IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA E ATIPICIDADE DA CONDUTA - A RECENTE DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

22/10/2020

A partir do julgamento de embargos de divergência em recurso especial (EREsp 1624564/SP), em 14 de outubro de 2020, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça houve por bem considerar que a importação de poucas sementes de maconha não é suficiente para tipificar crime previsto na Lei de Drogas, tendo a Corte reconhecido a atipicidade da conduta e determinado o trancamento da ação penal.

A questão, entretanto, não é nova, já tendo sido objeto de análise em artigo anterior, de nossa lavra, nesta mesma coluna.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, com a nova decisão, resolveu a divergência que havia sobre o assunto entre a Quinta e a Sexta Turma. A Sexta Turma já tinha posição consolidada no mesmo sentido da nova decisão. A Quinta Turma, por seu turno, tinha posição diversa, entendendo pela configuração do crime de tráfico de drogas na importação de sementes de maconha.

A questão central da discussão se resume em saber se a importação clandestina ou ilegal de sementes de maconha constitui crime, conforme já abordamos em artigo anterior. Em caso positivo, qual crime? Tráfico de drogas? Matéria prima para a produção de drogas? Posse para consumo pessoal? Contrabando? Em caso negativo, qual o fundamento?

Conforme foi ressaltado no recente julgamento da Terceira Seção, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), ao se referir a “drogas”, seguiu a orientação do diploma anterior, criando normas penais em branco, cujo preceito deve ser complementado por norma de natureza extrapenal, no caso, Portaria do Serviço de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde. Assim, se for constatada a existência de alguma substância entorpecente não relacionada na Portaria nº 344/98, por força do princípio da estrita legalidade, sua produção, comercialização, distribuição ou consumo não constituirá crime de tráfico ou de posse para consumo pessoal.

Estabelece o parágrafo único do art. 1º da Lei de Drogas, textualmente:

“Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

Em complemento, dispõe o art. 66 do mesmo diploma:

“Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998”.

Nesse aspecto, é competência do Ministério da Saúde, consoante o disposto no art. 14, I, a, do Decreto nº 5.912/2006, publicar listas atualizadas periodicamente das substâncias ou produtos capazes de causar dependência.

O Superior Tribunal de Justiça, com relação à importação clandestina de sementes de maconha, tinha posição prevalente no sentido de que restaria configurado o tipo penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/06. Isso porque a semente de maconha, conquanto não apresente a substância “tetrahidrocannabinol” (THC), destina-se à produção da planta, e esta à substância entorpecente, sendo, pois, matéria prima para a produção de droga. Por isso, sua importação clandestina, por si só, se amolda ao tipo penal insculpido no artigo 33, § 1º, da Lei nº 11.343/06, não havendo falar em atipicidade da conduta e nem tampouco em desclassificação para o crime de contrabando.

Entretanto, já havia uns poucos julgados entendendo que, tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso seria reconhecer a atipicidade do fato, aplicando-se o princípio da insignificância.

No recente julgamento dos embargos de divergência, a relatora Ministra Laurita Vaz destacou que o entendimento firmado pela Terceira Seção está em consonância com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, que também tem reconhecido a ausência de justa causa e determinado o trancamento de ações penais nos casos que envolvem importação de sementes de maconha em reduzida quantidade, especialmente porque tais sementes não contêm o princípio ativo da droga.

Assim sendo, ficou pacificado, pelo menos por enquanto, no Superior Tribunal de Justiça, que a importação clandestina de sementes de maconha é fato atípico, em razão de tais sementes não possuírem o princípio ativo da droga.

Nesse sentido, assim estabelece a ementa do julgamento do EREsp 1624564/SP:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE 16 SEMENTES DE MACONHA (CANNABIS SATIVUM). DENÚNCIA POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. REJEIÇÃO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECLASSIFICAÇÃO PARA CONTRABANDO, COM APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO POR ATIPICIDADE. ACATAMENTO DO ENTENDIMENTO DO STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.

  1. O conceito de "droga", para fins penais, é aquele estabelecido no art. 1.º, parágrafo único, c.c. o art. 66, ambos da Lei n.º 11.343/2006, norma penal em branco complementada pela Portaria SVS/MS n.º 344, de 12 de maio de 1998. Compulsando a lista do referido ato administrativo, do que se pode denominar "droga", vê-se que dela não consta referência a sementes da planta Cannabis Sativum.
  2. O Tetrahidrocanabinol - THC é a substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativum, mas ausente na semente, razão pela qual esta não pode ser considerada "droga", para fins penais, o que afasta a subsunção do caso a qualquer uma das hipóteses do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006.
  3. Dos incisos I e II do § 1.º do art. 33 da mesma Lei, infere-se que "matéria-prima" ou "insumo" é a substância utilizada "para a preparação de drogas". A semente não se presta a tal finalidade, porque não possui o princípio ativo (THC), tampouco serve de reagente para a produção de droga.
  4. No mais, a Lei de regência prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a colheita da planta proibida (art. 33, § 1.º, inciso II; e art. 28, § 1.º). Embora a semente seja um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação (ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica na Lei de Drogas.
  5. A conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha é atípica, consoante precedentes do STF: HC 144161, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 13-12-2018 PUBLIC 14-12-2018; HC 142987, Relator Min. GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-256 DIVULG 29-11-2018 PUBLIC 30-11-2018; no mesmo sentido, a decisão monocrática nos autos do HC 143.798/SP, Relator Min. ROBERTO BARROSO, publicada no DJe de 03/02/2020, concedendo a ordem "para determinar o trancamento da ação penal, em razão da ausência de justa causa". Na mesma ocasião, indicou Sua Excelência, "ainda nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: HC 173.346, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 148.503, Min. Celso de Mello; HC 143.890, Rel. Min. Celso de Mello; HC 140.478, Rel. Min. Ricardo Lewadowski; HC 149.575, Min. Edson Fachin; HC 163.730, Relª. Minª. Cármen Lúcia." 6. Embargos de divergência acolhidos, para determinar o trancamento da ação penal em tela, em razão da atipicidade da conduta.”

 

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