IMPOSIÇÃO DE PENA DE MULTA ISOLADAMENTE EM CRIMES ENVOLVENDO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

11/05/2023

Ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei n. 11.340/06, denominada popularmente Lei Maria da Penha, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero, uma das formas mais preocupantes de violência, já que, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuos.

A Lei Maria da Penha, no âmbito da chamada tutela dos vulneráveis, denotando a verdadeira essência do princípio da igualdade, deu concretude ao texto constitucional (art. 226, §8º, CF) e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, com a finalidade de mitigar, tanto quanto possível, esse tipo de violência (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral).

Preceituando que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, a Lei n. 11.340/06 estabeleceu, no artigo 5º, que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Nesse contexto, o artigo 17 da Lei n. 11.340/06 veda expressamente a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

A razão de ser desse artigo é evitar que as penas aplicadas aos agressores de mulheres em casos de violência doméstica sejam brandas ou insuficientes para desestimular a prática desse tipo de violência. A vedação de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária busca evitar que o agressor possa simplesmente pagar uma quantia em dinheiro para se livrar da responsabilidade pelo crime cometido.

A substituição da pena privativa de liberdade por multa isolada também é vedada porque a pena de multa, por si só, pode ser vista como uma punição insuficiente para crimes de acentuada gravidade que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, a lei visa estabelecer que a pena aplicada a agressores nesses casos seja compatível com a gravidade do delito e suficiente para prevenir a ocorrência de novas agressões.

Mais recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar um recurso especial de relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior para definir, no rito dos repetitivos, se a Lei Maria da Penha impede que a pena de multa seja aplicada de forma isolada.

A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.189 na base de dados do STJ, está assim ementada: "definir se a vedação constante do artigo 17 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) obsta a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado".

Vale ressaltar que o colegiado decidiu não suspender a tramitação dos processos que discutem a mesma questão, pois, além de já existir orientação jurisprudencial das turmas componentes da Terceira Seção, eventual atraso no julgamento poderia causar prejuízos aos jurisdicionados.

De acordo com o ministro Sebastião Reis Júnior, o caráter repetitivo da matéria foi verificado a partir de pesquisa à base de jurisprudência do STJ, que identificou 28 acórdãos e 650 decisões monocráticas tratando da mesma questão.

No mencionado recurso especial representativo da controvérsia, o Ministério Público questiona acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, segundo o qual "a regra restritiva contida no artigo 17 da Lei Maria da Penha deve sofrer interpretação limitada, porque inibe direitos. Assim, se a Lei Maria da Penha veda a substituição por multa, não impede a aplicação da multa prevista como pena autônoma no próprio preceito secundário do tipo penal imputado".

De acordo com o entendimento do Ministério Público, que reputamos absolutamente correto, houve, no julgamento que admitiu a aplicação isolada de pena de multa ao agressor, patente violação do artigo 17 da Lei n. 11.340/06, pois a norma veda expressamente a possibilidade de aplicação de pena de prestação pecuniária, multa ou congênere no caso de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Há diversos precedentes da Quinta e da Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça já sedimentando o entendimento de que, ainda que o crime pelo qual o réu foi condenado tenha previsão alternativa dessa espécie de sanção (multa), não é cabível a aplicação exclusiva de tal reprimenda em caso de violência ou grave ameaça contra mulher.

Ressalta, neste ponto, o escopo protetivo da Lei Maria da Penha, evidenciando o intuito do legislador de salvaguardar a dignidade da mulher vítima, fazendo com que o agressor cumpra efetivamente a pena privativa de liberdade que lhe for assinada e não simplesmente pague uma quantia em dinheiro, o que poderia instigar na sociedade e na vítima a sensação de impunidade e de menosprezo ao reprovável ato praticado.

Quiçá assim entendam os ilustres ministros da referida Corte Superior, fixando a tese da plena validade do artigo 17 da Lei Maria da Penha e da impossibilidade de aplicação isolada da pena de multa nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

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