Há interesse público na tutela jurisdicional político - democrática das coletividades vulneráveis? Sobre o Pedido Defensorial Suspensivo (PDS) às Presidências dos Tribunais

27/06/2015

Por Carlos Alberto Souza de Almeida Filho e Maurilio Casas Maia - 27/06/2015

A tradicional classificação entre interesse público primário e secundário deve ser norteadora da utilização legítima pelo poder público nos chamados “Pedidos de Suspensão” (de liminares, seguranças e antecipações de tutela). Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinculou a utilização do Pedido Suspensivo à existência de interesse público primário no bojo do AgRg na SLS 1.874/SC (Rel. Min. Félix Fischer, Corte Especial, j. 21/5/2014). Oportunamente, registra-se a esclarecedora lição de Rafael de Oliveira Costa (2015, p. 287) no sentido de que não há “confusão entre interesses públicos e interesses de entes públicos”, embora em muitos casos tais interesses caminhem lado a lado. E complementa o retrocitado autor: “O interesse público suplanta os limites dos direitos subjetivos dos entes públicos”. É exatamente nesse contexto democrático que se trata aqui do Pedido Suspensivo às Presidências dos Tribunais.

Em visão renovadora e maximizadora do acesso à Justiça, o ano de 2014 brindou o Estado Defensor com a elevação de sua legitimidade coletiva expressa ao plano constitucional. Partindo-se do pressuposto de que o Estado Democrático de Direito não pode prescindir de instrumentos de tutela dos direitos fundamentais, a Defensoria Pública brasileira vem buscando suprimir o histórico déficit com a massa vulnerável de necessitados de nosso País. Nesse contexto, a Instituição vem cada vez mais sendo reconhecida enquanto custus vulnerabilis brasileiro e buscando tutelar os agrupamentos mais desprovidos de recursos para a tutela coletiva.

O art. 134 da Constituição Federal remete o Estado Defensor à tutela (individual ou coletiva) dos necessitados, sendo imprescindível que a jurisdição admita o uso de todas as medidas judiciais permissivas da tutela do melhor interesse de agrupamentos vulneráveis, principalmente quando lhes socorrer o interesse público. Nesse contexto de interesse público patente, surge a possibilidade aqui aventada no sentido de franquear às Defensorias Públicas Coletivas o uso da medida processual garantida no art. 4º da Lei nº 8.437/92, ou seja, dos denominados pedido de suspensão de liminar, suspensão de segurança e tutela antecipada.

A supracitada legitimidade resta indubitável no contexto normativo atual, no qual a Emenda Constitucional nº 80/14 afastou as dúvidas sobre a existência da legitimidade coletiva da Defensoria Pública (art. 134, CF). No plano infraconstitucional, a Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar nº 80/94), em seu art. 4º, inciso VII, é permissiva ao uso de qualquer instrumento de defesa coletiva de direitos dos necessitados.

Nesse ponto, ressalta-se nova característica do Estado Defensor: a tutela dos interesses públicos para a salvaguarda dos assistidos, tão vulneráveis em decorrência de sua catalogação enquanto necessitados e carentes de recursos. Assim, descobre-se, a cada dia, no cenário forense, que a eficiente assistência jurídica coletiva e integral perpassa necessariamente pelo interesse público existente na promoção da dignidade humana e, ainda, de outros preceitos constitucionais. Nesse contexto, questionou-se acerca da legitimidade defensorial para pleitos suspensivos às presidências dos Tribunais – isso porque tal incidente processual é geralmente conectado à legitimidade da Fazenda Pública em Juízo e, por vezes, ao chamado interesse público secundário.

Ao se analisar a relação entre a legitimidade coletiva da Defensoria Pública e pedidos de suspensão, percebeu-se que seu uso potencial estará conectado ou à regularidade da administração defensorial (pedido de suspensão institucional-organizacional) ou à proteção das coletividades alvo de proteção pelo Estado Defensor (pedido de suspensão institucional-finalístico).

Exemplificativamente, no Estado do Mato Grosso, utilizou-se o pedido de suspensão defensorial com finalidade institucional-organizacional ou atípica. Naquele caso, o pleito de suspensão do Estado Defensor buscou resguardar o interesse público enquanto espécie de Estado Administrador, função atípica para o Estado Defensor. Trata-se do Pedido de Suspensão de Liminar nº 60.981/11 (TJMT), pelo qual foi tutelada a ordem jurídica e respaldou-se o direito de autoadministração da Defensoria Pública, evitando-se que fossem alocados defensores públicos em desconformidade com as possibilidades da Defensoria Pública local e sua autonomia institucional.

