INDULTO DE NATAL: O QUE HÁ DE COMUM ENTRE BARRABÁS, FUJIMORI E OS CORRUPTOS DA LAVA-JATO

28/12/2017

Mais uma vez, como acontece todo final de ano, o Presidente da República, valendo-se da competência privativa que lhe confere o art. 84, “caput”, inciso XII, da Constituição Federal, concedeu indulto natalino a diversos criminosos, sem exceção, primários ou reincidentes, nacionais ou estrangeiros, desde que satisfeitas as condições estampadas no Decreto 9.246, de 21 de dezembro de 2017.

No preâmbulo do decreto, o Presidente da República invoca sua competência constitucional privativa para conceder o indulto, aduzindo se tratar de “tradição, por ocasião das festividades comemorativas do Natal”.

Até mesmo os criminosos doentes mentais, psicopatas de toda espécie, esquizofrênicos, neuróticos, submetidos a medida de segurança, obtiveram o perdão e serão soltos, independentemente da cessação de periculosidade (art. 6º)!

O indulto, como se sabe, é causa de extinção de punibilidade prevista no art. 107, II, do Código Penal, ao lado da graça e da anistia.

Indulto e graça são formas de clemência soberana, concedidas pelo Presidente da República por meio de decreto. A graça é individual e o indulto é coletivo.

No mesmo decreto mencionado, o Presidente da República concedeu comutação de pena a inúmeros criminosos. A comutação de pena é o indulto parcial, em que o condenado tem sua pena diminuída.

A origem histórica do indulto é incerta, havendo registros de sua concessão na Grécia, no governo de Sólon, no período de 594 a.C.. Em Roma também há registros do instituto, tanto na sua forma coletiva (“generalis abolitio”), quanto na sua forma individual, como graça.

Na Bíblia Sagrada, no Novo Testamento, vem retratado o episódio da apresentação de Jesus a Pôncio Pilatos, que culminou com a morte na cruz e com a soltura de Barrabás.

Roma, mesmo tendo dominado os povos que conquistava, conservava, por vezes, os costumes locais, a fim de manter a paz (“Pax Romana”).

Nesse aspecto, ressalta o Evangelho de Mateus, capítulo 27, que os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo entregaram Jesus a Pôncio Pilatos. Pôncio Pilatos foi governador (“praefectus”) da província da Judéia entre os anos de 26 e 36 d.C..

Prossegue o Evangelho de Mateus (27:11-26): “E foi Jesus apresentado ao presidente, e o presidente o interrogou, dizendo: És tu o Rei dos Judeus? E disse-lhe Jesus: Tu o dizes. E, sendo acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. Disse-lhe então Pilatos: Não ouves quanto testificam contra ti? E nem uma palavra lhe respondeu, de sorte que o presidente estava muito maravilhado. Ora, por ocasião da festa, costumava o presidente soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse. E tinham então um preso bem conhecido, chamado Barrabás. Portanto, estando eles reunidos, disse-lhes Pilatos: Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo? Porque sabia que por inveja o haviam entregado. E, estando ele assentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: Não entres na questão desse justo, porque num sonho muito sofri por causa dele. Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse Jesus. E, respondendo o presidente, disse-lhes: Qual desses dois quereis vós que eu solte? E eles disseram: Barrabás. Disse-lhes Pilatos: Que farei então de Jesus, chamado Cristo? Disseram-lhe todos: Seja crucificado. O presidente, porém, disse: Mas que mal fez ele? E eles mais clamavam, dizendo: Seja crucificado. Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.

Então soltou-lhes Barrabás, e, tendo mandado açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado.”

Percebe-se, portanto, que a origem do indulto é remota e perpetuou-se na Idade Média, sendo acolhido, inclusive, pela Revolução Francesa, passando a fazer parte de diversos ordenamentos jurídicos mundo afora. No Brasil, figurou em diversas Constituições e, na Carta de 1988, veio tratado no art. 84, inciso XII.

Mas o que salta aos olhos no indulto natalino deste ano de 2017 foi a resistência do Presidente da República em acatar o parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que, por 20 votos a 3, entendeu que não deveria o indulto ser estendido aos crimes contra a Administração Pública, incluídas aí todas as modalidades de corrupção. De uma penada só, o Presidente da República ignorou o parecer do CNPCP e decretou o indulto que favoreceu, não apenas a bandidagem em geral, como também diversos corruptos condenados na Operação Lava-Jato, insultando a sociedade e desferindo um tapa na cara da parcela honesta da população brasileira. A desfaçatez foi tanta que causou, inclusive, visível constrangimento ao Ministro da Justiça Torquato Jardim ao tentar explicar à imprensa que o indulto mais generoso foi “decisão política” de Temer.

Mas não é somente no Brasil que a iniquidade grassa. No último domingo, dia 24, o presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski (investigado por ter recebido propina de empreiteiras brasileiras) concedeu indulto "por razões humanitárias" a Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru, condenado por corrupção e violações dos direitos humanos.

Constata-se, em suma, o total desvirtuamento do controvertido instituto do indulto (seja coletivo – indulto coletivo, seja individual – graça), que vem sendo utilizado, principalmente no Brasil, de maneira totalmente arbitrária e descomprometida com o interesse público, permitindo que a sociedade, mais uma vez, fique à mercê não somente da criminalidade violenta, que ceifa vidas e desassossega a população, como também da criminalidade política, que assalta impune e desavergonhadamente os cofres públicos.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Casablanca // Foto de: Cadu Villela // Sem alterações

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