Por Redação - 19/01/2017
Diante do pedido formulado por um casal para que o Estado custeasse o procedimento de fertilização in vitro na rede privada de saúde, o Juiz de Direito da Comarca de Barra Velha-SC, Iolmar Alves Baltazar, concluiu que "a vida, direito irrenunciável, não comporta alternativa, diferentemente da maternidade, plenamente possível pela adoção".
Para o magistrado, o procedimento de fertilização in vitro, no âmbito do sistema público de saúde, deve ser efetivado na medida do possível e seguindo rigorosamente o fluxo estabelecido pelo órgão gestor, principalmente diante das restrições orçamentárias dos entes estatais e a atual crise financeira.
Confira a íntegra da decisão:
Autos n.° 0300409-17.2015.8.24.0006
Ação: Procedimento Ordinário/PROC
Requerente: R. F. e outro
Requerido: Município de Barra Velha e outros
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer, cumulada com Indenização por Danos Morais, com pedido de tutela antecipada, ajuizada por R. F. seu cônjuge J. D. C. contra o Município de Barra Velha, o Município de Joinville e o Estado de Santa Catarina, que objetiva seja determinada a realização do tratamento de fertilização in vitro.
Os autores aduziram que vivem maritalmente há mais de 11 anos e que até hoje não conseguiram gerar filhos. Que, em 2011, o casal buscou descobrir, junto ao serviço público de saúde da Cidade de Indaial, as razões pelas quais a autora não consegue engravidar. Afirmaram que a autora foi submetida a tratamentos médicos, mas que não tiveram o resultado esperado. Foram realizados outros exames e, finalmente, a requerente diagnosticada com oclucão tubária ístmica bilateral (página 31). Asseveraram que se mudaram para Barra Velha e continuaram envidando esforços para engravidar. Os autores alegam que foram informados que o Sistema Único de Saúde desse Município não dispunha do serviço de fertilização, especialmente in vitro, havendo sido encaminhados para Joinville. Nesta Cidade, haveria sido informado aos autores que o Município de Joinville também não dispunha do tratamento pretendido, entretanto, a médica afirmou que o Município de Florianópolis prestava esse serviço pelo Sistema Único de Saúde. Os autores, então, foram encaminhados para Florianópolis. Novamente, agora de forma definitiva, em 19 de novembro de 2014, receberam a informação de que no Estado de Santa Catarina não existe a estrutura necessária para a realização do tratamento de fertilização in vitro pelo Sistema Único de Saúde. Afirmaram que o tratamento pretendido, em uma clínica particular, custaria em torno de R$ 15.000,00, mas que têm direito, inclusive liminarmente, à realização da fertilização pela rede pública de saúde, nos termos do parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 e da Lei 9.263, de 1996, tudo com espeque na proteção ao núcleo familiar e na dignidade da pessoa humana, enquanto direitos fundamentais.
Requereram, à guisa de tutela específica antecipada, seja determinada a realização do tratamento de fertilização in vitro. Alternativamente, seja custeado o referido tratamento na rede privada de saúde. Também, o benefício da Justiça Gratuita. Atribuíram valor à causa, juntaram procuração e documentos, às páginas 23 a 55.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi indeferido, às páginas 56 a 59.
O Estado de Santa Catarina apresentou contestação e documentos, às páginas 69 a 83.
O Município de Barra Velha contestou a pretensão dos autores e apresentou documentos, às páginas 92 a 102. O Município de Joinville, às páginas 114 a 147, oportunidade em que também interpôs Impugnação à Assistência Judiciária Gratuita (autos 0002017-26.2015.8.24.0006 em apenso).
A parte autora apresentou réplica, às páginas 86 a 91 e 151 a 162.
É o relatório. Decido.
JULGAMENTO ANTECIPADO
O feito está maduro para sentença, independentemente da produção de outras provas, razão por que passo a julgar antecipadamente a lide. Nesse sentido, mutatis mutandis, leia-se o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA... JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO MEDICAMENTO PLEITEADO...
