas manifestações e exigências do Ministério Público ao longo dos 03 (três) anos de tramitação deste feito carregam um forte conteúdo latente: o mesmo preconceito e a forte desconfiança que as pessoas transgêneras enfrentam em seus cotidianos.
Talvez sob a equivocada ótica do “desvio” (e imaginando, quiçá, que alguém optasse por trocar de sexo para fugir de suas obrigações civis e penais), houve requerimentos de que o SCPC dissesse sobre anotações em nome do CPF da Requerente e de juntada de certidões do distribuidor, todos aliás deferidos.
É certo que as demandas como a ora sob exame têm chegado ao Judiciário há pouco tempo, razão por que a Jurisprudência oscila no tocante à possibilidade de deferimento, na integralidade, do pedido contido na inicial, ou seja, a retificação dos dados de registro antes da cirurgia de transgenitalização.
Entendo perfeitamente possíveis ambas as retificações pretendidas.
Principalmente porque – sob o viés da proteção à personalidade como direito fundamental e inviolável – a Requerente se entende mulher há muitos anos e é assim considerada, exceto nas ocasiões em que seus dados documentais a forçam a “revelar” o contrário.
Negar-lhe a retificação registral quanto ao sexo em nada lhe socorre, com a devida vênia ao entendimento esposado pela douta Representante do Ministério Público subscritora do parecer final.
A se deixar de reconhecer à Autora o direito à mudança para o sexo feminino, apenas permitindo-lhe a mudança do prenome, estaria o Judiciário contribuindo para a perpetuação de um aviltamento a sua condição íntima e pessoal, integrante de sua personalidade, e conformadora de sua existência em sociedade.
Conforme apontado pela autora Mably Trindade, na obra Aspectos Históricos do Processo Transexualizador no Rio de Janeiro (ed. Gramma, 2016, p. 20-21), “a possibilidade de alteração de nome e sexo pela via judicial, na maioria das vezes, ainda é atrelada à prévia realização da cirurgia de transgenitalização. Esse modelo prejudica sobremaneira o exercício de direitos civis por aqueles indivíduos que realizaram apenas parte das modificações corporais e, portanto, não possuem todas as características esperadas de um “transexual verdadeiro” (Almeida, 2012 a). Tais características, por sua vez, são aferidas em perícias e laudos técnicos apresentados pela Medicina com base em conceitos unívocos do que significa ser homem ou ser mulher. Em outras palavras, coube exclusivamente à Medicina definir a transexualidade e reconhecer o “transexual verdadeiro”, o que acabou embasando decisões judiciárias bastante arbitrárias no que concerne à transexualidade. (....) O modelo que subordina a aquisição de um novo nome e identidade civil ao poder da biomedicina é ainda mais perverso para aquelas pessoas que realizam as modificações corporais sem passar pelo SUS, pois neste caso o reconhecimento por via judicial é dificultado pela ausência da chancela oficial do sistema público, fator de insegurança para o Judiciário.”
Como salientado pelo Desembargador Rui Portanova, em acórdão magistral sobre o tema, que reforma sentença que indeferira a mudança de sexo pela ausência de cirurgia:
“Não é pela existência de uma genitália masculina que se define o gênero masculino. Com efeito, essa é apenas uma característica masculina, que não prevalece quando se está diante de uma pessoa transgênero. Além disso, é necessário ver essa questão com os olhos voltados mais para o indivíduo e sua dignidade do que para o meio social. Veja-se que, sexualmente, desde a sua condição íntima até do ponto de vista público e social, não aparecerá como homem, mas como mulher. E, para ela, como indivíduo, também já se vê como mulher, e não como homem. Nesse passo, a falta de regramento específico, de meu ponto de vista, não justifica a manutenção do “masculino” como sendo a designação do gênero da autora em seu registro civil de nascimento.” TJRS. Apelação Cível nº 0466124-36.2013.8.21.7000). Oitava Câmara Cível. Comarca de Porto Alegre.
