GOLPE DE ESTADO: NOVO CRIME PREVISTO NA LEI 14.197/21

23/09/2021

O novo crime denominado “golpe de estado” foi inserido no Código Penal pela Lei n. 14.197/21, que acrescentou o Título XII na Parte Especial do Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Referido crime vem previsto no art. 359-M do Código Penal, com a seguinte redação:

“Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.”

Golpe de Estado, como se sabe, pode ser definido como a subversão da ordem institucional estabelecida em determinado país, mediante ações violentas ou não, em que há uma ruptura institucional repentina, passando o controle do Estado de um governo constitucionalmente eleito para outro governante ou grupo de governantes golpistas.

A expressão “golpe de Estado” foi idealizada pelo escritor político Gabriel Naudé, que também era bibliotecário, no século XVII, em sua consagrada obra “Considérations politiques sur les coups-d'état” (Considerações políticas sobre os golpes de Estado), publicado em 1639. Entretanto, a concepção de golpe de Estado de Naudé em nada se assemelha àquela utilizada contemporaneamente. Para Naudé, golpe de Estado seria caracterizado por ações audazes e extraordinárias que os príncipes se veem obrigados a executar no acometimento de empreitadas difíceis, beirando o desespero, contra o direito comum, e sem guardar qualquer ordem ou forma de justiça, colocando em risco o interesse de particulares pelo bem geral.

A objetividade jurídica desse crime é a tutela do chamado Estado Democrático de Direito. Nas palavras assertivas de Alexandre de Moraes (“Direito Constitucional”. 36ª ed. São Paulo: Atlas. 2020. p. 58/59), “o Estado Democrático de Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais é proclamado, por exemplo, no ‘caput’ do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático ao afirmar que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’, para mais adiante, em seu art. 14, proclamar que ‘a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular’. Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular. O Estado Constitucional, portanto, é mais do que o Estado de Direito, é também o Estado Democrático, introduzido no constitucionalismo como garantia de legitimação e limitação do poder.”

Pela redação do tipo penal ora em análise, pode-se inferir que o golpe de Estado mencionado pela lei nada mais é do que a tentativa de depor, por meio violento ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Evidentemente que o “governo” referido no dispositivo penal é o governo federal, já que se trata de “golpe de Estado”. O Estado, pessoa jurídica de direito público externo, correspondente ao conjunto de instituições no campo político e administrativo que organiza o espaço de um povo ou nação, é dirigido por um governo que, no caso, é o governo federal. O chefe de governo é o Presidente da República.

Assim, o sujeito ativo do crime de golpe de Estado pode ser qualquer pessoa, isoladamente ou em concurso, com exceção do Presidente da República, já que o tipo penal faz referência a “governo legitimamente constituído”. Portanto, seria impossível o governante legitimamente (democraticamente – dentro das regras eleitorais do Estado Democrático de Direito) eleito tentar depor a si mesmo, ou o seu próprio governo. Sujeito passivo é o Estado.

A conduta típica vem representada pela expressão “tentar depor”. Depor significa destituir, colocar à parte, despojar do cargo. O que se pune é a tentativa de deposição, por meio de violência ou grave ameaça, de um governo legitimamente constituído, conforme acima referido.

Trata-se de crime doloso, que se consuma com a mera tentativa de deposição (golpe), mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Por ser um crime de atentado ou de empreendimento, não se admite a tentativa, que já é caracterizada como a própria consumação. O crime é formal, não havendo necessidade da ocorrência do resultado naturalístico (deposição do governo). Ressalte-se que, ocorrendo a efetiva deposição do governo legitimamente constituído, não haverá mudança importante na tipificação, configurando-se o exaurimento do crime ora em comento, com reflexos apenas na dosimetria da pena-base, a critério do julgador.

A ação penal é pública incondicionada, descabendo o acordo de não persecução penal.

Por fim, vale lembrar que esse crime será considerado inafiançável e imprescritível se for praticado por grupos armados, civis ou militares, de acordo com o disposto no art. 5º, XLIV, da Constituição Federal.

 

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