Conforme art. 330, I, do CPC, se diante das afirmações das partes, as provas produzidas nos autos forem suficientes ao julgamento do processo, deve o magistrado julgar o feito antecipadamente. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível 2011.002293-8, Relator Desembargador Substituto Paulo Henrique Moritz Martins da Silva)
Cumpre dizer claramente que deve ser indeferida a realização da perícia requerida pelo Estado, especialmente porque o médico que indicou o tratamento é especialista na doença que acomete a autora e está vinculado ao SUS.
A autora R. F. comprovou que possui oclusão tubária ístmica bilateral, havendo se submetido a diversos exames, como US Ginecológico Transvaginal e Histerassalpingrafia (páginas 28 a 31), de sorte que não se mostra necessária a pretendida perícia médica, sendo dever deste magistrado zelar pela razoável duração do processo, indeferindo atos procrastinatórios.
No sentido de não haver cerceamento de defesa em casos que tais, leia-se o seguinte precedente:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. INVOCAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELA NÃO REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA E ESTUDO SOCIAL. SUFICIÊNCIA DA RECEITA SUBSCRITA POR PROFISSIONAL MÉDICO ESPECIALIZADO. PREFACIAL REJEITADA. CHAMAMENTO AO PROCESSO DA UNIÃO FEDERAL. PREJUÍZO DECORRENTE DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DOS ATOS EM PROCESSOS JULGADOS. INDEFERIMENTO DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS POR QUESTÕES DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. DIREITO À SAÚDE. SOLIDARIEDADE ENTRE OS TRÊS ENTES FEDERATIVOS. NECESSIDADE DO FÁRMACO PARA TRATAMENTO DE DOENÇA UROLÓGICA. EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS À SAÚDE, PORQUANTO DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO, EXIGÍVEL PELO CIDADÃO EM FACE DE ESTADO. PREQUESTIONAMENTO. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. REMESSA PARCIALMENTE PROVIDA APENAS PARA REDUZIR O VALOR DA MULTA COMINATÓRIA E DETERMINAR A PRESTAÇÃO DE CONTRACAUTELA ENQUANTO PERDURAR A NECESSIDADE DA MEDICAÇÃO. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível 2008.044995-2, de Taió, Relator Desembargador José Volpato de Souza)
INTERESSE DE AGIR
O Estado de Santa Catarina alegou falta de interesse de agir, haja vista que o procedimento pretendido pelos autores está padronizado no SUS, de modo que não haveria pretensão resistida, teria o paciente apenas que esperar em fila de espera, a fim de não burlar o direito de outros que podem estar em igual ou pior situação.
Não tem razão o Estado em sua preliminar, pois a simples existência de padronização do procedimento não resolve em absoluto o problema apontado pela autora. Para estar conforme os artigos 1º, 5º e 196 da Constituição Federal de 1988, inclusive à luz do princípio da eficiência administrativa, o serviço precisaria ser efetivamente prestado em tempo razoável.
Destaco que o caso da autora vem sendo acompanhado por médicos e hospitais vinculados ao SUS. O tratamento foi solicitado no ano de 2014, ou seja, os médicos vinculados ao Estado possuem ciência de que a autora necessita da fertilização e mesmo assim não a incluíram em fila de espera. Pelo menos não que se tenha notícia. Também, segundo a autora, quando ela procurou os Municípios de Barra Velha e Joinville para solicitar a realização do tratamento, os Municípios informaram que o procedimento não fazia parte do SUS, o que não se conforma com a realidade. Contudo, a autora não tem obrigação de conhecer esse fato e não tem condições de ficar discutindo essas questões burocráticas. Confiou nas informações obtidas e, sem alternativa, buscou socorro no Poder Judiciário, no que positiva o seu interesse de agir.
Destaco que a determinação judicial é exceção, só ocorre quando há desrespeito à norma constitucional que garante o acesso à saúde. Na hipótese, é evidente que a autora necessita do tratamento requerido para tentar gerar descendente, realizar a maternidade.
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Não há se falar em ilegitimidade passiva do Estado de Santa Catarina e dos Municípios. Isso porque é atribuição do SUS a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, e a vigilância sanitária, nos termos do artigo 6º, inciso I, alíneas a e d, da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Ora, a direção do SUS é exercida em cada esfera de governo: no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente, segundo dispõe o artigo 9º da mesma lei.