A Constituição da República do Brasil preconiza a igualdade, a não-discriminação, a dignidade da pessoa, cuja intimidade, vida privada e imagem são invioláveis (artigo 5º, caput, e inciso X).
Ademais, a despeito da existência de uma classificação CID 10 F.64, é importante destacar que, dentre os que estudam a questão transgênera sob os mais diferentes enfoques (médico, antropológico, psicológico, sociológico), inexiste consenso sobre a “patologização”, mas é certo que a exigência da cirurgia está por detrás de uma visão equivocada de que o procedimento “legitimaria” o reconhecimento social e jurídico.
Conforme se lê no site Transversus, em artigo de Mauricio Amendola, para o mestre em ciências sociais e professor da PUC-Campinas Tiago Duque, a ideia de uma doença da transexualidade remete imediatamente a noção de cura – que sob a ótica médica, se encontraria na cirurgia – o que nos mostraria muito a respeito das normas sociais. “A ideia de ‘quem tem uma doença, precisa ser curado’ nos ensina o que nós enquanto grupo social aceitamos ou não em relação a gênero e sexualidade”, argumenta.” [1]
Trago à colação julgados que – na mesma esteira do já citado acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – abraçaram a tese da possibilidade de retificação sem realização da cirurgia:
“Retificação de registro civil. Transexual que preserva o fenótipo masculino. Requerente que não se submeteu à cirurgia de transgenitalização, mas que requer a mudança de seu nome em razão de adotar características femininas. Possibilidade. Adequação ao sexo psicológico. Laudo pericial que apontou transexualismo. Na hipótese dos autos, o autor pediu a retificação de seu registro civil para que possa adotar nome do gênero feminino, em razão de ser portador de transexualismo e ser reconhecido no meio social como mulher. Para conferir segurança e estabilidade às relações sociais, o nome é regido pelos princípios da imutabilidade e indisponibilidade, ainda que o seu detentor não o aprecie. Todavia, a imutabilidade do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como regra absoluta. Tanto a lei, expressamente, como a doutrina buscando atender a outros interesses sociais mais relevantes, admitem sua alteração em algumas hipóteses. Os documentos juntados aos autos comprovam a manifestação do transexualismo e de todas as suas características, demonstrando que o requerente sofre inconciliável contrariedade pela identificação sexual masculina que tem hoje. O autor sempre agiu e se apresentou socialmente como mulher. Desde 1998 assumiu o nome de xxxx. Faz uso de hormônios femininos há mais de vinte e cinco anos e há vinte anos mantém união estável homoafetiva, reconhecida publicamente. Conforme laudo da perícia médico-legal realizada, a desconformidade psíquica entre o sexo biológico e o sexo psicológico decorre de transexualismo. O indivíduo tem seu sexo definido em seu registro civil com base na observação dos órgãos genitais externos, no momento do nascimento. No entanto, com o seu crescimento, podem ocorrer disparidades entre o sexo revelado e o sexo psicológico, ou seja, aquele que gostaria de ter e que entende como o que realmente deveria possuir. A cirurgia de transgenitalização não é requisito para a retificação de assento ante o seu caráter secundário. A cirurgia tem caráter complementar, visando a conformação das características e anatomia ao sexo psicológico. Portanto, tendo em vista que o sexo psicológico é aquele que dirige o comportamento social externo do indivíduo e considerando que o requerente se sente mulher sob o ponto de vista psíquico, procedendo como se do sexo feminino fosse perante a sociedade, não há qualquer motivo para se negar a pretendida alteração registral pleiteada. A sentença, portanto, merece ser reformada para determinar a retificação no assento de nascimento do apelante para que passe a constar como "PN". Sentença reformada. Recurso provido.” (TJSP, AC 0013934-31.2011.8.26.0037, 10ª C. Dir. Priv., Rel. Carlos Alberto Garbi, j. 23/09/2014).
