FLAGRANTE EM CRIME CONTINUADO, EM CRIME PERMANENTE E EM CRIME HABITUAL

26/11/2020

 

Flagrante (do latim “flagrare” — queimar) é a qualidade do delito que está sendo cometido.

A prisão em flagrante, a rigor, é a prisão daquele que é surpreendido no momento da consumação da infração penal. Entretanto, a lei processual penal alarga o espectro de abrangência da prisão em flagrante, estendendo-a até mesmo a casos em que haja presunção de ser a pessoa autora da infração penal, por ter sido encontrada, por exemplo, logo depois do crime, com instrumentos, armas, objetos e papéis a ele relacionados (art. 302, IV, do CPP).

Portanto, pela sistemática instituída pelo Código de Processo Penal, a prisão em flagrante apresenta diversas espécies, apenas uma delas (art. 302, I, do CPP) representando o flagrante verdadeiro e real.

A prisão em flagrante é medida administrativa (não jurisdicional), cautelar, de natureza processual, sendo dispensada a ordem escrita e prévia da autoridade judiciária.

Como modalidade de prisão cautelar, a prisão em flagrante se sujeita ao requisito básico do “fumus comissi delicti”, que se manifesta na existência de indícios de autoria e prova da existência do crime — materialidade. Ou seja, é a visibilidade do delito.

A prisão em flagrante é, portanto, para muitos doutrinadores, uma modalidade de prisão cautelar de natureza processual. Para alguns processualistas, entretanto, se trata de uma prisão precautelar, principalmente em face do disposto no art. 310 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.403/2011, já que o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá, fundamentadamente: relaxar a prisão ilegal, converter a prisão em flagrante em preventiva ou conceder liberdade provisória ao indiciado, com ou sem fiança.

A prisão em flagrante deve seguir o disposto no art. 304 do Código de Processo Penal, cumprindo-se rigorosamente as formalidades previstas no art. 306 do mesmo diploma.

Se a prisão em flagrante for ilegal, deverá ser relaxada pelo juiz tão logo receba o respectivo auto (art. 306, § 1º, c/c art. 310, I, ambos do CPP). O relaxamento nada mais é que o cancelamento da prisão em flagrante ilegal, com a consequente soltura do acusado.

Considerando não apenas as hipóteses que autorizam essa modalidade de prisão, como também o sujeito ativo da medida, o flagrante pode ser classificado da seguinte forma:

a) Flagrante próprio (real ou verdadeiro): é aquele em que o agente está cometendo a infração penal (art. 302, I, do CPP) ou acaba de cometê-la (art. 302, II, do CPP).

b) Flagrante impróprio (quase flagrante ou irreal): é aquele em que o agente é perseguido (art. 290, § 1º, do CPP), logo após cometer a infração penal, em situação que faça presumir ser dela o autor.

c) Flagrante presumido (assimilado ou ficto): é aquele em que o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

d) Flagrante compulsório (obrigatório): é aquele em que a prisão deve ser obrigatoriamente feita pela autoridade policial e seus agentes (art. 301, do CPP).

e) Flagrante facultativo: é aquele em que a prisão pode ser feita por qualquer do povo, sem obrigatoriedade (art. 301, do CPP).

Costuma-se estabelecer, ainda, outras modalidades de flagrante:

a) Flagrante preparado ou provocado (delito de experiência, de ensaio ou putativo por obra de agente provocador): é aquele que ocorre quando a autoridade policial ou seus agentes, ou terceiro, induzem o sujeito à prática do crime, viciando a sua vontade. Nesse sentido a Súmula 145 do STF: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Essa modalidade de flagrante torna a execução do crime impossível.

b) Flagrante forjado (fabricado): é aquele em que a autoridade policial e seus agentes, ou terceiro, forjam a situação de flagrante, criando provas de uma infração penal inexistente (ex.: colocar arma de fogo no interior do veículo ocupado pelo agente; colocar entorpecente nas vestes do agente etc.). Esse flagrante também é irregular, não podendo ser aceito.

c) Flagrante esperado: é aquele em que a autoridade policial e seus agentes, ou terceiro, simplesmente aguardam o momento da ocorrência da infração penal, não havendo que falar em induzimento ou provocação (ex.: proprietário de estabelecimento comercial que, sabedor de que seu funcionário está subtraindo dinheiro do caixa, coloca-se de tocaia e aguarda o momento de nova subtração para, somente então, prender o criminoso em flagrante delito). Esse flagrante é plenamente válido e regular.

d) Flagrante prorrogado (retardado, diferido ou ação controlada): é hipótese de prisão em flagrante prevista na Lei do Crime Organizado — Lei n. 12.850/2013, que consiste, nos termos de seu art. 8º: em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenções de informações.

Não se pode confundir o flagrante prorrogado com a entrega vigiada, que é procedimento previsto no art. 53, II, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), consistindo na não atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar o maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Com relação especificamente ao crime continuado, ao crime permanente e ao crime habitual, também é possível a prisão em flagrante, desde que observadas as características de cada uma dessas modalidades de delito.

Nesse aspecto, não se deve confundir crime continuado com crime habitual. No crime continuado, há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. O crime habitual, por seu turno, normalmente é constituído de uma reiteração de atos, penalmente indiferentes de per si, que constituem um todo, um delito apenas, traduzindo geralmente um modo ou estilo de vida. Exemplos: exercer ilegalmente a medicina (art. 282 do CP); manter estabelecimento em que ocorra exploração sexual (art. 229 do CP); participar dos lucros da prostituta (art. 230 do CP) ou se fazer sustentar por ela.

Outrossim, não se deve confundir crime continuado com crime permanente. No crime permanente há apenas uma conduta, que se prolonga no tempo. Exemplo: sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP).

Assim, no crime permanente, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência, “ex vi” do disposto no art. 303 do Código de Processo Penal.

No crime habitual, por sua vez, também é plenamente possível a prisão em flagrante, embora não se ignore a evidente dificuldade em se comprovar, muitas vezes, de imediato, a reiteração do comportamento criminoso (habitualidade). Portanto, somente é possível o flagrante em crime habitual se, no momento da prisão, for possível provar-se a habitualidade.

Por fim, sendo o crime continuado aquele em que o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, há plena possibilidade de prisão em flagrante, que, no caso, pode ocorrer em qualquer dos crimes que integram a continuidade.

 

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