Ademais, como se sabe, a competência dos entes estatais é, nos termos da Constituição Federal de 1988 (artigo 23), comum, o que significa dizer que a atuação de um não exclui a de outro. Ao contrário, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem agir coordenadamente na assistência à saúde. Assim, entendo que a omissão de qualquer dos entes federados deve ser suprida pelos outros, pois a assistência à saúde é dever do Estado como um todo, e não apenas desta ou daquela pessoa jurídica de direito público.
Cito, também como razões de decidir, precedente do Supremo Tribunal Federal que concedeu tratamento gratuito a portador do vírus HIV, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 271.286/RS, Segunda Turma, Relator Ministro Celso de Mello, julgado por unanimidade em 12.9.2000, publicado no DJU de 24.11.2000.
Não bastasse, é de se ver que o caso da autora demanda Tratamento Fora do Domicílio, razão por que possui o Município de Joinville, enquanto órgão de saúde regional, além do Município de Barra Velha, enquanto órgão de saúde local, em hipótese, legitimidade para figurarem no pólo passivo da demanda.
Assim, vencidas as preliminares, passo ao exame do mérito.
MÉRITO
O direito ao planejamento familiar, previsto no parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, enquanto norma de conteúdo programático, ainda que fundado no princípio da dignidade humana, difere do direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal de 1988, enquanto direito de todos e dever do Estado, conforme se depreende da literalidade das respectivas normas:
Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Assim, enquanto o direito à saúde deve ser "garantido" pelo Estado, mediante acesso universal e igualitário, o planejamento familiar deve ser "propiciado" pelo Estado, mediante recursos educacionais e científicos,programa a ser efetivado na medida do possível (aplicabilidade limitada), máxime em se considerando as restrições orçamentárias dos entes estatais e a atual crise financeira que a todos afeta e requer prudência e austeridade.
A diferença de tratamento constitucional dos referidos direitos sociais possui justificativa no fato de que é o direito à saúde que garante a dimensão do mínimo existencial, a manutenção da sobrevivência. Para o jurista espanhol Gregório Peces-Barba Martínez:
La vida es para el hombre una realidad radical, el punto de partida de la personalidad... No es disponible... Se sitúa como el primero de los derechos... La primera función del poder es defender la vida de los ciudadanos... Sólo está disponible para protergelo y garantizarlo, no para renunciar ni a su titularidad ni a su ejercicio. Los demás derechos son renunciables en segundo momento, al menos. (Diez Lecciones sobre Ética, Poder y Derecho, Editora Dykinson, Madrid, p. 16)
Como já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não há como impor ao ente estatal o fornecimento dos fármacos prescritos para tratamento de infertilidade feminina, porquanto, além de inexistir risco à saúde ou à vida da paciente, requisito para concessão, agravar-se-ia ainda mais a caótica situação das contas públicas, notadamente na área da saúde (Agravo de Instrumento 70030940274, Relatora Desembargadora Sandra Brisolara Medeiros).
A busca da maternidade por meio de reprodução assistida, embora atitude louvável, não se mostra absolutamente imprescindível à saúde, à integridade física ou mental da paciente, não se constituindo, em vista disso, em direito subjetivo constitucional.
É que a vida, direito irrenunciável, não comporta alternativa, diferentemente da maternidade, plenamente possível por meio do instituto da adoção, sendo cada vez mais firme o entendimento humanitário no sentido de que é a afetividade o valor mais importante na filiação. Como já tive oportunidade de destacar em artigo de doutrina:
O processo adotivo tem por finalidade colocar alguém no seio de uma família. Quer isso dizer, doar amor, assistência moral e material, resgatar dignidade. Busca-se arredar, de vez, a situação de abandono e risco a que estava submetido o adotando, fazendo-o recrescer... A partir dessas considerações podemos entrever o verdadeiro espírito da legislação ao dispor sobre adoção de crianças e adolescentes, qual seja, o de doação de uma família, o de substituição do núcleo referencial, o de afirmação do pólo educativo e da fonte afetiva... (Iolmar Alves Baltazar. O Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo - Cuida - como Referência Nacional: busca da qualidade e eficiência na gestão judiciária, Revista Jurisprudência Catarinense, n. 119, 2009, Florianópolis, páginas 108 a 135)
Então, conforme estou convencido, para que o direito à saúde seja acessado de forma irrestrita (com aplicabilidade plena e imediata) como direito fundamental, necessário que esteja concretamente em jogo o mínimo existencial da condição humana. De acordo com voto do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário 566.471:
O direito à saúde como direito ao mínimo existencial é direito fundamental.