Convém registrar a existência de pleitos defensoriais de suspensão com natureza institucional-finalístico ou típica, voltados à tutela da ordem, segurança, saúde e economia pública, em prol dos agrupamentos vulneráveis de necessitados. Em tais casos, a Defensoria não age na condição de Estado Administrador – função atípica do Estado Defensor, mas na condição típica de custus vulnerabilis constitucional (guardião dos vulneráveis).

No Estado do Amazonas, por meio do Pedido de Suspensão de Liminar nº 0009640-54.2014.8.04.0000 (TJ-AM) buscou-se tutelar a ordem pública em favor de vulnerável agrupamento de necessitados. No caso sub judice, existiam ações propostas por empresa privada em desfavor de coletividade passiva vulnerável. Em outras palavras, existiam ações coletivas passivas aforadas em desfavor de coletividades vulneráveis, existindo nessa realidade diversas decisões prejudiciais à ordem, saúde, segurança e economia públicas, e, coincidentemente, desfavoráveis à multicitada coletividade necessitada. Na ocasião, o Estado Defensor surgiu como pessoa jurídica de Direito Público interessada no pleito suspensivo.

O Desembargador Rafael Araújo Romano, então Presidente em exercício no Tribunal amazonense, concluiu em seu decisório suspensivo: “Constata-se [...] que a ordem pública, jurídica e econômica está sujeita a sofrer grave lesão de difícil reparação, sendo mister que esse órgão, dentro dos limites da justiça social e demais valores afeitos ao princípio da dignidade humana que ora se acham violados, suspenda, imediatamente, os efeitos da decisão impugnada”. Dessa forma, sagrou-se o uso do pleito suspensivo defensorial para tutelar a ordem pública em prol de agrupamentos vulneráveis.

O pedido defensorial de suspensão às presidências dos Tribunais ainda é tema novo, mas alguns pilares quanto ao seu manejo podem ser apontados: (i) o risco à ordem, segurança, economia e saúde pública ou a ilegitimidade decisória deve afetar grupos vulneráveis necessitados, configurando-se aí a pertinência temática do Estado Defensor e o pedido suspensivo; (ii) a tutela do interesse público deve resvalar na proteção dos vulneráveis, justificando a legitimação extraordinária da Defensoria Pública – enquanto “pessoa jurídica de Direito Público interessada” na suspensão presidencial. Dessa forma, o pleito defensorial suspensivo será legítimo quando houver interesse público defensorial na demanda, ou seja, quando a tutela do interesse público socorrer coletividades necessitadas.

Ao remate, reitera-se tratar de tema novo, tanto no âmbito doutrinário, quanto no forense, razão pela qual estes breves parágrafos possuem o afã de suscitar entre os intérpretes e profissionais do Direito o debate e a busca de mecanismos simples e eficazes de tutela transindividual, democrática e pluralista do interesse público-constitucional existente na tutela coletiva dos agrupamentos de necessitados em condição de vulnerabilidade social, principalmente em desfavor de demandas repetitivas constitucional e socialmente ilegítimas.


Notas e Referências:

ALMEIDA FILHO, Carlos Alberto Souza; MAIA, Maurílio Casas. O Estado-defensor e sua legitimidade para os pedidos de suspensão de liminar, segurança e tutela antecipada. Revista de Processo. São Paulo, v. 239, p. 247-261, jan. 2015.

______. ______. Pedido Defensorial de Suspensão às presidências dos Tribunais. Revista Jurídica Consulex, Brasília, p. 42-43, 15 Mai. 2015.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil: Direito Processual Público e Direito Processual Coletivo. V. 2. Tomo III. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

______. O Poder Público em Juízo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

COSTA, Rafael de Oliveira. Tutela de direitos coletivos x tutela do interesse público: novos limites ao juízo político no pedido de suspensão de segurança em ações coletivas. Revista de Processo, Vol. 239, p. 277-291, São Paulo, Jan. 2015.

MAIA, Maurílio Casas. Custos vulnerabilis Constitucional: O Estado Defensor entre o REsp nº 1.192.577-RS e a PEC nº 4/14. Revista Jurídica Consulex. Brasília, p. 55- 57, 1º jun. 2014.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. V. 3. 12. ed. Salvador: Jus Podivm, 2014.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. V. 4. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2014.

VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao Poder Público. 2. ed. São Paulo: RT, 2010.


Carlos Alberto Souza de Almeida Filho é Pós-Graduado em Direito das Relações Sociais. Professor da Faculdade Martha Falcão. Diretor da Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Amazonas. Defensor Público (DPE-AM), titular da Especializada em Atendimento de Interesses Coletivos.

 

Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM).

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com                                                                                     


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