Impunidade nas alturas – Por Ricardo Antonio Andreucci

28/04/2016

No dia 22 de abril próximo passado a IFALPA (International Federation of Air Line Pilots’ Associations) comunicou o governo brasileiro, por meio de carta enviada ao Ministro Guilherme Ramalho, Chefe da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, que o espaço aéreo brasileiro teve seu nível de segurança rebaixado.

A IFALPA é uma associação que representa mais de 100.000 pilotos comerciais em mais de 100 países no mundo, vinculada à ICAO (International Civil Aviation Organization), agência especializada em aviação civil das Nações Unidas.

O Brasil passou a ser enquadrado como “criticamente deficiente” (critically deficient) pela IFALPA, justamente em razão do risco de acidentes entre aeronaves e balões, principalmente durante “festivais religiosos e culturais”, em referência às festividades juninas, tradicionais no país.

Entretanto, ressaltou a IFALPA, o problema se agravou com a proliferação de competições organizadas, envolvendo vários grupos em todo o país.

A problemática envolvendo os balões e a segurança pública não é novo no Brasil, havendo diversos grupos de “baloeiros” que agem impunemente em todas as partes, principalmente nos grandes centros urbanos, inclusive alardeando seus feitos pela internet e pelas redes sociais (ex.: “turma vale noturno”, “baloeiros das antigas”, “balão na net”, “clube dos baloeiros”, “planeta balão”, “mundo baloeiro” etc), com pouca ou nenhuma atuação das autoridades policiais e do Ministério Público no sentido de coibir essa prática criminosa.

O mais curioso é que a IFALPA, na carta encaminhada ao governo brasileiro, ainda crendo na seriedade do país, pede que sejam tomadas medidas para reverter essa situação, com a “edição de leis banindo essas perigosas atividades”. Diz a carta: “IFALPA believes the Brazilian Authorities must immediately enforce laws banning these dangerous activities. Regulations and effective enforcement action must restrict the activity to specific areas at specific times, thus enabling the airspace surrounding the area to be closed to aircraft.”

Com absoluta razão a IFALPA e os milhares de pilotos comerciais que se preocupam em voar no espaço aéreo brasileiro. A leniência de nossas autoridades fez com que o Brasil recebesse a mesma classificação de países com zonas de guerra e regiões sem sistemas de controle de tráfego aéreo.

As autoridades brasileiras nada ou pouco fazem para reverter essa situação, não coibindo adequadamente a ilegal prática realizada pelos chamados “baloeiros”, muitas vezes reunidos em verdadeiras associações criminosas, que colocam em risco concreto um sem número de pessoas, não somente passageiras de vôos comerciais, mas também moradoras de centros urbanos e de zonas rurais, atingidas por enormes balões pesando centenas de quilos e carregando grande quantidade de explosivos e fogos de artifício, muitos deles, inclusive, com botijões de gás acoplados à sua estrutura para manter acesas grandes tochas que produzem o ar quente que os sustenta.

A prática de soltar balões é crime, punindo o art. 42 da Lei nº 9.605/98 as condutas de “fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano.” A pena privativa de liberdade é ínfima, de 1 a 3 anos de detenção, ou multa, podendo ambas ser aplicadas cumulativamente.

Nos raríssimos casos em que a polícia militar consegue deter algum “baloeiro”, geralmente as autoridades policiais arbitram fiança (art. 322 do CPP), e, quando não o fazem, dificilmente a prisão em flagrante é convertida em preventiva (em razão da pena cominada - art. 313 do CPP), em regra sendo fixadas risíveis medidas cautelares alternativas (art. 319 do CPP) que, como se sabe, carecem de fiscalização efetiva.

Portanto, esse é o quadro dramático que o Brasil apresenta ao exterior: um país em que grassa a impunidade e onde as leis penais são pífias e insuficientes para coibir até mesmo práticas delitivas de maior gravidade. Essa impunidade vem instigada pela mentalidade falaciosa e equivocada de que somente os crimes mais graves devem ser punidos. Será isso verdade? A realidade tem demonstrado justamente o contrário.

Mas o dileto leitor deve estar pensando: “certo, soltar balão é crime, mas existem crimes mais graves a ser punidos e não tem sentido a polícia ficar correndo atrás de balões enquanto crescem os casos de roubo, latrocínios, tráfico de drogas etc”

Ledo engano. Já é hora de se adotar uma postura séria e de repressão efetiva a delitos que trazem grande desassossego à sociedade brasileira, que não tolera mais a leniência com que são tratados os casos considerados “sem gravidade”, como crimes de trânsito, brigas de torcida, soltura de balões, violência doméstica etc, que, conforme comprovam estudos recentes desenvolvidos em diversos países da Europa (Alemanha, França, Itália etc) e nos Estados Unidos, são precursores da criminalidade mais grave e violenta.

Urge reverter esse quadro de impunidade, insuflado pelo “politicamente correto” e gerador da mentalidade de que “tudo é permitido” e de que a liberdade é absoluta. Liberdade sem responsabilidade e sem limites gera o caos e a sociedade brasileira bem o sabe, porque convive diuturnamente com a sensação de insegurança e de impunidade que, é certo, tem várias causas, mas que se deve, fundamentalmente, à ineficiência do Estado em garantir ao cidadão esse direito humano e fundamental (a segurança), previsto não somente no “caput” do art. 5º da Constituição Federal, como também na Declaração Universal dos Direitos Humanos.


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Imagem Ilustrativa do Post: "Balancing on the Brink." Eagle Peak summit, Chugach Mountains, Alaska // Foto de: Paxson Woelber // Sem alterações

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