Consoante a clássica lição do professor Ricardo Lobo Torres, o direito ao mínimo existencial não possui positivação autônoma na Carta de 1988, mas pode ser extraído de inúmeras normas constitucionais contidas nos artigos 1º, 3º, 5º e 6º. Trata-se de direito implícito, na realidade, pré-constitucional, pré-estatal, inerente à condição humana digna e fundamentado na liberdade. A observância do mínimo existencial assegura, segundo o autor, a existência da pessoa humana em condições dignas, condições iniciais para o exercício da liberdade, da felicidade, da igualdade e dos direitos humanos em geral. Em síntese, o direito ao mínimo existencial consiste no “direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado na via dos tributos (= imunidade) e que ainda exige prestações estatais positivas” (TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 35-36).
Verificada transgressão ao mínimo existencial, o direito individual à saúde revela-se imponderável frente aos mais relevantes argumentos de ordem administrativa, como o do comprometimento de políticas de universalização da prestação aos demais cidadãos e de investimentos em outras áreas. Objeções de cunho administrativo, de primazia da expertise da Administração Pública, não podem subsistir ante violações ao mínimo existencial. Argumentos, genéricos, ligados ao princípio estruturante da separação de Poderes não possuem sentido prático em face de casos de inequívoca transgressão a direitos fundamentais. Não se trata – deve-se reiterar – de defender ampla intervenção judicial nas políticas públicas em matéria de direito à saúde, pois essas existem, estão em desenvolvimento, dirigidas à universalização dos serviços. Cuida-se de assentar a validade da atuação judicial subsidiária em situações concretas não alcançadas pelas políticas públicas pertinentes, mas nas quais necessária a tutela do mínimo existencial. A intervenção é mínima, casual, excepcional, mas indispensável. A tese da reserva do possível – como reserva fática ou como legalidade orçamentária – não merece prosperar. Mesmo um autor como Ricardo Lobo Torres, que prestigia enfaticamente o processo democrático e as escolhas orçamentárias como os meios legítimos para realização dos direitos sociais, entende viável a judicialização das alocações orçamentárias, se destinada à satisfação do mínimo existencial, do núcleo essencial dos direitos sociais. A dimensão objetiva dos direitos sociais, incluído o à saúde, deve ser realizada por meio de políticas públicas e orçamentárias, a cargo do Legislativo e do Executivo, relativas à universalização e racionalidade das prestações estatais positivas. Todavia, revelada a dimensão do mínimo existencial em casos particulares, a judicialização desses serviços estatais mostra-se plenamente justificada, independentemente de reserva orçamentária.
No caso, de forma distinta, a patologia em questão (oclucão tubária ístmica bilateral) não traz risco à vida da autora.
Ademais, como ressaltado pelo Estado em sua resposta à página 70, embora o procedimento de reprodução assistida esteja disponibilizado na rede pública de saúde, nos termos da Portaria 3.149, de 28 de dezembro de 2012, do Ministério da Saúde, que regulamenta o Projeto Cegonha, não existe no momento prestador habilitado no Estado de Santa Catarina.
Logo, tenho que não há o discrímen necessário (salvaguarda do mínimo existencial) para que seja custeado o referido tratamento na rede privada de saúde, tampouco razão concreta de extrema urgência médica que justifique não possa a paciente aguardar em fila de espera assim que o procedimento estiver disponível no Estado (por meio das diretrizes atinentes ao Tratamento Fora do Domicílio). Nos termos da jurisprudência:
Salvo comprovada urgência extraordinária, o deferimento de pedido liminar para que pessoa doente passe à frente dos demais em uma fila para exame médico ou cirurgias fere o princípio da indisponibilidade do interesse público e configura injustificável privilégio que prejudica e afronta o direito de todos os outros pacientes que estão à espera do mesmo atendimento, em situação igual ou pior que a do postulante. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Agravo de Instrumento 2012.073217-3, Relator Desembargador Luiz Cézar Medeiros)
Cito, outrossim, as seguintes decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que passam a integrar estas razões de decidir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. FERTILIZAÇÃO IN VITRO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DESCABIMENTO.
