IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP) PARA O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ART. 215-A DO CP).

28/07/2022

Em recente decisão, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que, presente o dolo específico de satisfazer a lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a sua desclassificação para o delito de importunação sexual (artigo 215-A do CP).

Na oportunidade, foram julgados quatro recursos especiais representativos da controvérsia, o que constituiu um grande passo para a preservação dos direitos de crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais no País.

Nesse sentido, o relator dos acórdãos, Ministro Ribeiro Dantas, ressaltou que “desclassificar a prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o delito do art. 215-A do CP, crime de médio potencial ofensivo que admite a suspensão condicional do processo, desrespeitaria ao mandamento constitucional de criminalização do art. 227, §4º, da CRFB, que determina a punição severa do abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. Haveria também descumprimento a tratados internacionais.”

Apenas para relembrar, o crime de estupro de vulnerável vem previsto no art. 217-A do Código Penal, punindo com reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos, a conduta de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.”

Trata-se de crime sexual hediondo, extremamente grave, que não pode ser flexibilizado, modulado ou desclassificado para o crime de importunação sexual, como, infelizmente, tem sido pugnado em inúmeras defesas e recursos criminais diariamente apresentados em nossos Tribunais.

Inclusive, de acordo com o disposto na Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça, o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente, tese também muito comum em defesas e recursos.

Já o crime de importunação sexual foi acrescentado mais recentemente ao Código Penal pela Lei n. 13.718/18, a qual revogou expressamente a contravenção penal de importunação pública ao pudor, prevista no art. 61 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41).

O crime de importunação sexual vem previsto no art. 215-A do Código Penal, punindo com pena sensivelmente mais branda, de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, a conduta de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.”

Vale ressaltar que o crime de importunação sexual não se insere no capítulo dos crimes sexuais contra vulneráveis, sendo de todo indevida, evidentemente, a sua aplicação à prática de atos libidinosos ou conjunção carnal com pessoa menor de 14 anos.

Ainda que se alegue, sem razão a nosso ver, haver conflito aparente de normas entre os artigos 217-A e 215-A do Código Penal, esse seria facilmente resolvido pelo princípio da especialidade do primeiro, que possui o elemento especializante "menor de 14 anos", e também pelo princípio da subsidiariedade expressa do segundo, conforme se verifica de seu preceito secundário, que prevê a pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, “se o ato não constitui crime mais grave”.

Também não há qualquer violação ao princípio da proporcionalidade ao se aplicar a punição rigorosa prevista para o estupro de vulneráveis quando se tratar de atos libidinosos superficiais e não invasivos, uma vez que, como ressaltado pelo próprio relator Ministro Ribeiro Dantas, “a opção legislativa é pela absoluta intolerância com atos de conotação sexual com pessoas menores de 14 anos.”

Nesse diapasão, há que se ter em mente a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, estampada no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) e primordialmente na Constituição Federal, no art. 227, que diz:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Portanto, a questão submetida a julgamento pelo rito dos recursos repetitivos (possibilidade ou não de se desclassificar o crime de estupro de vulnerável para o delito de importunação sexual), no Tema Repetitivo 1121, originou a seguinte Tese Firmada: “Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP).”

 

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: O brinquedo que caracteriza a infância // Foto de: Maicon Hinrichsen Baptista // Sem alterações

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