“Agravo de instrumento. Ação em que se pleiteia a alteração de nome e sexo em assento de nascimento. Insurgência contra a decisão que determinou a suspensão do processo até a data marcada para a realização da cirurgia de transgenitalização. Acerto da decisão recorrida quanto à modificação de sexo no registro. Possibilidade de antecipação da tutela no tocante à mudança do prenome, passando a se adotar no registro o nome social do requerente. Art. 273, § 6º, do CPC. Parecer subscrito por dois peritos a confirmar que o requerente é social e profissionalmente reconhecido como mulher. Identidade social em conflito com o nome de registro. Alteração do nome que independe da realização da operação programada. Necessidade da modificação do nome evidenciada. Decisões judiciais sobre a possibilidade de alteração de nome civil. Art. 57 da Lei 6.015/73. Recurso parcialmente provido. Art. 557, § 1º-A, do CPC.” (TJRJ, AI 0060493-21.2012.8.19.0000, 6ª C. Cív., Rel. Des. Wagner Cinelli de Paula Freitas, j. 08/03/2013).
“Alteração de registro civil. Transexualidade. Cirurgia de transgenitalização. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração de registro civil. O nome das pessoas, enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como sendo uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, proveram em parte.” (TJRS, AC 70013909874, 7ª C. Cív, Rel. Desa. Maria Berenice Dias, j. 05/04/2006).
Por tudo o que foi exposto e porque – lembrando o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 – somos um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, JULGO TOTALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para:
1- Autorizar a retificação no assento de nascimento da autora, de modo a alterar o seu nome e sexo, de XYXYXYXY do sexo masculino para XXXXXXXX, do sexo feminino.
Com o trânsito em julgado expeça-se mandado ao Cartório de Registro Civil da NNN Circunscrição da Comarca NNNNN, ordenando a realização da mencionada retificação no registro de n. NNNNN, livro NNNNN, folha NNNNN. No livro cartorário, deve ficar averbado, à margem do registro de prenome, que a modificação procedida decorreu de decisão judicial. O Sr. Oficial Registrador deverá zelar pelo sigilo da retificação, vedado o fornecimento de qualquer certidão para terceiros acerca da situação anterior da parte autora, sem prévia autorização judicial.
2- No mais, transferir todos os direitos e obrigações para com o fisco, sociedades, órgãos de proteção ao crédito, órgãos públicos em geral, possível herança e sucessão, credores, devedores e todos os mais que se fizerem necessários de XYXYXYXY para XXXXXXXX.
Expeça-se ofício à Receita Federal informando sobre a alteração de nome e sexo da parte autora, devendo ser mantido o mesmo número de CPF.
Sem custas, eis que deferido o benefício da justiça gratuita. Sem honorários advocatícios.
Por fim, reputo solvido o mérito da lide, nos termos do art. 487, I, do CPC. Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
[1] O que mais está em jogo na sociedade para além do código de “transtorno de identidade de gênero” na Classificação Internacional de Doenças? por: Maurício Amendola. “Deveria despatologizar, ficaria bem mais tranquilo, menos angustiante, quem passa por um comitê se sente meio um alienígena, uma cobaia... ajuda por um lado e rotula do outro”, o agente penitenciário Juliano Maziero passou pelo tratamento do Sistema Único de Saúde (SUS) dado a pessoas consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como portadoras do nomeado transtorno de identidade sexual. A Classificação Internacional de Doenças sentencia através do CID 10 F.64 que a disforia de gênero consiste no “desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado”. Estreitando as relações e conflitos intelectuais entre a medicina e as ciências humanas, o diagnóstico - ou a patologização, isto é, a determinação de que a disforia (do grego, o contrário de “euforia”) é de natureza biológica particular do paciente – origina uma questão intrincada a