Tratando-se de tratamento para fertilização in vitro, a patologia em questão não traz risco à saúde da agravada tampouco à sua vida, motivo ensejador e suficiente para o indeferimento da antecipação de tutela. (Agravo de Instrumento 70055400873, Segunda Câmara Cível, Relator Desembargador João Barcelos de Souza Júnior)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO. FERTILIZAÇÃO IN VITRO.
Ausência de risco à vida ou à saúde da paciente a ensejar a obrigação de fornecimento de tratamento médico pelos entes públicos, nos termos da Lei Estadual 9.908/93. Princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços de saúde, não obstante a proteção à maternidade seja preceito constitucionalmente assegurado. (Agravo de Instrumento 70059481390, Terceira Câmara Cível, Relatora Desembargadora Matilde Chabar Maia)
Em conclusão, tenho que o procedimento de fertilização in vitro, no âmbito do sistema público de saúde, deva ser efetivado na medida do possível e seguindo rigorosamente o fluxo estabelecido pelo órgão gestor, máxime em se considerando as restrições orçamentárias dos entes estatais e a atual crise financeira, sob pena de risco de comprometimento de todo o sistema público na área da saúde.
Em adição, não constituindo a reprodução assistida um direito subjetivo, eventuais dissabores que os autores hajam sofrido na busca da realização do procedimento não ensejam compensação pecuniária por danos morais. Como se sabe, aborrecimentos são incapazes de causar abalo psicológico significativo, como se é exigido para a configuração de dano moral. Sobre o assunto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem reiteradamente se manifestado:
A verificação do dano moral não reside exatamente na simples ocorrência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante... O aborrecimento, sem consequências graves, por ser inerente à vida em sociedade - notadamente para quem escolheu viver em grandes centros urbanos - é insuficiente à caracterização do abalo, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido. Como leciona a melhor doutrina, só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. (Apelação Cível 2016.008172-4, Relator Desembargador Fernando Carioni)
Só se deve reputar como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo... não cabe indenização por dano moral quando os fatos narrados estão no contexto de meros dissabores, sem humilhação, perigo ou abalo à honra e à dignidade do autor. (Apelação Cível 2015.072625-8, Relator Desembargador Newton Trisotto)
Por fim, transcrevo o seguinte excerto como razões de decidir:
De se notar, ainda, a implicação econômica dos tratamentos desse porte. É cediço que são de elevado custo, bem como, na maioria das vezes, a primeira tentativa não é exitosa. Dessa forma, comumente é necessária a reiteração do procedimento, circunstância que majora significativamente o seu valor.
Logo, mostra-se inegável o seu reflexo no equilíbrio econômico-financeiro do Estado. A sua prioridade deve, ou pelo menos deve ser, são os pacientes que apresentam um quadro debilitado e que não podem prescindir do uso de medicação.
Nesse sentido, bem observou o magistrado a quo em sua sentença de primeiro grau:
Em países como o Brasil, em que os direitos fundamentais sociais ainda não se encontram satisfatoriamente concretizados, especialmente tratando do sistema público de saúde quanto às condições básicas de assistência as principais enfermidades que acometem a maioria da população, a teoria da reserva do possível não pode ser contraposta ao mínimo existencial. (...) considero que deve ser analisada a razoabilidade /proporcionalidade da prestação jurisdicional exigida do Estado, no sentido de que devem ter prevalência de atendimento as demandas prioritárias e, em seguida, outras demandas. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível 2013.065551-3, Relator Desembargador Carlos Adilson Silva)
DISPOSITIVO
ISSO POSTO, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelos autores na petição inicial.
Condeno os autores ao pagamento das custas processuais, bem como dos honorários advocatícios que fixo em R$ 3.000,00 para cada requerido, ficando, no entanto, suspensa a execução da verba sucumbencial enquanto fizerem jus à mercê legal da justiça gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Barra Velha (SC), 3 de outubro de 2016.
Iolmar Alves Baltazar
Juiz de Direito
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