respeito dos efeitos da associação da transexualidade à “doença” no âmbito social e psicológico, além de provocar o debate em relação ao poder da medicina nas noções do individuo sobre si mesmo, já que está sob a tutela do discurso médico a autorização para todo o tratamento disponibilizado no serviço de saúde pública. Ou seja, apenas quem é transexual - aos moldes da classificação médica e da análise clínica, se é que é procedente dissociar a natureza do termo e os saberes médicos, já que, no limite, a propagação do conceito advém da própria psiquiatria – recebe o tratamento. Diagnóstico. O psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) é defensor do diagnóstico e da categoria exclusiva e restrita dos transexuais, que está intimamente relacionada ao desejo por mudança corporal, especialmente o anseio pela readequação do órgão genital. “Para a medicina, os transexuais vão buscar sempre essa mudança física. É fundamental, porque vai buscar a transição completa, a mudança completa. Existem outros transtornos de identidade de gênero ou o que a população chama de transgêneros, mas não são transexuais”, delimita Saadeh. a artesã Esther Pereira, transexual e militante do movimento LGBTT vê no que chamam de transtorno, um descontentamento um tanto mais subjetivo e social que o delimitado pela medicina, e propõe mudanças na forma como se dá o tratamento, para calar os ecos patologizantes. “Se essas necessidades que esse descontentamento gera fossem atendidas de uma maneira diferente esse sofrimento seria muito menor”, desabafa. Para o doutor em ciências sociais e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Jorge Leite Júnior, a face nociva da patologização está em minorizar os desejos, anseios e a identidade de quem está sendo tratado, uma vez conhecido o status em nossa sociedade de alguém considerado doente pela psiquiatria. “São pessoas que tem sua humanidade diminuída frente ao discurso médico”. Além disso, ele vê uma relação de poder intrínseca à indicação clínica de transtorno e embora não desconsidere totalmente os avanços dos estudos médicos a respeito das origens da transexualidade, não reconhece sua serventia social para a população chamada transgênera. “É uma questão maior, a quem serve dizer ‘isto é um problema’, ‘isto é uma doença’, isso vai garantir mais direitos a alguém?”, indaga. Judit Busanello, psicóloga e diretora do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do estado de São Paulo alega que a transexualidade não é um transtorno que incapacita, mas sim, que causa sofrimento e o tratamento psicológico se apega em amparar esse sofrimento. “Não precisa figurar como transtorno põe lá assim: ‘a diferença da mente’”, afirma o agente penitenciário Juliano com bom humor. Para o mestre em ciências sociais e professor da PUC-Campinas Tiago Duque, a ideia de uma doença da transexualidade remete imediatamente a noção de cura – que sob a ótica médica, se encontraria na cirurgia – o que nos mostraria muito a respeito das normas sociais. “A ideia de ‘quem tem uma doença, precisa ser curado’ nos ensina o que nós enquanto grupo social aceitamos ou não em relação a gênero e sexualidade”, argumenta. A filósofa Márcia Tiburi entende que os saberes médicos são decisivos para incorporar novas maneiras de encararmos a sexualidade: “Um ponto muito forte para a democratização da sexualidade, é a medicina parar de legislar sobre os corpos dos intersexuais”, diz.
Imagem Ilustrativa do Post: 10a Parada do Orgulho Gay da Bahia // Foto de: Fotos GOVBA // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agecombahia/6138411270/in/photolist-amqXP5-amocak-amqYLu-amqYcG-amobvp-amob1c-cnyUAu-amqZcb-amqY2U-cnyVej-amo9M2-amobUi-amobaT-amqWRU-amqZ6m-cnyUK9-amo996-cnyUEh-cnyV9y-cnyV41-amqXsf-cnyVWU-cnyUXy-cnyVp3-cnyVCy-cnyVTd-cnyViJ-p5A53S-cnyVLf-vjV3n3-weGrTm-cnyVtf-cnyUTQ-cdjpiW-pn7n4X-cpUxx5-cdjkuw-cpUn53-cpUjKG-wgWYSK-bVWXtX-p5C1rE-p5C3pB-bVWZ74-cpUrt9-cpUANY-bVXC4V-pmPHuM-cdjmqu-cdk3NJ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode